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O Contrato de Parceria Comercial e o princípio da função social do contrato

Nenhum lucro financeiro paga os danos à imagem de uma empesa.

sexta-feira, 12 de novembro de 2021

Atualizado às 11:27

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

A parceria comercial é um acordo estabelecido entre empresas, por meio do qual as mesmas comprometem-se a cooperar mutuamente, a unir esforços, com o fim de atingir interesses comerciais comuns, alavancando estratégias de crescimento.

O que acontece é que existem determinados projetos comerciais que se mostram mais benéficos, financeira e operacionalmente, se desenvolvidos por meio de parcerias empresariais, uma vez que essa atuação conjunta permite agregar valores e expertises, que possibilitam o alcance de um resultado mais efetivo.

Nesse sentido, é importante pontuar que essas parcerias também podem ser estabelecidas por iniciativa de pequenas ou médias empresas, ou, até mesmo, por startups, pois o que vale como importantes premissas não são o porte ou o poderio econômico da empresa, mas sim, um cuidadoso planejamento, uma convergência de interesses e disponibilidade de esforços em prol de um bem comum.

Aliás, temos dois exemplos de grandes empresas que já se associaram a pequenas startups em acordos comerciais: a rede de lanchonetes McDonald's, em certa ocasião, enfrentou problemas de organização no recebimento e gestão de documentos fiscais eletrônicos e recorreu à empresa "Arquivei", uma startup que oferece uma plataforma de gerenciamento de notas fiscais, e assim, utilizando a solução dessa empresa, em diversos setores, como financeiro, contábil, compras e manutenção, passou a ter o seu sistema de gestão de documentos de forma organizada e eficiente.

Outro exemplo é a rede de supermercados Wall Mart que, em parceria com outra startup denominada "Cuponomia" emitiu cupons de descontos, aos seus consumidores, de milhares de lojas virtuais em seu site. "Após o início da relação, quando o Walmart se juntou a players do varejo como Centauro, Natura e Lojas Americanas, a empresa aumentou suas vendas em 21% logo nos primeiros seis meses.¹

Portanto, essas e outras parcerias, além dos aspectos comerciais, se atendidas as diretrizes jurídicas, têm o condão de gerar negócios muito frutíferos.

Nesse sentido, destacamos o planejamento do acordo, o qual envolve, dentre outros fatores, a escolha do parceiro comercial, que deve ser bastante ponderada e cautelosa, afinal de contas, é fundamental que os perfis empresarias que intentam a parceria, sejam compatíveis entre si, que haja uma identidade de culturas, valores e objetivos.

Isso porque a parceria comercial não é uma questão apenas de ganho financeiro, operacional, de produção, etc....é muito mais do que isso.... é essencial que uma empresa ao firmar uma parceria com a outra busque apurar sua reputação e credibilidade no mercado, pois a imagem e a credibilidade são ativos imateriais de extrema importância e devem ser sempre preservados. Nenhum lucro financeiro paga os danos à imagem de uma empesa.

Portanto, a prática de diligências que busquem a pesquisa da reputação do potencial parceiro é fortemente recomendada.

Isso se faz com a análise de documentos e com o levantamento de informações que permitam avaliar: (i) a confirmação da real existência do negócio, no qual atua o pretenso parceiro; (ii) a regularidade de sua constituição social; (iii) as condições econômicas e financeiras; (iv) histórico de processos administrativos e judiciais; (v) informações de crédito; e (vi) conferência da lista "OFAC".

 A consulta à lista "OFAC"² também é uma forma de prevenção utilizada por empresas brasileiras que fazem negócios internacionalmente e que desejam se manter alinhadas às regulamentações nacionais de prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento ao terrorismo. Por essa razão, é importante fazer as devidas checagens como forma de garantir a segurança das parcerias comerciais.

Na checagem de processos judiciais, a pesquisa em todas as áreas e tribunais é essencial, sobretudo no que tange ao Direito do Consumidor e ao Direito do Trabalho, a fim de apurar como o seu potencial parceiro trata seus consumidores e empregados, evitando parcerias com empresas que, comumente, lesam seus consumidores e/ou que se utilizam de trabalho escravo, por exemplo.

A depender da atividade que as empresas desenvolvem, no caso concreto, poderão ser incluídas outras checagens especificas.

E como deve ser formalizada essa parceria comercial?

