A proteção da marca, concorrência desleal e os direitos do consumidor
O artigo aborda o viés social da Lei de Propriedade Industrial (Lei 9.279/96), ao tempo em que veda a concorrência desleal, protege os direitos do consumidor quanto aos sinais não registráveis como marca e suscetíveis de causar-lhe confusão na identificação dos produtos e/ou serviços.
quinta-feira, 21 de outubro de 2021
Atualizado às 12:59
O art. 5º da Constituição Federal de 1988, em seu inciso XXIX bem elucida que a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País. Evidente aqui que a proteção da marca fundamenta-se no interesse social, ou seja, evidencia-se a sua função social.1
Necessário considerar também o que a Lei de Propriedade Industrial (LPI), ao tempo em que protege o consumidor de confusões, também assegura a repressão à concorrência desleal. Visível a correlação sistêmica entre as codificações legais, levando em consideração que o Código de Defesa do Consumidor, ao tratar dos princípios que regem a Política Nacional das Relações de Consumo2, aduz que:
Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:
(...)
VI - coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores; (grifo nosso)
Encontram-se intimamente ligados a concorrência desleal e a prática de causar confusão aos consumidores, uma vez que estes são os destinatários finais dos produtos e/ou serviços, a utilização de sinais não registráveis como marca possuem um alcance muito maior que o mero desatendimento aos requisitos presentes na LPI. Além dos prejuízos causados ao negócio do titular da marca, considerando-se a alta possibilidade de indeferimento de seu Registro de Marca pelo INPI, há que frisar a lesão ao princípio da função social da marca, consagrado pela Carta Magna.
A marca configura sinal distintivo visualmente perceptível, não compreendida nas proibições legais; desse modo, traz como função primordial a diferenciação de produtos ou serviços entre os concorrentes. Ao que se percebe, não há lesão ao princípio da livre iniciativa; pelo contrário, justamente porque esse postulado existe e está presente na base principiológica na Carta Constitucional de 1988, é que se justiça a proteção à concorrência leal e justa.
Reputa-se presente, em análise acuidosa da proteção da marca na Constituição Federal, na Lei de Propriedade Industrial e Código de Defesa do Consumidor, na postura do legislador, o equilíbrio principiológico apto a viabilizar existência pacífica entre direitos dos consumidores, concorrência justa e proteção da marca.
A nuance em apreço, que poderia se adstringir ao campo da propriedade intelectual, assume discussão também no âmbito dos tribunais:
AGRAVO DE INSTRUMENTO - PROPRIEDADE INDUSTRIAL - USO DE MARCA - GRAFIA IDÊNTICA - CAPACIDADE DE CONFUSÃO JUNTO AO CONSUMIDOR E, EVENTUALMENTE, CONCORRÊNCIA DESLEAL. A Lei 9.279/1996 (Lei de Propriedade Industrial), a fim de evitar a concorrência desleal, garantiu o uso exclusivo da marca a quem primeiro adquire sua propriedade, através do registro. A marca representa o sinal relacionado a um produto ou indicativo de um serviço, aposto com o fito de individualizá-lo em relação aos demais. Através de uma simples análise de ambas as marcas, é possível constatar com grande facilidade que a usada pelo agravante é idêntica àquela titularizada pelo agravado, possuindo a mesma grafia e especificação do serviço. Como a marca tem como função permitir que o consumidor possa identificar a origem de um produto ou serviço, possibilitando-lhe distinguir este produto ou serviço de outros similares existentes no mercado, é evidente que o uso da marca InBody pelo agravante pode provocar confusão entre os consumidores. Desprovimento ao recurso. (grifo nosso)
(TJ-RJ - AI: 00829766420208190000, Relator: Des(a). EDSON AGUIAR DE VASCONCELOS, Data de Julgamento: 16/03/2021, DÉCIMA SÉTIMA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 19/03/2021)3
O doutrinador Denis Borges Barbosa, acerca da função social da marca, leciona que:
A marca, ao designar um produto, mercadorias ou serviço, serve para em princípio para [sic] identificar a sua origem; mas, usada como propaganda, além de poder também identificar a origem, deve primordialmente incitar ao consumo, ou valorizar a atividade empresarial do titular. Conforme a clássica justificativa do sistema de marcas, a proteção jurídica tem por finalidade em primeiro lugar proteger o investimento do empresário; em segundo lugar, garantir ao consumidor a capacidade de discernir o bom e o mau produto. O exercício equilibrado e compatível com a função social desta propriedade levaria a que o investimento em qualidade seria reconhecido.4
Resta demonstrado, neste ínterim, que os institutos legislativos apontados e que integram o sistema de normas referentes à proteção da marca, dos direitos do consumidor e da livre concorrência, intencionam a ponderação e equilíbrio dos postulados que fundamentam cada um deles, bem assim o exercício sadio de cada uma dessas esferas, quais sejam: empresarial, marcaria e consumerista. Cada qual livre para atuar de maneira livre e justa.
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1 Planalto, 2021. Disponível em clique aqui. Acesso em 21 out 2021.
2 Planalto, 2021. Disponível em clique aqui. Acesso em 21 out 2021.
3 Jusbrasil, 2021. Disponível em clique aqui. Acesso em 21 out 2021.
4 BARBOSA, Denis Borges. Uma introdução à propriedade intelectual, 2ª edição revista e atualizada - Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, Pág. 801.