Os limites à utilização de marcas em peças publicitárias
Ao utilizar marcas de terceiros em peças publicitárias é necessário agir com diligência, pois mesmo nos casos em que não há necessidade de autorização para uso, o proprietário ainda é detentor do direito de proteção a imagem da marca.
segunda-feira, 11 de outubro de 2021
Atualizado às 07:41
Em um mercado cada vez mais competitivo, as propagandas se tornam indispensáveis para a captação de clientes. Nessa disputa diária por novos clientes, é comum a abordagem de empresas utilizando marcas alheias em suas campanhas, seja para anunciar uma parceria, ou até mesmo para demonstrar a razão de escolher determinada marca em detrimento de outra.
Diante de tal cenário, é importante analisar os limites à utilização das marcas por terceiros e as hipóteses em que se exige autorização dos proprietários para inserção de marcas pertencentes a terceiros em peças publicitárias.
Resumidamente, a marca é uma das formas de manifestação da atividade criativa que é tutelada, sob a ótica jurídica, no ramo da propriedade industrial, enquanto espécie do gênero propriedade intelectual. No Brasil, o registro da marca é conduzido pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial- INPI. O processo de registro abrange uma série de atos e procedimentos e, após a concessão do título de marca registrada, esta será considerada exclusiva ao seu titular na área em que vier a desenvolver suas atividades, passando a ser detentor de direitos e deveres. Deste entendimento não destoa Newton Silveira, para quem:
Verifica-se, pois, que o titular de marca de fato também goza de um direito exclusivo, facultando-lhe a lei todas as ações disponíveis ao titular de marca registrada.
Tem, além disso, o direito de pleitear judicialmente a declaração de nulidade de marca registrada que seja reprodução ou imitação da marca que utilize, por invocação do artigo 6 bis da Convenção de Paris. (SILVEIRA, 2017, p.26)
Dessa forma, merece especial atenção o debate acerca da exclusividade conferida em relação à utilização das marcas, pois ela garante ao seu proprietário o direito de se opor a sua utilização não autorizada por terceiros. Por certo, a razão dos proprietários registrarem suas marcas é a exclusividade atribuída, pois ao dedicar esforços para desenvolver algo inovador, presume-se que o criador busque usufruir dos benefícios da criação.
Assim, conforme a lei 9279/96, artigo 129, aos proprietários está assegurada a exclusividade em todo território Nacional, inibindo a utilização parasitária de marcas registradas, in verbis:
Art. 129. A propriedade da marca adquire-se pelo registro validamente expedido, conforme as disposições desta lei, sendo assegurado ao titular seu uso exclusivo em todo o território nacional, observado quanto às marcas coletivas e de certificação o disposto nos arts. 147 e 148.
Nesse sentido, a exclusividade está estreitamente ligada a outro direito conferido ao proprietário, o de licenciar o uso da marca. Tal prerrogativa é importante para o desenvolvimento econômico das marcas e, consequentemente, a evolução da propriedade industrial no Brasil.
O licenciamento está previsto no artigo 130 da lei 9279/96. Essa maneira de utilização da marca é muito comum em peças publicitárias e é um importante fator para valorização de uma marca. Um exemplo frequente de uso, é a junção de marcas para promover eventos ou novos produtos.
Nesse contexto, o licenciamento acontece, em regra, de forma onerosa. O principal objetivo é a união de marcas para gerar maior visibilidade a determinado serviço ou produto. É claro que a autorização de uso depende de negociação entre os interessados, pois envolve obtenção de lucros, que devem beneficiar ambos os criadores.
Como exemplo da importância do licenciamento das marcas, a The Walt Disney Company, empresa detentora de inúmeras marcas, é uma das maiores licenciadoras do mundo. A modalidade de licenciamento é tão importante para a empresa que gera mais lucros do que as vendas de bilhetes dos seus famosos parques.
Além disso, conforme previsto no artigo 130 da lei 9.679/96, aos proprietários das marcas está assegurado o direito de zelar pela reputação delas. Existe clara ligação entre o direito de licenciar, zelar e garantir a integralidade da marca, pois somente o proprietário da marca pode determinar o que seria positivo ou negativo para sua criação, por isso a autorização para uso é extremamente necessária, in verbis:
Art. 130. Ao titular da marca ou ao depositante é ainda assegurado o direito de:
[...]
II - Licenciar seu uso;
III - zelar pela sua integridade material ou reputação.
Não há dúvidas quanto à necessidade de autorização do titular de uma marca para sua utilização de forma comercial. Inclusive, comete crime contra o registro de marca quem utiliza marca de terceiros de forma não autorizada. Tais atitudes são alvo de forte repressão não somente no Brasil, mas também em diversos organismos internacionais que versam sobre o tema.
