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A pandemia e os avanços da tecnologia no Direito

Hoje fala-se em future law, law techs e outras interseções entre direito e tecnologia. Certamente, deve-se reconhecer a pandemia como um catalisador do desenvolvimento tecnológico no meio jurídico.

sexta-feira, 24 de setembro de 2021

Atualizado às 08:10

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

A pandemia obrigou que tribunais, demais órgãos públicos e escritórios de advocacia ao redor do Brasil adotassem diversas medidas contra a propagação do coronavírus. Após um breve momento inicial de quase total paralisação, o trâmite de boa parte dos processos foi retomado, em que pese mantidas as medidas de distanciamento social. Inaugurada, então, a era do home office.   

Para o meio jurídico em sua perspectiva ampla foi um verdadeiro desafio. Havia certamente algum receio quanto à adaptabilidade dos órgãos públicos e até mesmo dos escritórios de advocacia ao novo regime de trabalho. A autocrítica é, afinal, inevitável. Trata-se de atividade cuja operação, linguagem e comunicação são consideradas arcaicas quando comparadas a outras áreas.  

Apesar de algum desenvolvimento nos últimos anos, havia - e ainda há - heranças dos tempos do "papel" e do processo físico. O empenho com o desenvolvimento tecnológico no período pré-pandêmico ainda era limitado e setorizado. Contudo, o passar do tempo nos mostrou que este trágico panorama sanitário acabou por catalisar notáveis avanços quanto ao uso da tecnologia na prestação jurisdicional.   

Impossível não mencionar o progresso na digitalização dos processos, medida simples, porém, de grande importância. Segundo o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em janeiro deste ano os processos físicos representavam 29% dos poucos mais de sete milhões totais. Já em junho, a porcentagem caiu para 22%. A meta da atual gestão é digitalizar todos os feitos até o final de 2022.   

Outro ponto merecedor de aplausos é a difusão das reuniões por videoconferência, sobretudo com magistrados e membros do Ministério Público. Quando se fala em advocacia nos tribunais superiores, inteiramente sediada no Distrito Federal, a minimização das distâncias e a maior facilidade de contato com os ministros e suas assessorias é verdadeiramente uma vitória a ser comemorada e preservada.   

A desnecessidade de deslocamento para reuniões presenciais implica certamente considerável redução de despesas, o que ganha especial relevância quando se trata de processos em trâmite nos Tribunais Superiores, todos sediados no Distrito Federal, bem como em comarcas distantes do local de atuação do advogado. Neste ponto, existe um avanço no próprio acesso à Justiça, garantia constitucional do cidadão.  

Destacam-se também os julgamentos e as audiências telepresenciais realizadas em diversas plataformas de reunião remota, medida que, apesar de apresentar algumas dificuldades, prestigia a continuidade da prestação jurisdicional e a razoável duração dos processos, considerando as limitações de acesso aos espaços físicos dos tribunais.  

Outro recurso digno de nota é a implementação dos "balcões virtuais", plataformas de atendimento remoto em tempo real junto às serventias, para a solução de pequenas questões. A qual advogado(a) nunca foi negada alguma informação pela via telefônica? O que era praticamente vedado hoje se torna uma opção viável.  

Mas, nem tudo são flores. Há, claro, ressalvas. O déficit de pessoalidade nas relações remotas, as dificuldades no manuseio das plataformas, as instabilidades e o tumulto por vezes gerado pelo elevado número de participantes são obstáculos facilmente identificáveis no dia a dia.  

Em que pese o empenho dos tribunais no aprimoramento dos seus sistemas de processos eletrônicos, ainda se verifica, com alguma frequência, certa precariedade no funcionamento dessas plataformas, por conta de intermitências, lentidão etc.   

É um ponto merecedor de atenção. Problemas, por exemplo, em julgamentos e audiências telepresenciais, atos realizados em tempo real cujo desfecho possui enorme impacto no resultado dos processos, acarreta prejuízo ao próprio exercício do direito de defesa do jurisdicionado.  

Importante mencionar a questionável tentativa do Conselho Nacional de Justiça em autorizar "aos Tribunais de Justiça e aos Tribunais Regionais Federais, a realização de sessões de julgamento com auxílio de videoconferência no âmbito dos Tribunais do Júri" (Juízo constitucionalmente incumbido para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, composto por um(a) juiz(a) presidente e jurados leigos).  

É digna de nota a resistência veementemente manifestada por diversas entidades do direito, destacando-se o Conselho Federal da OAB e o Instituto dos Advogados do Brasil, sob o argumento de que o julgamento nesses moldes representaria incontornável prejuízo à plenitude de defesa, ao sigilo das votações e à própria soberania dos veredictos, garantias fundamentais elencadas na Constituição Federal.  

A medida chegou a ser pautada para julgamento, tendo sido, felizmente, retirada de pauta em 22 de junho de 2020, contando apenas com manifestação do conselheiro idealizador até a presente data.  

Existe, ainda, outro ponto de crítica e reflexão a ser destacado quanto à imposição tecnológica e o acesso à justiça. Levantamento realizado pelo Conselho Federal da OAB em convênio com a Fundação Getúlio Vargas estima que, apenas entre os anos de 2010 e 2019, mais de 660 mil advogados foram aprovados no exame unificado. O Conselho Federal também estimou em abril deste ano o número total de inscritos supera a faixa de um milhão e duzentos mil advogados.  

Sem entrar com profundidade nas circunstâncias histórico-culturais que levam ao elevado número de profissionais do Direito, fato é que a advocacia é plural, diversa e integrada por indivíduos de diversos padrões econômicos e com grande variação etária. É preciso, portanto, cuidado para que o avanço tecnológico não se torne um dificultador do acesso à justiça, dada as exigências de instrumentação de alto custo e capacitações muito específicas.     

Hoje fala-se em future law, law techs e outras interseções entre Direito e tecnologia. Certamente, deve-se reconhecer a pandemia como um catalisador do desenvolvimento tecnológico no meio jurídico. A cautela, contudo, se faz necessária para que o avanço tecnológico não acabe por afastar o advogado e o cidadão da justiça ao invés de aproximá-los, como determina a Constituição Federal.   

João Pedro Drummond

João Pedro Drummond

Sócio do escritório Carlos Eduardo Machado Advogados.

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