O adicional do GILRAT vinculado ao ruído e o e-Social
O REsp 1.828.606/RS também se debruça sobre tema específico da concessão de aposentadoria especial em razão do trabalho em condições especiais, todavia, a análise do caso certamente irradiará efeitos para o âmbito do custeio previdenciário.
segunda-feira, 4 de outubro de 2021
Atualizado às 08:14
A Portaria Conjunta SEPRT/RFB/ME 71, de 29 de junho de 2021, prevê o avanço da implementação e-Social para os contribuintes classificados no 1º Grupo (empresas com faturamento no ano de 2016 acima de R$ 78.000.000,00), estipulando que, a partir do dia 13 de outubro de 2021, será obrigatório o envio das informações constantes dos eventos S-2210, S-2220 e S-2240 do leiaute do eSocial, relativos à Saúde e Segurança do Trabalho, e para as empresas do segundo e terceiro grupo, a sua implementação ocorrerá em 10 de janeiro de 2022.
Na 4ª fase de avanço e implementação do e-Social passa a ser obrigatória a inserção, já no sistema de escrituração digital, das informações referentes a (i) Comunicação de Acidente do Trabalho - CAT (S-2210); (ii) Monitoramento da Saúde do Trabalhador (S-2220), e (iii) Condições Ambientais do Trabalho - Agentes Nocivos (S-2240).
A obrigatoriedade da inserção dessas informações no e-Social tem causado dúvidas e inseguranças aos contribuintes, especialmente àquelas empresas que possuem ambientes em que o trabalhador está exposto a agentes nocivos, sejam eles físicos, químicos ou biológicos.
É muito importante que as informações a serem inseridas no eSocial estejam corretas em ambas as bases, evitando incoerências e, consequentemente, penalidades. Isso porque os eventos S-2220 e S-2240 passarão a contemplar as informações constantes do Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO), do Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA) e do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP).
Em 3 de janeiro de 2022, o Programa de Prevenção dos Riscos Ambientais (PPRA) sai de cena para ser substituído pelo Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) e o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) passa a ser emitido totalmente eletrônico, devendo ser elaborado para todos os segurados empregados, independentemente do ramo de atividade da empresa e da exposição a agentes nocivos.
Exatamente em função disso que as informações a serem lançadas nos eventos de SST até o dia 13 de outubro de 2021 são tão importantes, uma vez que os dados constantes em cada evento não poderão ser incongruentes, o que poderá inclusive gerar um impacto no recolhimento do adicional do RAT. Não haverá mais a possibilidade de se declarar no PPP um segurado empregado com o código 04 (trabalhador sujeito a agente nocivo 25 anos de aposentadoria especial) e não existir o devido recolhimento do adicional do RAT para esse segurado específico.
E esse cenário se torna ainda mais relevante em face do fato de que a Receita Federal exige o recolhimento do adicional do RAT para todos aqueles segurados empregados que trabalharem em ambiente nocivo, contendo o agente ruído, acima de 85 db, nos termos da Norma Regulamentadora 15 do Ministério do Trabalho.
Isso em razão da Receita Federal adotar o entendimento do Supremo Tribunal Federal fixado no julgamento do ARE 664.335 (Tema 555 da Repercussão Geral) para a concessão da aposentadoria especial.
Restou definido naquele julgamento que independentemente do fornecimento de equipamentos de proteção individual e coletiva atenuantes da nocividade do ruído, esses não elidem a sua nocividade, implicando a concessão de aposentadoria especial para todos aqueles segurados empregados que laborem em um ambiente ruidoso nas condições que extrapolem a normalidade prevista na NR 15.
E pela premissa da Receita Federal que para todo benefício concedido deverá existir a sua contrapartida de receita, o órgão fazendário, por sua vez, pretende estender para o âmbito do custeio previdenciário, a decisão com relação ao direito à aposentadoria especial.
Para isso ocorrer já emitiu em 2019 o Ato Declaratório Interpretativo 02/19, no qual exteriorizou o seu entendimento de que a contribuição adicional ao GILRAT é devida pelo empregador em todos os casos em que a concessão da aposentadoria especial não puder ser afastada pela neutralização dos riscos ambientais pelo fornecimento de EPI e EPC, como é o caso do ruído.
