Eleições da OAB e o sistema de Justiça
Eleições limpas da Ordem dos Advogados do Brasil têm que respeitar a negritude!
sábado, 30 de outubro de 2021
Atualizado em 1 de novembro de 2021 09:43
A advocacia brasileira é profissão única com status constitucional, por força do art. 133 da Carta Magna, sendo certo que a distinção traz para advogadas e advogados maiores responsabilidades e compromissos com a defesa da integridade da ordem democrática de direito, notadamente porque somos indispensáveis à "administração da justiça". É o que preceitua o referido artigo da Constituição Federal.
Decorrência do privilégio por função, as prerrogativas para o exercício profissional constituem o pilar garantidor da defesa dos direitos e interesses das pessoas por nós defendidas, ou seja, direitos e imunidades dadas à advocacia são na essência as condições de trabalho para a mais qualificada postulação em favor das partes assistidas pelo profissional do direito na esfera pública, por meio da defensoria pública, e no campo privado, pela atuação particular de advogados e advogadas.
Relativamente à Ordem dos Advogados do Brasil, ente que reúne o papel fiscalizador do exercício profissional da advocacia, mais as atribuições institucionais advindas da integração ao sistema de justiça, o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil, estatui:
"Art. 44. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), serviço público, dotada de personalidade jurídica e forma federativa, tem por finalidade:
I- defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas".
Este é o comando que conforma a organização institucional da OAB, fazendo de sua representação uma moderna ágora - a sociedade busca na Ordem uma interlocução qualificada, postulatória inclusive, ante a capacidade processual para as ações direta de inconstitucionalidade e declaratória de constitucionalidade, também por definição da CF.
Com indiscutível prestígio social, o processo político do sistema da OAB mobiliza um colégio eleitoral que soma mais de um milhão e trezentos mil profissionais - exatos 1.308.674, conforme página da OAB Nacional, vista em 30.10.2021, movimentando as 27 seccionais dos Estados e o Distrito Federal, sob olhares e torcida de familiares, e bem assim da magistratura, do ministério público, das defensorias públicas estaduais e da União, da advocacia pública, envolvendo ainda interesses de grandes grupos econômicos representados pelas bancas advocatícias com forte influência na ocupação das importantes cadeiras da Ordem dos Advogados do Brasil!
Assim, ao realizar sua primeira eleição com regra de paridade de gênero, associada à tímida e atrasada política de cota racial para negras e negros, é natural que atenções se voltem à observação da efetividade do cumprimento das disposições da entidade, destaque à autodeclaração como critério único para a reserva das vagas raciais.
Sim, a adoção de política de ação afirmativa sob a forma de cota como ferramenta de enfrentamento e combate ao racismo que persiste também nas estruturas das carreiras jurídicas sem excluir a advocacia, já ocorre na esfera pública. Leis gerais para o serviço público, e especial resolução do Conselho Nacional de Justiça para a magistratura, contemplam a análise de que o Brasil não pode se proclamar democrático mantendo um arsenal universalista de acesso a cargos públicos, que somente se presta a perpetuar desigualdades. A meritocracia é conceito que hegemoniza e consolida distorções históricas, não permitindo que a diversidade real da nossa gente seja espelhada na partilha do poder, com reflexos inclusive na qualidade seletiva da prestação jurisdicional do Estado.
Sobre as atribuições institucionais da OAB, importa aqui realçar a implantação de sua política de cotas raciais e sua responsabilidade com essa construção, tendo em mente que nossa Ordem está obrigada a integrar as bancas examinadoras de concursos públicos das carreiras jurídicas. No caso da magistratura, tal função é imposta pela própria CF (art. 93, I) e nas demais, há a previsão da Lei nº 8.906/94, o citado Estatuto.
Assim, são preocupantes as notícias de que o civilizado mecanismo da autodeclaração está sendo objeto do cometimento de falsidade ideológica por integrantes de chapas que disputam as eleições seccionais da OAB, com o indisfarçado propósito de seguir mantendo a entidade como um nicho da branquitude alheia à odiosa discriminação racial que corrompe e sabota qualquer projeto democratizante do sistema de justiça, descredenciando a entidade para manter o destacado papel que soberania popular lhe legou na Carta Política de 1988!
A vigilância da sociedade não perdoará a fraude, a legitimação social da OAB restará arranhada se não houver pronta e efetiva correção de rumos! O primeiro voto com alguma expressão da representatividade negra na advocacia não pode se transformar na negação da identidade ancestral africana da honradez libertária de Esperança Garcia e da grandeza jurídica de Luiz Gama!
Eleições limpas da Ordem dos Advogados do Brasil têm que respeitar a negritude!