No entanto, na mesma medida em que a lei 9.279/96 confere direitos ao proprietário das marcas, também cria limitações, especificadas no artigo 132, em que se demonstram as possibilidades de terceiros utilizarem as marcas de maneira livre, sem a necessidade de autorização do proprietário:
Art. 132. O titular da marca não poderá:
I - Impedir que comerciantes ou distribuidores utilizem sinais distintivos que lhes são próprios, juntamente com a marca do produto, na sua promoção e comercialização;
[...]
IV - Impedir a citação da marca em discurso, obra científica ou literária ou qualquer outra publicação, desde que sem conotação comercial e sem prejuízo para seu caráter distintivo.
O primeiro inciso garante aos comerciantes e distribuidores de produtos e serviços o direito a utilizar, independente de autorização, a marca de terceiros, para a promoção e comercialização.
Nesse sentido, observa-se que seria incoerente proibir que comerciantes divulguem a marca que consta no produto ou serviço, pois ocultaria dos consumidores a procedência dos itens comercializados. Assim, independe de autorização a peça publicitária cujo objetivo seja a promoção de uma marca comercializada por quem divulga.
Por outro lado, o inciso IV do artigo 132 da lei 9.279/96, garante que as marcas podem ser citadas de forma livre em discursos, obras ou qualquer outro tipo de publicação que não contenha viés comercial:
Art. 132 [...]
[...]
IV - Impedir a citação da marca em discurso, obra científica ou literária ou qualquer outra publicação, desde que sem conotação comercial e sem prejuízo para seu caráter distintivo.
Existem dois pontos relevantes no inciso acima. O primeiro é a necessidade de não haver conotação comercial na publicação, discurso ou obra, ou seja, a marca poderá ser citada sem autorização caso não haja nenhum tipo de interesse comercial vinculado. São os casos de publicidades educativas desenvolvidas pelo Estado ou blogs que visam comparar produtos e serviços de marcas distintas para orientar o consumidor.
Nesse aspecto, faz-se necessário esclarecer que é expressamente vedada toda forma de publicidade comparativa com viés comercial para depreciar marca alheia. A lei 9.279/96 e o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária- CONAR, proíbem discursos ou publicações que visem, mesmo que de forma oculta, inferiorizar uma marca para favorecer outra comercializada por quem publica o comparativo. Além disso, é pacifico o entendimento do STJ em relação aos limites da publicidade comparativa, observe:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO MARCÁRIO, CONCORRENCIAL E DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE ABSTENÇÃO DE USO DE MARCA, REPARAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 282/STF. PUBLICIDADE COMPARATIVA. AUSÊNCIA DE VEDAÇÃO LEGAL. PONDERAÇÃO ENTRE OS INTERESSES DO TITULAR DA MARCA COMPARADA E OS DO PÚBLICO CONSUMIDOR. IMPOSSIBILIDADE DE REVOLVIMENTO DO ACERVO FÁTICO-PROBATÓRIO. CONCLUSÕES DO ACÓRDÃO RECORRIDO QUE NÃO DESTOAM DAS PREMISSAS LEGAIS E TEÓRICAS ORA FIXADAS. 1- Ação ajuizada em 31/3/2010. Recurso especial interposto em 17/12/2013 e atribuído ao Gabinete em 25/8/2016. 2- O propósito recursal é definir se a estratégia de marketing utilizada pela recorrida, baseada em publicidade comparativa, violou direito marcário titulado pelas recorrentes. 3- A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como violados impede, quanto às normas por eles veiculadas, o conhecimento do recurso especial. 4- A publicidade comparativa pode ser definida como método ou técnica de confronto empregado para enaltecer as qualidades ou o preço de produtos ou serviços anunciados em relação a produtos ou serviços de um ou mais concorrentes, explícita ou implicitamente, com o objetivo de diminuir o poder de atração da concorrência frente ao público consumidor. 5- A despeito da ausência de abordagem legal específica acerca da matéria, a publicidade comparativa é aceita pelo ordenamento jurídico pátrio, desde que observadas determinadas regras e princípios concernentes ao direito do consumidor, ao direito marcário e ao direito concorrencial, sendo vedada a veiculação de propaganda comercial enganosa ou abusiva, que denigra a imagem da marca comparada, que configure concorrência desleal ou que cause confusão no consumidor. Precedentes (...) 7- Recurso especial não provido.