Muito embora não haja obrigação legal, recomenda-se que o acordo seja celebrado por escrito, com vistas à obtenção de maior segurança jurídica para as partes.

O teor do contrato vai depender do objeto da parceria: parceria para venda de produtos, prestação de serviços, promoção de eventos, marketing, etc.

De todo modo, existem alguns itens essenciais que devem estar previstos, independentemente do tipo de parceria a ser estabelecida.

Em primeiro lugar, é muito importante destacar que uma parceria comercial não obriga as partes a firmarem uma sociedade, ambas permanecem com suas estruturas separadas e absolutamente autônomas, tendo apenas alguns interesses comerciais em comum.

Em um contrato de parceria, deve ficar claro qual o seu objeto, qual a finalidade a ser alcançada, como isso será feito e quais serão as obrigações de cada uma das partes, além, sem dúvida, de estabelecer valores, formas e condições de pagamento.

É preciso também indicar o prazo de validade do contrato, se por prazo determinado ou indeterminado, além de outros prazos que se façam necessários para o caso em concreto, bem como previsões sobre as hipóteses de extinção do contrato e seus efeitos.

Se uma das empresas for autorizada pela outra a usar a sua marca e demais sinais distintivos, é fundamental incluir uma cláusula própria tratando do assunto referente à propriedade intelectual.

A fim de oferecer maior garantia dos interesses comerciais dos parceiros, é recomendável incluir três cláusulas específicas. São elas: exclusividade, não concorrência e sigilo de informações.

O acordo de exclusividade proíbe que qualquer uma das empresas parceiras preste serviços a empresas concorrentes, durante a vigência do contrato.

Já na cláusula de não concorrência, fica determinado que um parceiro não pode desempenhar a mesma atividade que o outro, estando no mesmo segmento de mercado.

A fim de evitar prejuízos decorrentes de eventual prática de concorrência desleal, nossos tribunais têm entendido, no entanto, que essa cláusula só é válida nas hipóteses em que se mostrar realmente necessária ao negócio, atendendo-se ao princípio da razoabilidade, com limitação de prazo, conteúdo e área geográfica, sob pena de tornar-se inválida por ameaçar o livre mercado e a livre iniciativa.

Assim sendo, não serão razoáveis cláusulas que determinem a não concorrência de forma absoluta, por prazo indeterminado, de modo a inviabilizar a atuação comercial da empresa em questão.

Os termos da cláusula de confidencialidade, por sua vez, visam deixar expresso o conhecimento e a anuência das empresas parceiras quanto à obrigatoriedade de sigilo das informações confidenciais trocadas em decorrência do negócio firmado, sob pena de ser responsabilizada a parte que eventualmente ocasionar danos à outra, por conta da divulgação de informações e segredos a que esta tenha tido acesso em função do acordo. 

Além disso, é preciso verificar também se o objeto do acordo envolverá, em alguma medida, o tratamento de dados pessoais, pois se assim for, será necessário ponderar sobre a inclusão de possíveis dispositivos regulando o assunto, nos termos da lei 13.709/18.

Dessa forma, conclui-se que muito mais do que a preservação das questões patrimoniais e da segurança jurídica, a celebração de um contrato deve atender, no que se refere ao seu conteúdo, a uma finalidade coletiva, coletividade essa na qual foi firmado e na qual pode gerar impactos.

O contrato não pode ser transformado em um instrumento para atividades abusivas, causando danos à parte contrária ou a terceiros não imediatamente envolvidos na relação jurídica avençada.

Portanto, uma parceria comercial firmada nos termos descritos têm grande potencial de sucesso não só no alcance de seus objetivos internos de crescimento, como também e, principalmente, no cumprimento da função social do contrato.

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1- Que grandes empresas já se associaram a startups? Disponível aqui.

2- OFAC (Office of Foreign Asset Control) é uma agência do Tesouro dos EUA que administra e aplica sanções econômicas e comerciais contra países e grupos de indivíduos envolvidos em terrorismo, tráfico de drogas e outras atividades ilegais. Uma de suas atividades é publicar listas destas sanções, incluindo a lista Specially Designated Nationals (SDN).

Virginia de Sylos Sutherland

Virginia de Sylos Sutherland

Advogada especialista em Direito Contratual. Consultoria Jurídica nas áreas Trabalhista, Empresarial e Consumidor.

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