Perfil fake e o crime de falsa identidade
O simples ato de criar um perfil "fake", de uma pessoa real, viva ou morta, já implica que o "criador" está cometendo o crime de falsa identidade, pois se faz passar por ela.
quarta-feira, 6 de outubro de 2021
Atualizado às 14:37
Cotidianamente observamos nas redes sociais avisos do tipo, hackearam meu perfil, ou, criaram um perfil fake com os meus dados, a evolução tecnológica, assim como a facilidade de mecanismos propicia poder realizar isso, o que antigamente para ter uma falsa identidade era necessário construir um documento físico, hoje em segundos se constrói uma identidade digital.
Porém, é importante a disseminação da informação, para conhecimento dos criminosos virtuais desavisados, do perfeito encaixe desta conduta ao núcleo do tipo previsto no artigo 307 do Código Penal, assim como, no aspecto físico, como no digital o ato constitui, sim, crime previsto no Código Penal:
Art. 307. Atribuir-se ou atribuir a terceiro falsa identidade para obter vantagem, em proveito próprio ou alheio, ou para causar dano a outrem:
Pena: detenção, de três meses a um ano, ou multa, se o fato não constitui elemento de crime mais grave.
O tipo penal traz que a consumação ocorre, na forma dolosa, tendo como elemento subjetivo do tipo a forma especifica, com a criação de identidade para obtenção de vantagem em seu proveito ou alheio, ou para causar dano a outrem.
Na data de ontem, 04 de outubro de 2021, para que possamos entender o grau do dano causado pela conduta criminosa, criação de identidade falsa por meio de perfil fake, devido ao número de alcance no espaço digital ser muito mais significativo, inclusive, que no aspecto físico, algumas das redes sociais mais poderosas do mundo, pararam; dentre elas o Facebook, como líder absoluto, tendo sido a primeira rede social a superar o número de 1 (um) bilhão de contas registradas, seguido pelo YouTube e Instagram que contam com cerca de 1.2 bilhão de usuários, ocupando o segundo e o terceiro lugar.
Entretanto, ainda enfrentamos a discussão se a criação de um perfil em rede social, com identidade de terceiro, sem que seja parte de um ato preparatório para outro delito, poderá ser elemento consumativo do crime.
Já neste momento da leitura, diante dos dados e fatos, não paira qualquer dúvida quanto ao dano causado à identidade e também a todos os direitos da personalidade de uma pessoa, quando esta tem clonado, raqueado, "fakelizado" seu perfil na Grande rede, pura e simplesmente. Além deste poderoso e destruidor poder que possui um perfil fake, afinal, vivemos na era dos cancelamentos, por exemplo, ainda temos o imenso perigo abstrato dentro de uma gama inimaginável e beirando o infinito de condutas que, como dito, por qualquer simples ato que seja, por qualquer emissão de palavra, ideia, simples uso da imagem, e até omissão, desconhecida e ou desautorizada, pode causar danos ainda maiores.
Não precisamos esperar a consumação do delito, que ora já chamamos de consequente, pois o primeiro já foi, em nosso entender, consumado com a simples prática do ato criminoso de atribuir-se ou atribuir a terceiro falsa identidade, na modalidade para causar dano a outrem, no caso, leia-se o outrem como verdadeiro "eu sou", o dono da identidade da qual já se apropriou o delinquente virtual.
Consumar-se-á o delito no momento em que se imputa a falsa atribuição, no ato da criação do perfil fake, independentemente de qualquer resultado, pois o dano já é facilmente sentido.
A Constituição Federal protege a honra e a imagem, e assegura a reparação do dano, conforme se preceitua no art. 5º, inciso X, e ainda o Código Civil, resguarda os direitos a personalidade conforme o art. 186, partindo deste prisma, a criação de um perfil falso, com identidade alheia, viola a honra, a imagem, os direitos a personalidade, causando com isso os elementos caracterizadores do delito penal, incorrendo no dano a outrem (titular da imagem) com a sua violação por terceiro e em análise doutrinária do Código Civil, Nelson Nery1 acerca da violação de direito ou dano a outrem tipifica a conduta sendo "A volição deliberada, por ação ou omissão, destinada à violação de direito e à acusação de dano a outrem, constitui ato ilícito doloso".
