Aspecto prático da cessão de quotas de sociedades limitadas empresárias
O Direito de Empresa regulado no Código Civil de 2002, em relação às sociedades limitadas, prestigia a autonomia da vontade, permitindo aos sócios, ao seu alvedrio, disporem sobre a liberdade contratual de cessão de suas quotas. Todavia, em caráter residual, o art. 1.057, caput autoriza, nos casos em que o contrato social seja omisso, a cessão a quem seja sócio, independentemente de audiência dos outros, ou a estranho, se não houver oposição de titulares de mais de ¼ do capital social.
segunda-feira, 12 de fevereiro de 2007
Atualizado em 9 de fevereiro de 2007 13:23
Aspecto prático da cessão de quotas1 de sociedades limitadas empresárias
Glauco Silva Menezes*
O Direito de Empresa regulado no Código Civil de 2002, em relação às sociedades limitadas, prestigia a autonomia da vontade, permitindo aos sócios, ao seu alvedrio, disporem sobre a liberdade contratual de cessão de suas quotas2. Todavia, em caráter residual, o art. 1.057 (clique aqui), caput3 autoriza, nos casos em que o contrato social seja omisso, a cessão a quem seja sócio, independentemente de audiência dos outros, ou a estranho, se não houver oposição de titulares de mais de ¼ do capital social4.
Abstraídos os casos das sociedades em que o contrato social regra expressamente a matéria e aqueles em que, embora silente, a cessão se faz entre sócios, toma-se em especial as sociedades limitadas em que o contrato social não disponha sobre o regime de cessão de quotas, para destacar a disposição legal que define reserva de poder de objeção a sócios que detenham mais de ¼ do capital social, que podem impedir a cessão de quotas a pessoas que não sejam sócias.
Não se trata de quorum definido aleatoriamente, mas, ao contrário, deriva da observação de que a modificação do corpo de sócios afeta cláusula essencial do contrato social, exigida pelo art. 997, I5 , que se aplica às sociedades limitadas por força do art. 1.053, caput6 . Portanto, guarda relação com a maioria mínima de ¾ do capital social exigida pelo art. 1.076, I7 , para modificação do contrato social, que é a matéria prevista no art. 1.071, V8 , mas sem perder de vista a norma do art. 1.074, §2º, que proíbe o sócio de votar matéria que lhe diga respeito diretamente9.
Não pode passar despercebido que a interpretação sistemática do art. 1.057, caput e Parágrafo único10, que determina a assinatura dos sócios anuentes, revela o real requisito de validade do instrumento de cessão de quotas, condicionando-a, contrario sensu, à aprovação de sócios que representem parcela do capital social suficiente para afastar definitivamente a possibilidade de que mais de ¼ do mesmo capital manifeste oposição. Não basta, então, o silêncio que indique a não oposição de sócios que representem uma pequena parcela do capital social (¼), como faz parecer a leitura gramatical do caput, mas exige-se, sim, como requisito de validade, a expressa aprovação da cessão de quotas, que deve ser retratada pela assinatura dos sócios anuentes.
Sobre a forma do instrumento de cessão de quotas, alguma dúvida ainda remanesce diante do quadro normativo instituído pelo Código Civil de 2002, talvez estimulada por equivocada prática das Juntas Comerciais11.
Nesse contexto, há quem desautorize a formalização da cessão de quotas de sociedades limitadas empresárias por meio do costumeiro "termo de cessão de quotas", anunciando que a nova sistemática legal somente a albergaria em instrumento de alteração contratual.
Parece-nos, entretanto, que tal entendimento carece de fundamentação jurídica, senão porque não há disposição legal que exija instrumento de alteração contratual para a celebração de cessão de quotas, também porque não há normativo que vede a formalização de termo de cessão de quotas de sociedade limitada.
O Código Civil, art. 1.057, Parágrafo único, refere-se genericamente a "instrumento" de cessão de quotas, que, a partir do momento em que for averbado12 no Registro Público13, produzirá efeitos14 em relação à sociedade e a terceiros. Entre os signatários, não deve restar dúvida que a celebração do contrato escrito marca o início da eficácia.
Em sede regulamentar, o Departamento Nacional do Registro do Comércio - DNRC15 editou a Instrução Normativa nº 98/2003, para aprovar o Manual de Atos de Registro de Sociedade Limitada, que, por sua vez, sob o número 3.2.10.1, além de repetir o teor das disposições legais já mencionadas, acrescenta que o arquivamento do instrumento da cessão de quotas não dispensa o da correspondente alteração contratual.
Todavia, o procedimento definido pelo DNRC não deve conduzir a conclusão que destitua de efeitos jurídicos o negócio de cessão de quotas formalizado em documento diverso de um instrumento de alteração contratual, pois apenas sintetiza raciocínio lógico-administrativo: a modificação do quadro de sócios afeta cláusula essencial do contrato social, e, por isso, embora válida e eficaz, desde que feita por escrito a cessão de quotas, a exigência de arquivamento de instrumento de alteração contratual encontra razão de ser na sistemática do Registro Público de Empresas, mantendo-se coerente seqüência encadeada de arquivamentos, que se inicia com a constituição da sociedade limitada empresária pelo instrumento do contrato social, prossegue com as eventuais alterações contratuais subseqüentes e finaliza com a extinção da sociedade.
