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Os deveres do juiz como destinatário do princípio da cooperação no processo civil e os limites da imparcialidade

O presente artigo trata do princípio da cooperação e suas repercussões sobre os modelos tradicionais do processo civil (adversarial e inquisitorial).

quinta-feira, 11 de novembro de 2021

Atualizado às 07:36

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

INTRODUÇÃO

A ideia de que o processo constitui uma "comunidade de trabalho" (Arbeitsgemeinschaft), onde todos devem cooperar com o objetivo de obter a melhor solução para o litígio no menor espaço de tempo surgiu na Alemanha1, inspirando o legislador português, que introduziu o princípio da cooperação no artigo 266º do seu Código de Processo Civil por ocasião das profundas reformas levadas a efeito nos anos de 1995 e 1996.

O Código de Processo Civil Português de 2013 atualmente em vigor, na esteira do anterior, também consagra, com redação semelhante, a cooperação como um dos princípios fundamentais da estrutura processual civil lusitana, ao dispor em seu art. 7º:

Artigo 7.º Princípio da cooperação 1 - Na condução e intervenção no processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio. 2 - O juiz pode, em qualquer altura do processo, ouvir as partes, seus representantes ou mandatários judiciais, convidando-os a fornecer os esclarecimentos sobre a matéria de facto ou de direito que se afigurem pertinentes e dando-se conhecimento à outra parte dos resultados da diligência. 3 - As pessoas referidas no número anterior são obrigadas a comparecer sempre que para isso forem notificadas e a prestar os esclarecimentos que lhes forem pedidos, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 417.º. 4 - Sempre que alguma das partes alegue justificadamente dificuldade séria em obter documento ou informação que condicione o eficaz exercício de faculdade ou o cumprimento de ónus ou dever processual, deve o juiz, sempre que possível, providenciar pela remoção do obstáculo2.

 O Código de Processo Civil brasileiro de 2015, seguindo a tendência dos modernos ordenamentos processuais, traz o elenco axiológico de princípios que o informam, sob o rótulo de "normas fundamentais", logo em seu pórtico, como a marcar a sua importância e aplicação a todo o disciplinamento normativo, estabelecendo em seu art. 6º que "Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva".

Ora, ao se referir a "todos os sujeitos do processo", a norma processual deixa extreme de dúvidas que o princípio da cooperação obriga não apenas às partes do litígio, o membro do ministério público e os terceiros interessados, mas também o magistrado que dirige o processo.

Em sentido mais amplo, poderíamos dizer que o princípio da cooperação ou da colaboração, como também é conhecido, estende seus efeitos aos auxiliares da justiça e a todos aqueles cuja atuação, de alguma forma, repercuta sobre na celeridade e eficácia do processo, na medida em que "Ninguém se exime do dever de colaborar com o Poder Judiciário para o descobrimento da verdade" (art. 378 do CPC/2015).

Há casos, ainda em que a participação de determinado sujeito no processo tem como único fundamento o dever de cooperação, na medida em que sua atuação se limita a colaborar com a justiça. Citem-se como exemplos o amicus curiae e determinadas pessoas que, sem relação alguma com o processo, são convidadas a participar de audiências públicas em razão do elevado conhecimento que possuem sobre o tema em julgamento3.

Este artigo, no entanto, tem por objetivo apenas o estudo dos deveres do magistrado como destinatário do princípio da cooperação, sob o enfoque sobre as limitações impostas pelo dever de imparcialidade inerente à função jurisdicional.

Nesse estudo, além dos deveres gerais de lealdade, de proteção e de garantir o livre exercício do contraditório e a ampla defesa, são abordados deveres específicos que decorrem diretamente do princípio da cooperação, notadamente os deveres de esclarecimento, de diálogo, de prevenção e de auxílio às partes, que, se traduzem no dever geral de engajamento no modelo processual cooperativo e dialogado.

O princípio da cooperação reflete a postura dialogal que o magistrado deve assumir diante do caso concreto, estimulando sempre que possível todos aqueles que participam do processo a fazerem o mesmo em busca da solução de mérito rápida e eficaz, concretizando, assim, entre outros, o princípio da razoável duração do processo previsto no art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal4.

