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A dupla maternidade

O conceito de família mudou muito ao longo dos anos. Hoje além do modelo tradicional, há vários tipos de família e em especial as socioafetivas. Nesse cenário, podemos ter a união homoafetiva e o desejo da maternidade.

sexta-feira, 29 de outubro de 2021

Atualizado às 11:45

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Atuar na área familiarista é um doce desafio. É doce porque os êxitos podem transformar vidas e desafiadora porque há muita bagagem envolvida de nossos clientes. Neste momento a nossa missão começa. A entrevista inicial com o cliente é uma caixa de surpresa, não sabemos o que carrega dentro de si. Pode ser amor, raiva, mágoa, dor, alegrias, saudades ou o misto de todos eles e mais um pouco.

As fontes jurídicas são claras, abrangentes; mas ainda excluem expressivos fatos jurídicos e nem de longe conseguem traduzir as emoções vividas pelos nossos clientes. Inafastável nosso conhecimento técnico, mas aqui o importante é a empatia e respeito com nosso cliente, que nos depositou a confiança para representá-lo e compartilhou conosco sua história. O Direito de Família envolve sentimentos, emoções e invariavelmente muita expectativa.

Com a assinatura do contrato, temos um caminho a percorrer lado a lado com nosso cliente: inúmeras reuniões, coleta de documentos, preparo e entrada do processo, audiências e demais atos até a sentença final.

Desde que iniciei, o conceito de família mudou algumas vezes e hoje são valorizadas as relações socioafetivas, sem distinção entre filho biológico e socioafetivo. O modelo tradicional de pai, mãe e filhos persiste junto às novas formas incorporadas pelo ordenamento. Hoje há a possibilidade de temos dois pais, duas mães, filhos de várias relações, homoafetividade, e até poliafetividade, que ocorre quando há relação de mais de duas pessoas.

Dito tudo isso, fui procurada por minhas clientes que vivem em união estável, sendo que uma delas estava grávida e elas manifestaram o desejo da dupla maternidade, ou seja, o registro do nascituro iria constar o nome das duas mães, sem distinção. Claro que em um primeiro momento, senti aquele frio na barriga, afinal era um ramo desconhecido para mim.

Com a empatia mútua, aceitei o desafio e aprofundei meus estudos na área para atender a demanda delas. Confesso que por mais que conhecesse, a homoafetividade era uma realidade distante que se tornou próxima com a parceria que formamos. Tendo em vista que a gravidez foi possível pela inseminação caseira, tinha ciência que a dificuldade aumentaria, mas estava disposta a lutar por essa família.

Acompanhei boa parte da gestação e vivenciei algumas emoções com elas. O diagnóstico de hidrocefalia, a possibilidade de aborto e parto prematuro, mas nada abalou as mães corajosas e guerreiras. Eu fazia parte desta batalha e aprendi muita com a fé inabalável e resiliência das duas, só queria que o bebê experienciasse o amor incondicional de suas mães e seus familiares.

Apesar da prematuridade, a bebê nasceu e pudemos entrar com o pedido de dupla maternidade. Procurei traduzir no processo toda a garra dessas mães, o lindo relacionamento que viviam e o infinito desejo de compartilharem essa maternidade.

E deu certo. Nosso pedido foi acolhido e estou muito feliz com essa conquista. Fiz questão de dar a notícia pessoalmente, fui recebida com choros de emoção e muita alegria. Em anos de atuação, não recordava de ter recebido um abraço tão sincero e carinhoso de um cliente e ouvir que o meu trabalho mudou suas vidas. 

Maria Catarina Teixeira

Maria Catarina Teixeira

Advogada Cível e Trabalhista com vinte anos de atuação. Especialista em Direito Empresarial e em Direito de Família. Graduada em Ciências Contábeis pela FECAP.

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