Participação de empresa para fins de viabilizar o avanço contra seu patrimônio
De acordo com o posicionamento do STF, não é possível o redirecionamento de execução trabalhista à empresa que, a despeito de compor o mesmo grupo econômico da sociedade executada, não tenha participado da fase de conhecimento da respectiva ação.
segunda-feira, 11 de outubro de 2021
Atualizado às 07:32
Indo de encontro ao atual posicionamento jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho, o Ministro Gilmar Mendes, por meio de decisão publicada em 13 de setembro de 2021 (ARE 1160361), cassou a decisão que deferiu o redirecionamento do cumprimento de sentença contra empresa que compõe o mesmo grupo empresarial da executada principal, porém, que não participou da fase de conhecimento.
O posicionamento majoritário do Tribunal Superior do Trabalho desde 2003 é de que não há necessidade de que a empresa pertencente ao grupo empresarial participe da fase cognitiva do processo para que seja possível o redirecionamento da execução contra ela.
A data de 2003 é importante de ser mencionada, pois foi quando cancelada a súmula 205 do Tribunal Superior do Trabalho, que não permitia o redirecionamento da execução contra empresa que não consta no título executivo:
"O responsável solidário, integrante do grupo econômico, que não participou da relação processual como reclamado e que, portanto, não consta no título executivo judicial como devedor, não pode ser sujeito passivo na execução." (súmula cancelada).
Desde então, sem a súmula que proibia a execução contra empresa que não constasse no título executivo, adotou-se o entendimento de possibilidade do redirecionamento da execução contra empresa do mesmo grupo econômico, mesmo que não tenha participado da fase de conhecimento, ampliando-se a garantia do pagamento do crédito de natureza alimentar.
O argumento principal é de que mesmo não participando da fase cognitiva, aquela empresa, por compor o grupo empresarial econômico com a Executada principal, aproveitou-se de alguma forma, direta ou indiretamente da mão de obra do trabalhador, e, diante da hipossuficiência deste e do caráter alimentar da sua verba, facilita-se o processamento da execução, permitindo o redirecionamento contra a empresa do grupo.
Ainda, o fundamento para a inclusão da empresa do mesmo grupo empresarial apenas na fase de execução se dá pela interpretação do §2º do artigo 2º da CLT:
Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.
§ 2o Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, ou ainda quando, mesmo guardando cada uma sua autonomia, integrem grupo econômico, serão responsáveis solidariamente pelas obrigações decorrentes da relação de emprego.
Veja que a aludida norma não restringe a responsabilização da empresa do grupo apenas aos casos em que compõe o título executivo, justificando-se, portanto, o posicionamento jurisprudencial majoritário do Tribunal Superior do Trabalho.
O Supremo Tribunal Federal, ao argumentar pela cassação da decisão proferida pelo Tribunal Superior do Trabalho, pondera que a questão é complexa e delicada da perspectiva do devido processo legal, contraditório e da ampla defesa, pois após o cancelamento da súmula 205 do Tribunal Superior do Trabalho, adotou-se posicionamento frontalmente contrário ao que até então vinha sendo adotado, não se permitindo que as empresas incluídas apenas na fase de execução se defendessem dos pedidos contidos na petição inicial.
Assim, por exemplo, se a o processo principal correu à revelia da executada principal, que deixou transcorrer in albis o prazo para contestar e produzir provas, após, na fase de execução, seria possível executar empresa estranha à lide, que não participou da fase cognitiva e, tampouco teve a oportunidade de se defender no processo de origem, respondendo pela dívida tão somente pelo fato de compor o grupo empresarial.
Contudo, com o advento do Novo Código de Processo Civil, aplicado subsidiariamente no processo do trabalho, o qual dispõe no artigo 513, §5º que: "O cumprimento da sentença não poderá ser promovido em face do fiador, do coobrigado ou do corresponsável que não tiver participado da fase de conhecimento", o novo comando legal seria de que há necessidade de que a empresa, para sofrer execução, conste no título executivo, permitindo-se o exercício do contraditório e da ampla defesa.
A Corte Maior, então, determinou que o Tribunal Superior do Trabalho em observância à Súmula Vinculante 10 do STF e ao artigo 97 da Constituição Federal, proferisse novo acórdão enfrentando o artigo 513 §5º do Código de Processo Civil em conjunto com o artigo 15º do mesmo diploma, o qual dispõe sobre aplicação do processo civil no processo do trabalho quando houver ausência de normas próprias:
Art. 15. Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente.
Em que pese a posição legalista adotada pelo Supremo Tribunal Federal, deve-se ponderar que no processo do trabalho o redirecionamento da execução contra empresas que compõem o mesmo grupo econômico é medida por muitas vezes necessária para a satisfação de créditos trabalhistas que certamente restariam inadimplidos se aplicado o artigo 513 §5º do Código de Processo Civil.
Referido artigo diz respeito ao procedimento de processo civil, o qual, de fato confere maiores garantias aos devedores, porém, em se tratando de processo que tramita na justiça do trabalho (justiça especializada), se faz de suma importância a observância dos princípios da proteção, da celeridade e da efetividade processual.
Pelo princípio da proteção, como o próprio nome diz, confere-se maior proteção ao empregado, visto que é a parte hipossuficiente da relação de emprego. Nesse aspecto o redirecionamento da execução contra empresa pertencente ao mesmo grupo econômico apenas na fase de execução, protege o empregado que poderá satisfazer o seu crédito contra empresa que não conste no título executório.
Pelo princípio da celeridade, entende-se que o processo não pode durar ad eternum devendo haver uma duração célere quando se fala, sobretudo, em crédito alimentar perseguido no processo do trabalho.
Já pelo princípio da efetividade, entende-se que não basta ter uma bela sentença, que reconheça um crédito trabalhista, se esse crédito não é satisfeito, ou seja, se o credor não recebe o bem da vida tutelado em juízo, não há efetividade do processo.
Nesse sentido, tem-se que no direito do trabalho ao ser relativizado o exercício do contraditório e da ampla defesa das empresas pertencentes ao grupo econômico da executada principal, opta-se por prestigiar a satisfação da dívida do trabalhador que, por muitas vezes tem o seu crédito reconhecido pela justiça, porém não consegue satisfazê-lo, a não ser que se redirecione a execução contra empresas que pertencem ao grupo empresarial da executada principal mesmo que não constem no título executivo formado no processo de conhecimento.
De outra sorte, como dito anteriormente, há grave violação ao princípio do contraditório e da ampla defesa contra empresas que sequer participaram da fase de execução e são surpreendidas com o redirecionamento da execução.
De qualquer modo, a questão é complexa e deve ser resolvida com parcimônia pelas cortes superiores (TST e STF).
Por ora, o melhor a se fazer pelo lado dos Reclamantes, a fim de resguardar o seu crédito, é já na petição inicial arrolar todas as empresas que compõem o grupo econômico da reclamada principal, possibilitando-se uma execução mais expansiva.
No que diz respeito às empresas, sugere-se uma maior conferência sobre a idoneidade das demais que compõem o seu grupo empresarial, a fim de se evitar sejam surpreendidas com execuções de processos que sequer participaram, ou até mesmo para evitar que sejam demandadas em reclamatórias trabalhistas, uma vez que a tendência é que os credores arrolem todas as empresas do grupo já na petição inicial, já que não mais poderão incluí-las na fase de execução.
Lucas Delgado Conceição
Advogado associado ao escritório GBSA - Gonçalves e Bruno Sociedade de Advogados. Graduado pela Universidade São Judas Tadeu. Pós-graduado em Direito Processual Civil pela PUC/SP.