Zona Franca de Manaus: imunidade ou isenção?
Pode-se concluir que as empresas possuem fortes fundamentos jurídicos para, com base na imunidade tributária, pleitearem, junto ao poder judiciário, a exclusão do ICMS sobre operações que destinem mercadorias à ZFM, bem como para requerer a restituição do imposto pago indevidamente nos últimos 5 anos.
segunda-feira, 8 de novembro de 2021
Atualizado às 09:06
Diversas empresas destinam diariamente milhares de mercadorias às cidades de Manaus, Presidente Figueiredo e Rio Preto da Eva, as quais integram a Zona Franca de Manaus (ZFM). Dentre diversos benefícios fiscais, as operações com destino à ZFM são "isentas" em relação à incidência de ICMS, desde que observados determinados requisitos estabelecidos pelos Estados. No entanto, na realidade há limitação constitucional do poder de tributar e, portanto, o que se observa nessas operações é verdadeira imunidade tributária, razão pela qual se mostra inconstitucional o estabelecimento de requisitos para fruição da imunidade nas referidas operações.
Em linhas gerais, pode-se afirmar que o reconhecimento da imunidade é de suma importância para a concessão de segurança jurídica e previsibilidade às empresas que destinem mercadorias à ZFM, pois terão a garantia de que o Fisco Estadual não poderá impor requisitos para desoneração dessas operações. Por outro lado, em relação aos contribuintes que destinaram mercadorias à ZFM e recolheram o ICMS durante os últimos 05 anos, a imunidade acarreta na possibilidade de restituição do imposto recolhido de forma indevida nesse período.
A título de exemplo, sobre os requisitos estabelecidos para usufruir da "isenção" concedida pelos Estados, pode-se citar o Anexo I, art. 84, do RICMS/SP e o art. 9º, XXV, do RICMS/RS. As referidas normativas derivam do CONVÊNIO ICMS 65/88 e, dentre outros requisitos, estabelecem que a isenção só se aplica às mercadorias adquiridas para fins de comercialização ou industrialização. Assim, é de clareza meridiana que o reconhecimento da imunidade tributária é de extrema relevância aos contribuintes.
Feitos esses esclarecimentos sobre a relevância da presente discussão, é importante verificar a origem da ZFM bem como as razões que justificaram a sua criação. Com o objeto principal de ocupação e desenvolvimento do território amazonense, a ZFM foi instituída Decreto-Lei 288, de 1967, oportunidade em que se destinou uma área de, no mínimo, 10 mil quilômetros quadrados como área de livre comércio e destinatária de diversos benefícios fiscais. Apesar de inicialmente instituída por meio da legislação infraconstitucional, com o advento da Constituição Federal de 1988, a ZFM passou a possuir hierarquia constitucional.
Para além da impossibilidade de modificação ou revogação dos incentivos por meio de legislação infraconstitucional, a constitucionalização da ZFM permite a conclusão de que as, para fins fiscais, há equiparação das vendas realizadas a referida localidade às exportações. Nesse sentido, no julgamento da ADI 2348 o Ministro Nelson Jobim assim se pronunciou:
"A ZONA FRANCA DE MANAUS, POR FORÇA DO REFERIDO DECRETO, É TRATADA COMO ÁREA ESTRANGEIRA. Isso significa que vendas ou remessas de mercadorias, seja para consumo, seja para reexportação ou industrialização, enviadas para a Zona Franca de Manaus, são tratadas, repito, por força do Decreto-lei 288, como exportação para o exterior. Diz, expressamente: 'será para todos os efeitos fiscais, constantes da legislação em vigor, equivalente a uma exportação brasileira para o estrangeiro'.1
Ou seja, toda a venda de mercadorias do território nacional, por exemplo, mercadorias originárias de São Paulo destinadas à Zona Franca de Manaus, para consumo ou industrialização na Zona Franca, ou reexportação, são tratadas, pelo Decreto, para efeitos fiscais, como uma exportação brasileira para o estrangeiro."
No âmbito do STJ, a matéria é incontroversa, na medida em que, analisando a extensão do REINTEGRA às vendas destinadas à ZFM editou-se a súmula 640, cuja redação é a seguinte2:
Súmula 640 - STJ: O benefício fiscal que trata do Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras (REINTEGRA) ALCANÇA AS OPERAÇÕES DE VENDA DE MERCADORIAS DE ORIGEM NACIONAL PARA A ZONA FRANCA DE MANAUS, PARA CONSUMO, INDUSTRIALIZAÇÃO OU REEXPORTAÇÃO PARA O ESTRANGEIRO.
Estabelecida a premissa de que as vendas realizadas à ZFM, seja qual for a destinação da mercadoria, são equiparadas às exportações para fins fiscais, passa-se à análise dos efeitos decorrentes dessa equiparação. No intuito de aumentar a competitividade dos produtos nacionais, surge a necessidade de desoneração das exportações. Nesse sentido, no que se refere ao ICMS, a Emenda Constitucional 42, de 2003 passou a disciplinar a matéria de forma expressa, alavancando a desoneração das exportações, ao status jurídico de imunidade. Dessa forma sequer nasce a competência tributária para instituição de tributos cujo fato gerador seja as receitas decorrentes de exportação.
Nas palavras de Regina Helena Costa, a imunidade tributária apresenta dúplice natureza: de um lado, exsurge como norma constitucional demarcatória da competência tributária, por continente de hipótese de intributabilidade, e, de outro, constitui direito público subjetivo das pessoas direta ou indiretamente por ela favorecidas.3
No que se refere à limitação do poder de tributar discutida no presente artigo, Schoueri sustenta que a imunidade às exportações se explica a partir da decisão do constituinte brasileiro - seguindo tendência universal - de o País adotar, em suas relações internacionais, o princípio do destino na tributação do consumo.4
Não há maiores controvérsias acerca dos efeitos decorrentes da imunidade tributária. Dispensa-se infrutíferas digressões sobre o assunto, na medida em que a principal consequência do disposto no art. 155, §2º, X, ada Constituição Federal é a impossibilidade de cobrança de ICMS sobre operações que destinem mercadorias para a ZFM.
A partir do exposto, a única interpretação possível aos dispositivos constitucionais citados no presente artigo é que, conforme previsto no art. 40 do ADCT, os contribuintes, em relação as vendas realizadas à ZFM, equipara-se a empresa exportadora para fins fiscais, fato que gera a aplicação do disposto no art. 155, §2º, X, da Constituição Federal, fazendo com que o ICMS não incida sobre as operações cujo destino seja a ZFM.
Diante desse cenário, pode-se concluir que as empresas possuem fortes fundamentos jurídicos para, com base na imunidade tributária, pleitearem, junto ao poder judiciário, a exclusão do ICMS sobre operações que destinem mercadorias à ZFM, bem como para requerer a restituição do imposto pago indevidamente nos últimos 05 anos.
1 ADI 2348 MC, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 07/12/2000, DJ 07-11-2003 PP-00082 EMENT VOL-02131-02 PP-00266
2 STJ. 1ª Seção. Aprovada em 18/02/2020, DJe 19/02/2020.
3 Costa, Regina H. CURSO DE DIREITO TRIBUTÁRIO - CONSTITUIÇÃO E CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL - . Disponível em: Minha Biblioteca, (11th edição). Editora Saraiva, 2021.p 55
4 Schoueri, Luis E. DIREITO TRIBUTÁRIO. Disponível em: Minha Biblioteca, (10th edição). Editora Saraiva, 2021.p.247
Wagner Schneider Cemin
Graduado em Direito pela Unisinos - Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Advogado do escritório Hickmann Advogados Associados.