Um aniversário sem presentes: quatro anos da "Reforma Trabalhista"
Enquanto as perspectivas políticas e legislativas ainda não são as melhores no sentido de um direito do trabalho menos excludente e precarizado, deve-se buscar o reconhecimento dos seus direitos, principalmente daqueles de caráter alimentar, essenciais ao sustento do trabalhador, ainda que de modo litigioso.
sexta-feira, 12 de novembro de 2021
Atualizado às 09:39
Era novembro de 2017. O contexto político estava marcado pela transição, em que um representante de um governo neoliberal assumia a presidência. O contexto econômico estava regido pela alta do dólar e do combustível que ultrapassavam a marca de R$ 4,00.1
E, principalmente, frisava-se a "alta" do desemprego que alcançava a marca recorde de 13,23 milhões de brasileiros.2
Segundo o governo da época, para a solução da retomada da economia e da geração de empregos, foi editada a lei 13.467/17, apelidada de "Reforma Trabalhista", em vigor no dia 11 de novembro de 2017. Foi iniciada com um Projeto de lei 6.787/17 com 11 artigos. Após ser dirigida à Comissão de Assuntos Sociais - CAS para análise, voltou da Comissão com um relatório de mais de cem artigos que alterou mais de 200 dispositivos da Consolidação das leis Trabalhistas. Um projeto de lei feito à toque de caixa, aprovado no tempo recorde de quatro meses, sem o devido diálogo com as forças sociais envolvidas.
A grande promessa da "Reforma" era o aumento do número de empregos e o fortalecimento da economia. Outras críticas vinham em segundo plano, como a grande quantidade de ações trabalhistas, o esvaziamento da Justiça do Trabalho rotulada como "protetiva".
O Presidente da Câmara na época, Deputado Rodrigo Maia, disse ter convicção de que as "reformas" trabalhista e da Previdência produziriam mudanças profundas na relação entre capital e trabalho e assim contribuiriam para a retomada de investimentos, empregos e do equilíbrio fiscal do País:3
"Apesar de essas matérias gerarem muita polêmica no Plenário, elas com certeza vão gerar, já nos próximos seis meses, a partir do segundo semestre, se Deus quiser aprovadas na Câmara e no Senado e sancionadas, elas vão gerar um novo Brasil, diferente daquele que o presidente [da República], Michel Temer, herdou."
(...)
Esse Brasil vai estar preocupado com a geração de emprego, com as pessoas e, principalmente, com o equilíbrio de suas contas."
Abordar as modificações prejudiciais ao trabalhador exigiria um artigo muito logo, até prolixo, dada a quantidade de retrocessos sociais, que, repita-se, não são poucos. Destacamos alguns, entre as principais mudanças, como o acesso à Justiça.
A alteração legislativa, em uma interpretação literal, limitou a concessão dos benefícios da justiça gratuita àqueles que perceberem salário igual ou inferior a 40% do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social (atualmente R$ 5. 645,80), conforme artigo 790, § 3º, da CLT. Ou seja, em tese, é beneficiário da justiça gratuita aquele que possui renda mensal de até R$ 2.258,32.
E o pior, permitiu que trabalhadores, ainda que beneficiários da justiça gratuita, fossem condenados ao pagamento de honorários advocatícios, quando sucumbentes em seus processos (art. 791-A, § 4º da CLT).
A "Reforma Trabalhista" trouxe a falsa noção de que empregador e empregado estavam em um mesmo patamar, descredibilizando a hipossuficiência do trabalhador, o que é totalmente fora da realidade, porque a relação entre trabalho e capital é essencialmente desigual.
O trabalhador que não se enquadrasse como beneficiário da justiça gratuita, em uma interpretação literal da legislação, não possuiria proteção qualquer.
A perversidade da norma recaía em graves inconstitucionalidades, pois ao beneficiário da justiça gratuita é assegurada assistência jurídica INTEGRAL e GRATUITA do Estado (art. 5º, LXXIV, da Constituição federal). A proteção constitucional não pode ser flexibilizada, mas cumprida em sua integralidade.
Não se trata de uma proteção parcial, como versado no art. 791-A, § 4º, da CLT, que impõe exceções a uma proteção que é absoluta. Permitir a condenação do hipossuficiente ao pagamento de honorários advocatícios, ainda que decorrente de créditos trabalhistas, é relativizar o texto constitucional e, o pior, a função do Estado.