Com a proximidade da obrigatoriedade de lançamento no eSocial das informações pertinentes às condições ambientais de trabalho e informação da exposição do empregado aos fatores de risco, cujas informações passarão a constar dos eventos S-2220 (PCMSO e PPRA) e S-2240 (PPP), surge a questão da repercussão do lançamento dessas informações, pois devem estar coerentes em todos os documentos referentes ao ambiente de trabalho, havendo ainda a necessidade de se elaborar um laudo técnico corroborando as informações, para que esses documentos não sejam mais um incremento ocorrer a fiscalização das empresas em relação ao recolhimento da contribuição adicional ao GILRAT dos trabalhadores expostos ao ruído.
Consideramos equivocado o entendimento da Receita Federal, uma vez que a tese firmada pelo STF no Tema 555, cuidou especificamente da análise da matéria sob o viés da parte de concessão de benefícios previdenciários, e tal entendimento não pode ser transportado para a parte de custeio para fins de cobrança de contribuição social sem que tenham sido alteradas as normas que dispõem sobre o tema no âmbito tributário e sem que haja a efetiva comprovação, pelas autoridades fiscais, de que os equipamentos de proteção fornecidos pelos empregadores são ineficazes para a neutralização da nocividade do ambiente de trabalho.
Em relação à cobrança da contribuição adicional ao GILRAT, a legislação previdenciária, especialmente o art. 293, §2º, da IN RFB 971/091, dispõe que a contribuição adicional é afastada quando se comprovar que os equipamentos de proteção individual e coletiva adotados pelo empregador são eficazes para a neutralização dos agentes nocivos previstos no ambiente laboral. O art. 279, §§6º e 7º, da IN INSS 77/152 considera prova incontestável da eliminação dos riscos ambientes o uso de EPI quando cumpridas as exigências previstas na Instrução Normativa.
Inclusive, no voto condutor do acórdão exarado no ARE 664.335, de relatoria do Ministro Luiz Fux, ficou expresso que a solução adotada pelo STF na ocasião não é absoluta, como pretende a fazer crer a RFB. No acórdão foi ressalvado que o entendimento quanto à ineficácia dos EPI's e EPC's para a neutralização da nocividade do ruído pode ser elidida caso se comprove que, em razão da evolução tecnológica, os equipamentos fornecidos pelo empregador são efetivos e eficazes na mitigação ou neutralização do agende nocivo.
A ressalva não permite, como pretende a Receita Federal, que autuações sejam lavradas para cobrança da contribuição adicional ao GILRAT com fundamento exclusivo no entendimento apresentado pelo STF. Até mesmo porque, no âmbito tributário, é ônus da Fiscalização comprovar a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária (art. 142, CTN), o que envolve, no caso da contribuição adicional ao GILRAT, comprovar que os equipamentos de proteção fornecidos pelos empregadores são ineficazes para neutralizar ou mitigar a nocividade do ruído acima dos limites legais no ambiente laboral e para tanto terá que desconsiderar o laudo técnico realizado por um profissional especializado em SST.
Ainda que fosse possível entender de forma diferente, a aplicação do entendimento do Supremo Tribunal Federal quanto à ineficácia do EPI e do EPC para a neutralização do ruído, só poderia ser adotada após a publicação do Ato Declaratório Interpretativo 02/19. Estaria, dessa forma, preservando a confiança e segurança jurídica na relação Fisco-contribuinte. Isso porque foi a partir desse ato normativo que o órgão administrativo fazendário se manifestou acerca de haver necessariamente um custeio que permita a concessão das aposentadorias especiais a serem concedidas nos termos do que foi abordado pelo STF.
E, mais absurdo é a pretensa aplicação desse entendimento aos períodos que antecedem, até mesmo, a publicação do acórdão exarado no ARE 664.335 - ou seja, a períodos de apuração anteriores a fevereiro de 2015. No mínimo, deve-se considerar que a aplicação do entendimento quanto à ineficácia do EPI para a neutralização ou mitigação da nocividade do ruído só é possível em relação ao período que sucede a publicação do acórdão exarado no ARE 664.335.
A proximidade da implementação da obrigatoriedade de informação dos eventos de SST no eSocial e o contexto que envolve a cobrança da contribuição adicional ao GILRAT, especialmente em relação ao agente nocivo ruído, reforça a necessidade de que os contribuintes implementem ou fortaleçam os mecanismos de compliance previdenciário para o cumprimento das normas de saúde e segurança do trabalho.
