Concurso público, direito dos aprovados e a existência de contratos temporários
A utilização das avenças para o suprir de necessidade permanente da Administração e a necessidade de, à luz do entendimento do STJ, existência de cargos vagos para a conversão da expectativa de direito em direito subjetivo à nomeação.
quarta-feira, 27 de outubro de 2021
Atualizado às 11:25
Na data dos dias atuais que o concurso público deixou de ser o destino de quem não deu certo na iniciativa privada para se tornar um caminho natural de centenas de milhares de pessoas todos os anos. A estabilidade, a razoabilidade das remunerações e o baixíssimo risco de perda do cargo ou emprego tornam a opção bastante atraentes para os não vocacionados ao empreendedorismo, aqui aludido sob o aspecto privado do termo.
Números divulgados por um site especializado mostram que apenas em setembro 50.000 vagas foram ofertadas. Tomando por bastante factível e pouco realista (já que o número real em muito excede à tímida projeção) o número de 100 candidatos por vaga, um universo de R$ 5.000.000 (cinco milhões) de pessoas se submeteram a tais avaliações.
O resultado desse movimento somado às tradicionais contratações temporárias realizadas no âmbito da Administração produz mais um capítulo do fenômeno de judicialização da atividade administrativa: a busca por nomeações judiciais de candidatos não convocados voluntariamente, quer em classificação equivalente ao número de vagas ofertadas pelo edital, quer fora delas.
A inexistência de uma legislação que regulamente a vida dos pretensos servidores acaba por deixar a cargo da jurisprudência a tarefa de delimitar o direito do cidadão que se submeta a exame e a discricionariedade administrativa, devendo, ao menos em tese, fazê-lo sob a ótica da efetivação dos princípios constitucionais da administração e da proteção da confiança, decorrência lógica da boa-fé que, por sua vez, integra o próprio conceito de moralidade administrativa.
Hodiernamente, os precedentes que se extraem dos julgados realizados no âmbito dos Tribunais Superiores organizam os candidatos na dualidade aprovados dentro do número de vagas e aqueles integrantes do cadastro de reserva. Enquanto os primeiros regulamentam suas posições com base na súmula número 15 do Supremo Tribunal Federal, os segundos se debruçam sobre a tese que se extrai do tema 784.
Em linhas gerais, é possível afirmar: aqueles que lograram classificar-se dentro do número de vagas ofertadas pelo edital possuem direito subjetivo à nomeação, que poderá ser efetivado, a critério da administração, dentro do prazo de validade dos efeitos do certame, enquanto os integrantes do chamado cadastro de reserva possuem mera expectativa de direito, a ser convertida no direito subjetivo quando surgirem novas vagas, ou for aberto novo concurso durante a validade do certame anterior, e ocorrer a preterição de candidatos de forma arbitrária e imotivada por parte da administração nos termos acima.
É neste cenário, aliás, que ganha força a tese segundo a qual a contratação temporária de servidores para o suprir de necessidades permanentes da Administração ensejaria a preterição imotivada, tendo em vista traduzirem comportamento tácito ou expresso do Poder Público capaz de revelar a inequívoca necessidade de nomeação do aprovado durante o período de validade do certame, mormente após a definição da tese aplicada pelo Supremo Tribunal Federal ao tema 612 de Repercussão Geral.
Ocorre que, muito embora o raciocínio não seja equivocado e possua fundamento, não se pode perder de vista que a existência dos já citados contratos não é suficiente ao caracterizar do direito à nomeação dos aprovados, por duas razões, às quais passo a me referir: i) a natureza efetiva dos cargos que se deseja suprir com a realização do concurso, apta a criar para o agente público direitos como a estabilidade após três anos de efetivo exercício e avaliação de desempenho realizada por uma comissão especialmente designada para isso; ii) a segunda, a seu turno, advém da necessidade de que cargos dessa natureza sejam criados por lei ou, já havendo sido criados, estejam vagos.
Neste sentido, aliás, decidiu recentemente o Superior Tribunal de Justiça, no bojo do julgamento do RMS 65.902, que, em verdade, reiterou o precedente que se extrai do acórdão proferido por ocasião do RMS 60.820, todos disponíveis nos links ali inseridos.
Por todo o exposto, o que se conclui é que a análise da existência ou não de direito dos aprovados em concurso público, com ênfase nos aprovados fora do número de vagas, deve ser precedida de amplo e minucioso levantamento de informações, a fim de verificar se o caso analisado preenche todas as condições previstas pela jurisprudência para correto e seguro exercício do direito de ação em sentido estrito, quais sejam: a demonstração inequívoca de necessidade de pessoal, em número apto a gerar a convocação do pretenso servidor, e a existência de cargos vagos, nos moldes do que até aqui se sustentou.