Desafios para a implantação da lei do superendividamento
A lei do superendividamento representa um avanço a partir do compromisso coletivo e por isso modifica o Código de Defesa do Consumidor em sua trajetória de mais de 30 anos.
segunda-feira, 25 de outubro de 2021
Atualizado às 09:53
No início do mês de julho deste ano foi assinada a lei 14.181/21, também chamada de lei do Superendividamento. A partir dela desenhou-se um novo cenário que pretende trazer mais clareza, justiça e oportunidades para quem deve e aqueles que precisam receber. Entre as medidas previstas se destacam mais conscientização sobre gastos, ênfase na educação financeira, condições justas para a contratação de crédito, fim do assédio ao cliente e mais suporte ao consumidor.
Ainda que justamente celebrada, a nova lei nos coloca diante de alguns desafios. Um novo contexto que envolve esforço e responsabilidade entre vários setores da nossa sociedade. E o que vai mudar? Qual é o papel dos envolvidos neste cenário?
A começar temos um mecanismo de negociação de dívidas, que antes era somente aplicado para pessoa jurídica (empresa) e agora foi estendido para a vida pessoal (pessoa física). Nesse ponto encontramos um desafio crucial. Sabemos que os trâmites da lei podem ser lentos, porém, para quem sobrevive com o mínimo existencial, a espera torna-se uma questão de sobrevivência.
Quem está com dívida tem fome e tem pressa, sem falar que muitas vezes precisa alimentar uma família toda. Por este caminho da urgência passa mais um dos desafios: a longa burocracia. Portanto, esta é uma lei que precisa sinalizar uma alternativa viável, mas isso só vai acontecer em estruturas ágeis e simples.
Quando falamos em rapidez, nos deparamos com mais um desafio: as diferenças existentes em nosso país, sobretudo em locais distantes e afastados dos grandes centros. Dificuldades que podem tornar vagarosa a aplicação da lei e muitas vezes isso ocorre exatamente onde mais se precisa. Um contraste neste projeto de grande importância que precisa chegar com a mesma velocidade por todo o País. Estamos diante de 71,4% de famílias brasileiras que estão endividadas, de acordo com dados da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC - Julho/21). É o maior índice da série histórica da pesquisa, que foi iniciada no ano de 2010.
E quanto representa este montante financeiro devido, que espera negociação? De acordo com a Serasa, em seu Mapa da Inadimplência no Brasil (maio/2021), estamos falando em 62,5 milhões de consumidores inadimplentes, que acumulam uma dívida de quase R$250 bilhões. O mesmo levantamento apontou que, - entre os brasileiros nesta situação -, cada um deve em média R$ 3.937,98. As dívidas com bancos e cartões de crédito representam 29,7%, e são apontadas como as principais causas de endividamentos.
A partir da oportunidade prevista na lei, um grande número de consumidores terá a oportunidade de sanar suas dívidas. Com responsabilidade, esta mesma parcela conseguirá também retornar ao mercado de consumo, ajudando a movimentar o aporte estacionado de quase R$250 bilhões.
Negociar valores, estabelecer condições dignas e justas de crédito são ações que passam pelo entendimento da lei. No contexto brasileiro atual, agravado pela pandemia da Covid-19, torna-se ainda mais imprescindível impulsionar o mercado de consumo no sentido de aquecer a economia, gerar empregos, além de novas oportunidades e crescimento. Em maior ou menor escala, somos todos consumidores e o comércio também depende de nós.
Exatamente por seus desafios, o tema sugere um pacto social que envolva diálogos regionalizados e solução das suas variáveis. Entre eles estão a opção de crédito justo ao consumidor e também mecanismos eficazes para a sua recolocação no ciclo da economia. Por isso, a lei prevê que os endividados recebam ajuda e ações educativas, além do compromisso transparente de bancos e pactos financeiros entre o PROCON e os credores, visando evitar o excesso de judicialização nas medidas.
Sem dúvida é uma lei muito bem-vinda e que precisa de entendimento, diálogo e desburocratização para seu alcance real. É muito importante para quem tem dívidas a pagar e fundamental para o empresário que precisa receber. Também tem relevante papel para impulsionar novos negócios, a partir do crédito responsável, mas sob o olhar atento dos organismos reguladores.
A Lei do Superendividamento representa um avanço a partir do compromisso coletivo e por isso modifica o Código de Defesa do Consumidor em sua trajetória de mais de 30 anos. Diante de muito trabalho e conscientização, esperamos que a nova lei consiga ajudar aqueles que mais precisam, gerando novas oportunidades para toda a sociedade.
Ellen Gonçalves Pires
Advogada, sócia-fundadora de Pires & Gonçalves - Advogados Associados. Especialista em Direito do Consumidor. Referência em Resolução de Conflitos e em Contencioso de Alta Complexidade.