A condenação do hipossuficiente ao pagamento de honorários advocatícios é, por si só, lesiva, todavia, é ainda mais cruel em se tratando do trabalhador, tendo em vista que, quando ingressa com uma reclamação trabalhista, geralmente visa reaver do empregador verbas de natureza alimentar e, ainda que possa fazer pedidos de verbas indenizatórias, quando deferidas, tais parcelas também servem para a sua subsistência por diversos fatores.
Condenar o hipossuficiente ao pagamento de honorários advocatícios é uma forma de cercear, pelo receio da condenação pecuniária, o acesso ao Poder Judiciário e à justiça. O permissivo afrontava o art. 5º, XXXV, da Constituição federal no preceito de que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito
Impedir que o trabalhador bata às portas do Judiciário é acabar com a sua última forma de corrigir as injustiças que sofre. Busca o Judiciário aquele que não possui o seu direito atendido. Quando não há soluções administrativas, sociais, econômicas, políticas, busca-se, por fim, o Poder Judiciário.
E nestes quatro anos de convívio com a inconstitucionalidade da lei, muitos foram os movimentos de resistência. Cite-se, a título exemplificativo, que os tribunais começaram a ampliar o espectro da jurisprudência na interpretação da lei em conformidade com a Constituição federal e com as convenções internacionais.
O Tribunal Regional da 10ª Região editou o Verbete 75/19, que declarou a inconstitucionalidade do art. 791-A, § 4º, da CLT. A Segunda Tuma do TST, por sua vez, no julgamento do RR 340.21.2018.5.06.0001, trouxe o entendimento de que a mera declaração já é motivo de comprovação da hipossuficiência do trabalhador.
Como enfrentamento ao ato normativo que prejudicava os trabalhadores, importa ressaltar o ajuizamento da ADI 5.766 pela Procuradoria-Geral da República, que questionou diretamente a inconstitucionalidade de alguns dispositivos da "Reforma Trabalhista", inclusive o art. 791-A, § 4º, da CLT.
O sócio da LBS Advogados José Eymard Loguercio realizou sustentação oral, em 09/05/2021, representando a Central Única dos Trabalhadores, admitida como amicus curiae. Seguindo entendimento da PGR, ele defendeu a inconstitucionalidade das alterações, segundo o trecho abaixo:4
"A discussão não se refere se há ou não excesso de processos na Justiça do Trabalho e não está concentrada nos casos de litigância de má-fé. O questionamento é se o trabalhador terá condições de arcar com os custos e estamos falando de trabalhadores que não possuem condições, que são os que mais procuram a Justiça do Trabalho."
Não obstante, destacamos o voto proferido pelo Ministro Edson Fachin, ao defender a inconstitucionalidade do dispositivo que autoriza a condenação em honorários advocatícios do hipossuficiente , explicando que a ação judicial pode ser a única via do trabalhador ver satisfeitos seus direitos:
"A restrição, no âmbito trabalhista, das situações em que o trabalhador terá acesso aos benefícios da gratuidade da justiça, pode conter em si a aniquilação do único caminho de que dispõem esses cidadãos para verem garantidos seus direitos sociais trabalhistas."
E assevera que:
"É preciso restabelecer a integralidade do direito fundamental de acesso gratuito à Justiça Trabalhista, especialmente pelo fato de que, sem a possibilidade do seu pleno exercício por parte dos trabalhadores, é muito provável que estes cidadãos não reúnam as condições mínimas necessárias para reivindicar seus direitos perante esta Justiça Especializada."
A resistência surtiu efeito. Por um placar de 6 x 4, foi declarada a inconstitucionalidade dos arts. 790-B, § 4º, e 791-A, § 4º, da CLT.
Por longos quatro anos, a possibilidade de condenação em honorários advocatícios do trabalhador, teoricamente institucionalizada pela lei 13.467/17 e amplamente divulgada nos meios de comunicação, trouxe a todo aquele que ingressar com uma demanda judicial o risco de prejuízo pecuniário em caso de derrota.
E a partir do medo do ajuizamento de uma ação trabalhista provocado no trabalhador, objetivou-se diminuir o número de processos, partindo-se do equivocado pressuposto de que havia muitas ações trabalhistas. Não há grande quantitativo assim, como se divulga.