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1 José Edwaldo Tavares Borba, na obra Direito Societário, Editora Renovar, pág. 61, a conceitua como "um contrato em virtude do qual o cedente transfere ao cessionário cotas de uma sociedade."
2 José Waldecy Lucena, na obra Das Sociedades Limitadas, Editora Renovar, 6ª edição, pág. 332, anota que "Aos sócios, de conseguinte, segundo suas conveniências, cabe a escolha entre uma sociedade limitada fechada e uma sociedade limitada aberta. As cláusulas que introduzirem no contrato social, disciplinadoras da vida social e da cessão de quotas, aproximarão a sociedade ou das sociedades de pessoas, fechando-a, ou das sociedades de capitais, abrindo-a."
3 "Na omissão do contrato, o sócio pode ceder sua quota, total ou parcialmente, a quem seja sócio, independentemente de audiência dos outros, ou a estranho, se não houver oposição de titulares de mais de um quarto do capital social."
4 Sergio Campinho, na obra O Direito de Empresa à Luz do Novo Código Civil, Editora Renovar, 6ª edição, pág. 171, pondera sobre a adequação do novo regime do Código Civil, dizendo: "A disciplina não nos parece ser a melhor. Não nos sensibiliza a permissão da cessão a quem seja sócio, independente da anuência dos demais. A medida poder vir a desequilibrar a participação inicial no capital social dos cotistas, o que, em certos tipos de sociedade, causará abalo nas relações internas dos sócios, podendo levar à quebra da unidade desejada. Também nos parece elevado o quorum de, no mínimo 75% do capital para chancelar a transferência de quotas a estranhos. Para nós, a melhor solução, na ausência de cláusula regulamentando a cessão, seria a de condicioná-la, em qualquer caso - para sócios ou terceiros -, à anuência de sócio ou sócios representantes de mais da metade do capital social, prestigiando o princípio da maioria, a determinar o fluxo da vida social." José Waldecy Lucena, ob. cit., pág. 347, assim se posiciona: "E andou bem ainda o Código ao permitir a livre cessibilidade de quota ao outro consórcio, caso tenha o contrato de constituição se omitido em disciplinar a matéria. Ou seja, a cessão independe de prévia aprovação dos demais sócios. _ Mas, no mesmo caso de contrato omisso, se a cessão é feita a estranhos ao quadro social, exigiu o Código, e no que já não se torna merecedor dos anteriores aplausos, a ausência de "oposição de titulares de mais de um quarto do capital social", porquanto, a nosso juízo, haveria de a cessão ser inteiramente livre, como era no regime anterior."
5 "A sociedade constitui-se mediante contrato escrito, particular ou público, que, além de cláusulas estipuladas pelas partes, mencionará: I - nome, nacionalidade, estado civil, profissão e residência dos sócios, se pessoas naturais, e a firma ou a denominação, nacionalidade e sede dos sócios, se jurídicas;"
6 "A sociedade limitada rege-se, nas omissões deste Capítulo, pelas normas da sociedade simples."
7 "Ressalvado o disposto no art. 1.061 e no §1º do art. 1.063, as deliberações dos sócios serão tomadas: I - pelos votos correspondentes, no mínimo, a três quartos do capital social, nos casos previstos nos incisos V e VI do art. 1.071;"
8 "Dependem da deliberação dos sócios, além de outras matérias indicadas na lei ou no contrato: (...) V. a modificação do contrato social;"
9 "Nenhum sócio, por si ou na condição de mandatário, pode votar matéria que lhe diga respeito diretamente."
10 "A cessão terá eficácia quanto à sociedade e terceiros, inclusive para os fins do parágrafo único do art. 1.003, a partir da averbação do respectivo instrumento, subscrito pelos sócios anuentes."
11 As Juntas Comerciais, a teor do art. 3º, II, da Lei nº 8.934/94, são os órgãos locais do Registro Público de Empresas, com funções executora e administradora dos serviços de registro.
12 A Lei nº 8.934/94 não emprega o termo "averbação", que é diversas vezes citados pelo Código Civil. Na prática da Junta Comercial do Estado do Rio de Janeiro, o procedimento de "averbação" não difere do procedimento geral de arquivamento dos atos de empresas, que recebem um número de registro, são digitalizados, lançados no sistema informatizado de Cadastro da Empresa e remetidos ao prontuário respectivo para conservação.
13 Como estabelece o art. 1.150 do Código Civil, para as sociedades empresárias é o Registro Público de Empresas Mercantis a cargo das Juntas Comerciais.
14 O art. 1º, I, da Lei atribui ao Registro Público de Empresas o efeito jurídico primordial da publicidade dos atos arquivados.
15 O Departamento Nacional de Registro do Comércio, a teor do art. 3º, I, da Lei nº 8.934/94, é o órgão central do Sistema Nacional de Registro de Empresas Mercantis - SINREM, com funções supervisora, orientadora, coordenadora e normativa, no plano técnico; e supletiva no plano administrativo.
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*Ex-Procurador Regional da Junta Comercial do Estado do Rio de Janeiro e colaborador de Mario Oscar Oliveira & Advogados Associados
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