Não se pode perder de vista, todavia, que o magistrado, a fim de manter a imparcialidade indissociável da função jurisdicional, não pode ultrapassar certos limites a propósito de pôr em prática o princípio da cooperação, evitando adotar medidas que terminem desequilibrando a disputa em favor de qualquer uma das partes. Isso não significa que o juiz responsável pela condução do processo deva figurar como mero expectador, renunciando a sua função de dirigir o processo em busca da solução justa e eficaz.

Através do método dedutivo, e mediante pesquisa bibliográfica e jurisprudencial, o presente artigo visa perquirir se: a) a tradicional dualidade entre os processos inquisitorial e adversarial estaria cedendo com o advento de um modelo cooperativo; b) identificar se, além da cláusula geral constante do art. 6º do CPC/2015, quais outras regras processuais imporiam deveres de colaboração aos magistrados e quais seriam esses deveres; e c) até onde pode ir o juiz ao colaborar com as partes, sem comprometer o seu dever de imparcialidade, indissociável ao exercício da jurisdição.

Na seção 1, abordam-se os modelos tradicionais de direito processual (adversarial e inquisitorial) e o possível surgimento de um novo modelo (cooperativo) na busca pela rápida e eficaz solução dos litígios. Nesta seção, examina-se o papel dos sujeitos processuais, em especial a atuação do magistrado, em cada um desses modelos, a relação entre o princípio da cooperação e os princípios do devido processo legal, da boa-fé processual, da instrumentalidade, do autorregramento pelas próprias partes, da vedação à decisão surpresa, e a existência ou não do dever de cooperação entre as partes no direito processual brasileiro.

A seção 2 é dedicada ao estudo do princípio cooperativo como cláusula geral e como categoria decorrente de regras específicas de cooperação, abordando o tema da eficácia normativa do dispositivo legal que introduziu o princípio da cooperação do direito processual brasileiro, a importância da jurisprudência para consolidação do princípio da cooperação na prática processual brasileira, contextualizando com a distinção entre o princípio da cooperação e os princípios da boa-fé e do devido processo legal.

  • Clique aqui para conferir a íntegra do artigo.

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1 O termo comunidade de trabalho (Arbeitsgemeinschaft) associada ao processo civil é costumeiramente atribuída a Leo Rosenberg (1879-1963) que a teria usado pela primeira vez em 1927. Mas há quem relate a utilização da expressão, naquele mesmo ano, por Franz Klein e por Friedrich Engel. Sustenta-se, ainda, o seu emprego pela primeira vez em 1913 por Louis Levin. Na doutrina brasileira o primeiro a referir-se à comunidade processual de trabalho foi Álvaro de Oliveira, em seu Do Formalismo no Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 72, conforme precisas observações de Daniel Mitidiero em nota de rodapé às fls. 65 da obra  Colaboração no Processo Civil: do modelo ao princípio. São Paulo: Thomson Reuters, 2019.

2 PORTUGAL. Código de Processo Civil (Lei n. 41/2013). Disponível em: https://dre.pt/web/guest/legislacao-consolidada/-/lc/124532393/202106122245/73790258/diploma/indice. Acesso em: 12 jun. 2021.

3 STF realiza audiência pública sobre descriminalização do aborto nos dias 3 e 6 de agosto. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=385093. Acesso em: 6 jul. 2021.

4 Sobre o tema, confira-se KOEHLER, Frederico Augusto Leopoldino. A razoável duração do processo, 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2013.

Rogério de Meneses Fialho Moreira

Rogério de Meneses Fialho Moreira

Professor Adjunto de Direito Civil na Universidade Federal da Paraíba- UFPB. Mestre em Direito pela Faculdade Damas da Instrução Cristã-FADIC. Especialista em Direito Processual Civil pela UNB. Doutorando em Direito pela Universidade de Marília-UNIMAR. Desembargador Federal no Tribunal Regional Federal da 5a Região.

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