Guilherme de Souza Nucci2 aponta na Análise do núcleo do tipo que: "atribuir significa considerar como autor ou imputar. As condutas são: a) imputar a si mesmo identidade falsa; b) imputar a outrem identidade falsa. Não se inclui na figura típica o ato da pessoa que se omite diante da falsa identidade que outrem lhe atribui", e ainda, para consumação a jurisprudência acentua que "3. O crime de falsa identidade é crime formal, ou seja, não exige, para a sua consumação, resultado naturalístico, consistente na obtenção efetiva de vantagem ou na causação de prejuízo para outrem. 4. O direito ao silêncio, previsto na Constituição Federal, não legitima o agente à prática de crime de falsa identidade" (Ap. 2006.01.1.107316-0, 2.ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, rel. Alfeu Machado, 26.06.2007, m.v.)
A violação da imagem, por si só, já é elemento caracterizador de prejuízo a outrem, ao seu titular, pois o direito a personalidade e o constitucional da honra se encontram violado, se caracterizando como um bem jurídico a ser protegido, ainda acerca da consumação a jurisprudência aponta que "O crime do art. 307 é de natureza formal e completa-se com a mera atribuição de identidade que não pertence ao agente, independendo de vantagem própria, ou dano a terceiro" (TACrSP, RJDTACr 25/468; TJSP, RJTJSP 157/301).
Analisando o bem jurídico a ser protegido pelo direito penal, Polaino-Navarrete3, relata a opinião majoritária na Dogmática Criminal que o direito penal tem como base e possui a função de resguardo dos bens jurídicos, ou seja, dos bens e valores característicos à convivência humana e considerados indispensáveis para a vida social, esta função de tutela é, em sua realidade e na sua essência, uma garantia, a qual, possui uma função de precaução de crimes futuros, porque a conduta criminosa atinge os objetos legais da proteção penal, os dois aspectos, proteção e prevenção constitui uma agregação impartível e mantêm uma relação de todos os meios, visto que o direito penal protege os bens jurídicos, com o objetivo de precaver danos aos indivíduos.
Ainda Claus Roxin4 sustenta que as normas jurídico-penais, através do Estado, devem perseguir o objetivo de assegurar aos cidadãos uma coexistência pacífica e livre, devendo este garantir os instrumentos individuais necessários para uma coexistência, como a proteção da vida, do corpo, da liberdade, da propriedade, através de instituições estatais adequadas para este fim.
Portando, mesmo que o legislador não tenha feito uma análise da potencialidade de delitos que poderiam ocorrer no âmbito virtual, o discorrido art. 307 do CP, possui eficácia e normativização, para tipificar delitos hoje comuns e evitar com isso dano social oriundo dos atos praticados por usuários com intuito de prática delitiva.
Na Era Digital, a maior forma de poder é a informação, não só recebida, mas espelhada, refletida. (...) Desta feita, o Direito Digital é, necessariamente, pragmático e costumeiro, baseado em estratégia jurídica e dinamismo5.
Trata-se, outrossim de crime formal, com conduta comissiva e dolo específico, consistente na vontade de se passar por quem não é.
Em suma, o simples ato de criar um perfil "fake", de uma pessoa real, viva ou morta, já implica que o "criador" está cometendo o crime de falsa identidade, pois se faz passar por ela.
_________
1 Nery Junior, Nelson, Rosa Maria de Andrade Nery, Código Civil Comentado, 11ª edição ver. atual. e ampl., - São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2014, pág.. 554.
2 Nucci, Guilherme de Souza, Código Penal comentado, 17ª edição ver. atual. e ampl. - Rio de Janeiro, Forense, 2017, pág. 1399.
3 POLAINO-NAVARRETE, Miguel, Lecciones de Derecho Penal Parte General, tomo I, 4ª edición corregida y actualizada, tecnos, ano 2019, pág.77.
4 ROXIN, CLaus, A proteção dos bens jurídicos como função do Direito Penal, editora livraria do advogado, 2ª edição, 3ª tiragem, Brasil, ano 2018, pág. 17.
5 PINHEIRO, Patricia Peck. Direito Digital. 5.ed. 2014.p.74.