(STJ - REsp: 1668550 RJ 2014/0106347-0, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 23/05/2017, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 26/05/2017)
O segundo ponto é a proibição de alteração do caráter distintivo das marcas quando citadas dentro de peças publicitárias. Dessa forma, garante ao proprietário que a imagem da marca será mantida e não será utilizada com alterações que possam a difamar ou retirar sua distintividade.
A questão da identidade e do uso comparativo indevido das marcas se tornou pauta para discussão entre a General Motors, a Nissan do Brasil e a Lew Lara Tbwa Publicidade Ltda. Em meados de 2010, foi produzida pela agência de publicidade contratada pela Nissan Brasil uma propaganda comparativa entre a qualidade de algumas marcas de veículos.
Na referida propaganda, os dirigentes da General Motors e de outras marcas são ameaçados por não conseguirem alcançar o mesmo resultado de um modelo de carro da Nissan. Imediatamente, a General Motors ajuizou ação para retirar de circulação a propaganda e também pleiteou pelo pagamento de indenização por danos morais e materiais.
Após longos anos de discussão, a Nissan Brasil e a agência de publicidade, a Lew Lara, foram condenados ao pagamento milionário de indenização por danos morais. Entretanto, o pedido de indenização por danos materiais foi negado sob o argumento de que não foram comprovados danos patrimoniais. Este é o teor da ementa do acórdão proferido pelo STJ que decidiu o caso:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. PUBLICIDADE COMPARATIVA. EXCESSO CONFIGURADO. CONDENAÇÃO À ABSTENÇÃO DO USO DA PROPAGANDA E AOS DANOS MORAIS PLEITEADOS. 1. OMISSÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. INEXISTÊNCIA. 2. PEDIDO DE CONDENAÇÃO A DANOS MATERIAIS JULGADO IMPROCEDENTE. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. MANUTENÇÃO DO JULGADO QUE SE IMPÕE. 3. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. NÃO OCORRÊNCIA. 4. RECURSO DESPROVIDO. 1. Tendo o Tribunal analisado todos os argumentos suscitados pelas partes, não há que se falar em violação do art. 535 do CPC/1973. 2. Considerando que o caso não se trata de contrafação ou uso indevido de marca, mas, sim, de publicidade comparativa, a qual é aceita pela jurisprudência desta Corte Superior, caberia à parte autora a comprovação dos danos materiais sofridos em decorrência do abuso cometido na publicidade veiculada pelas rés, o que não ocorreu na espécie, não se tratando de hipótese de dano patrimonial presumido. (...). 4. Recurso especial desprovido.
(STJ - REsp: 1676750 SP 2013/0296374-6, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 10/10/2017, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 20/10/2017)
O caso acima demonstra a importância de se atentar aos limites legais sobre a utilização de marcas alheias, pois a jurisprudência é pacífica quanto à possibilidade da publicidade comparativa, porém esta deve ser feita de forma consciente e atenta aos direitos inerentes à marca. Destarte, a utilização incorreta de uma marca pode acarretar sérios prejuízos a quem desenvolve e a quem a publica.
Em suma, para determinar a necessidade de autorização para utilização da marca em peças publicitárias, deve ser observado o caso concreto. Quando utilizada visando construir um novo produto ou serviço, ou obter vantagem com a popularidade de marca terceira, é imprescindível a autorização para uso.
Por outro lado, caso o objetivo da publicidade seja a promoção da marca de um produto ou serviço comercializado por terceiro, não é necessário autorização do proprietário da marca. No mesmo sentido, quando não houver viés comercial, e objetive informar, instruir ou conscientizar, a utilização da marca independe de autorização, com a condição de que a imagem da marca não será modificada.
Sendo assim, ao utilizar marcas de terceiros em peças publicitárias é necessário agir com diligência, pois mesmo nos casos em que não há necessidade de autorização para uso, o proprietário ainda é detentor do direito de proteção a imagem da marca. Assim, respeitados os limites legais, a parceria entre marcas será sempre uma forma de alcançar mais visibilidade para peças publicitárias e consequentemente impactar mais consumidores.
Edvaldo Barreto Jr.
Advogado. Sócio fundador do escritório Barreto Dolabella Advogados. Diretor da Área de Direito Publicitário e Contratações Públicas. Procurador do Distrito Federal. Mestre em direito. MBA em Marketing pela ESPM (em curso). Autor de livro e artigos jurídicos.
Lorena Marques Magalhães
Estudante de Direito- 10º Período- Aprovada no XXXII Exame da Ordem. Controller no Escritório Barreto Dolabella advocacia. Pesquisadora na área de Propriedade Industrial e diretora executiva da Paladin.