Jorge Luiz Souto Maior5 explica que:
"No relatório do CNJ, Justiça em Números, de 2016, relativo aos dados do ano de 2015 consta que a Justiça Estadual recebeu, em 2015, 18,9 milhões de processos.
Enquanto isso, a Justiça do Trabalho, recebeu, no mesmo ano, "um total de aproximadamente 4 milhões de processos".
Percebe-se a contradição que atribuiu somente à legislação trabalhista a necessidade de reforma, sendo que outras áreas do judiciário possuem grande quantitativo de ações?
Ainda que houvesse a necessidade de redução de processos, foi comprovado que as ilegalidades trabalhistas diminuíram? Reduzir o número de processos necessariamente resulta na redução do número de injustiças?
Souto Maior conclui que não. O mesmo estudo do CNJ revela que os assuntos mais recorrentes na Justiça do Trabalho são férias, remuneração, verbas rescisórias e horas extras, que perfazem cerca de 49% das demandas, ou seja, a maior parte das demandas é ajuizada apenas para que o trabalhador consiga receber verbas de sua rescisão.
A Presidente do Tribunal do Superior do Trabalho, Maria Cristina Peduzzi, já constata o fato da redução do número de processos:
"No primeiro ano da Reforma Trabalhista foi instituído o princípio da sucumbência. Isto causou inicialmente uma redução de 34% no número de reclamações trabalhistas ajuizadas no primeiro grau."
O gráfico abaixo aponta que novembro de 2017 foi o mês em que se deu o maior pico de ações trabalhistas, quando ainda estava vigente a antiga lei. Posteriormente à "Reforma", o número caiu drasticamente:6
O resultado prático ocorreu, mas as promessas não se concretizaram.
O dólar comercial fechou em 5,67 em novembro de 2021.7
O preço do combustível permanece em alta chegando a ser cotado a R$ 8,00 o litro em alguns Estados do Brasil.8
No ano de 2021, o Brasil voltou ao mapa do fome. A insegurança alimentar quase dobrou, segundo FAO, ONU e OMS. Para se ter noção da gravidade, entre 2018 e 2020, a fome atingiu 7,5 milhões de brasileiros. Já entre 2014 e 2016, esse número era bem menor: 3,9 milhões.9
O número de desempregados cresceu. No segundo semestre de 2021, o número de desempregados é de 14,1 milhões de desempregados.
Em se tratando de aniversário, não há motivos para comemoração. O presente para a sociedade é o aprendizado de que a redução de direitos trabalhistas e o crescimento da economia não possuem relação causal, muito menos direta. Não se fomenta a economia com a precarização de direitos e retrocesso social.
As palmas e o canto de parabéns vão para a resistência, por parte dos advogados, dos sindicatos, do Ministério Público do Trabalho, de parte dos magistrados, que mesmo em meio às alterações legislativas inconstitucionais, buscam por justiça e encontram soluções que fortalecem os direitos sociais.
Não é fácil para um indivíduo que tem no trabalho a fonte de subsistência perder seu tempo e dinheiro, deslocando-se para buscar um advogado que o represente, para comparecer à Justiça do Trabalho e buscar comprovar as lesões já sofridas.
Esperamos, caro leitor, que o seu medo não prevaleça frente às situações injustas que tenham eventualmente te causado indignação. O temor tem de ser enfrentado com bravura e com informação de que vale à pena lutar pelos seus direitos, inclusive pela via judicial.
Enquanto as perspectivas políticas e legislativas ainda não são as melhores no sentido de um direito do trabalho menos excludente e precarizado, deve-se buscar o reconhecimento dos seus direitos, principalmente daqueles de caráter alimentar, essenciais ao sustento do trabalhador, ainda que de modo litigioso.
As vozes que insistem na retórica de que a ação judicial é uma forma de "cuspir no próprio prato em que comeu" estão enganadas!
O direito à pretensão trabalhista não é favor estatal, mas garantia constitucional a ser exercida por aqueles que são cidadãos.
Ser pacífico não significa ser passivo. Buscar nossos direitos faz recordar os ensinamentos de Gandhi, que afirmava que o medo ainda tinha alguma utilidade, a covardia não.
_________
Fernando Henrique Machado Roriz
Advogado da LBS Advogados.