Deve-se levar em conta que, para a desconstituição de eventuais cobranças tributárias, competirá ao empregador comprovar que os equipamentos de proteção fornecidos são eficazes para neutralizar ou mitigar a nocividade do ruído e de outros agentes nocivos presentes no ambiente de trabalho, o que envolve apresentar documentos que demonstrem que os equipamentos são entregues aos empregados (inclusive mediante recibos de entrega), que são realizados treinamentos periódicos para a orientação dos trabalhadores quanto à forma correta de utilização dos equipamentos e quanto aos riscos decorrentes do seu uso inadequado, dentre outros.
A solidez da documentação comprobatória será fundamental para afastar a responsabilidade dos empregadores nos casos que envolvem a exposição de empregados a agentes nocivos que ensejam a concessão de aposentadoria especial e, mais importante ainda, em relação ao agente nocivo ruído, principalmente depois da implementação desses eventos no eSocial.
Vale ressaltar, por fim, que uma nova fase da discussão se inaugura com a afetação, pelo Superior Tribunal de Justiça, do Recurso Especial 1.828.606/RS à sistemática dos recursos repetitivos (Tema 1090), para que seja analisado, no âmbito infraconstitucional, os parâmetros que devem ser observados para a concessão da aposentadoria especial.
O REsp 1.828.606/RS também se debruça sobre tema específico da concessão de aposentadoria especial em razão do trabalho em condições especiais, todavia, a análise do caso certamente irradiará efeitos para o âmbito do custeio previdenciário, dada a aproximação das questões (concessão da aposentadoria especial e seu custeio pela contribuição adicional ao GILRAT).
A discussão ainda é recente em relação ao âmbito do custeio previdenciário e a sua evolução merece acompanhamento pelos gestores e profissionais do direito.
1 Art. 293. A empresa ou pessoa física ou jurídica equiparada na forma prevista no parágrafo único do art. 15 da lei 8.212, de 1991, fica obrigada ao pagamento da contribuição adicional a que se referem o art. 292 desta Instrução Normativa e o § 2º do art. 1º da lei 10.666, de 2003, incidente sobre o valor da remuneração paga, devida ou creditada a segurado empregado, trabalhador avulso ou cooperado associado à cooperativa de produção, sob condições que justifiquem a concessão de aposentadoria especial, nos termos do § 6º do art. 57 da lei 8.213, de 1991. [...]
§2º Não será devida a contribuição de que trata este artigo quando a adoção de medidas de proteção coletiva ou individual neutralizarem ou reduzirem o grau de exposição do trabalhador a níveis legais de tolerância, de forma que afaste a concessão da aposentadoria especial, conforme previsto nesta Instrução Normativa ou em ato que estabeleça critérios a serem adotados pelo INSS, desde que a empresa comprove o gerenciamento dos riscos e a adoção das medidas de proteção recomendadas, conforme previsto no art. 291.
2 Art. 279. Os procedimentos técnicos de levantamento ambiental, ressalvadas as disposições em contrário, deverão considerar: [...]
§ 6º Somente será considerada a adoção de Equipamento de Proteção Individual - EPI em demonstrações ambientais emitidas a partir de 3 de dezembro de 1998, data da publicação da MP 1.729, de 2 de dezembro de 1998, convertida na lei 9.732, de 11 de dezembro de 1998, e desde que comprovadamente elimine ou neutralize a nocividade e seja respeitado o disposto na NR-06 do MTE, havendo ainda necessidade de que seja assegurada e devidamente registrada pela empresa, no PPP, a observância: [...]
§7º Entende-se como prova incontestável de eliminação dos riscos pelo uso de EPI, citado no Parecer CONJUR/MPS/Nº616/2010, de 23 de dezembro de 2010, o cumprimento do disposto no§ 6º deste artigo.
Alessandro Mendes Cardoso
Sócio do escritório Rolim, Viotti, Goulart, Cardoso Advogados.
Tathiana de Souza Pedrosa Duarte
Coordenadora de Contencioso Tributário do escritório Rolim, Viotti, Goulart, Cardoso Advogados. MBA em Direito Tributário pela FGV.
Anthéia Aquino Melo
Advogada Sênior do Rolim, Viotti, Goulart, Cardoso Advogados e mestranda em Direito Público pela PUC-Minas.