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As inconstitucionalidades das normas do novo presídio de segurança máxima do Estado do Ceará

As medidas elencadas na portaria 725/21 da Secretaria de Administração Penitenciária do Ceará instituiu as normas de admissão e funcionamento da nova penitenciária de segurança máxima do Estado, sediada no município de Aquiraz/CE.

sexta-feira, 24 de setembro de 2021

Atualizado às 07:48

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

É notória a crescente resposta da coerção estatal, por partes das autoridades eleitas, na vã tentativa de acabar com o crime no país. A opção, quase sempre escolhida por nossos governantes, nesse tema sensível à população como um todo, tende sempre ao aumento do uso da força e coerção estatal.

Nessa seara de incremento da repressão estatal ao crime, foi inaugurado, na manhã do dia 4 de agosto de 2021, o Presídio de Segurança Máxima de Aquiraz/CE.

Na solenidade de inauguração, o Governador do Estado enalteceu o investimento realizado, da ordem de R$ 33 milhões de reais, sempre lembrando dos mecanismos de segurança empregados na nova penitenciária. Dentre estes, foram destacados, as mais de 200 câmeras de segurança, detectores de metais e aparelhos de raio - x espalhados pelo prédio e o parlatório sem contato entre apenados e advogados.

Na realidade, será apenas mais um espaço destinado a enclausurar pessoas, subtraindo-lhes direitos constitucionalmente assegurados, sob o frágil argumento de se fazer justiça. É o que se infere da portaria 725/2021 da Secretaria de Administração Penitenciária do Ceará que instituiu as normas e procedimentos a serem adotados naquela penitenciária.

Dentre as ilegalidades presentes na referida norma, fazemos questão de citar os seguintes pontos

1. Limitação de atendimento ao advogado do apenado a somente 1 vez por semana;

2. Limitação do atendimento do advogado ao preso pelo período máximo de 30 minutos;

3. Impedimento de recebimento do advogado ainda não constituído pelo preso sem antes a procuração passar pelo crivo da Diretoria da penitenciária;

4. Possibilidade de o Diretor da unidade prisional suspender ou reduzir, a seu critério, as entrevistas de advogados com os apenados;

5. Possibilidade de inclusão na nova penitenciária sem a observância de processo judicial com direito ao exercício do contraditório e ampla defesa;

6. Gravação em áudio e vídeo de todas as visitações recebidas pelos apenados;

7. Monitoramento de todos os meios de comunicação do apenado.

Há ainda, ilegalidades cometidas não previstas nas normas, mas corriqueiras na realidade prisional, tendo estas sido alvo de sendo representação por parte desta articulista ao Núcleo de Investigação Criminal do Ministério Público do Ceará. Vale aqui mencionar as seguintes

1. Presos não possuem apoio psicológico;

2. Presos não tomam banho de sol coletivo;

3. Presos sendo mantidos em celas individuais;

4. Não há disponibilização de livros para leitura, e a bíblia - único livro disponível na penitenciária, é fornecida em versão com letras pequenas o que torna a leitura praticamente impossível;

5. Isolamento prolongado dos detentos, havendo relatos entre estes de ouvirem vozes;

6. Não disponibilização de itens de higiene pessoal pelo estabelecimento prisional;

7. Impedimento de entrada de itens de higiene pessoal através da família dos apenados;

8. Dificuldade do preso em receber visitas íntimas;

9. Dificuldade dos advogados em conseguirem horário para atendimento dos apenados.

Ao observar a portaria 725/21 da Secretaria de Administração Penitenciária do Ceará, podemos concluir que o regulamento que ditará as regras do novo presídio de segurança máxima instalado no estado já começa as suas atividades violando uma série de direitos e garantias fundamentais.

O ponto mais sensível à problemática apresentada é, sem deixar resquícios de dúvidas, a forma que se procede à inclusão do preso nos quadros de detentos da nova penitenciária de segurança máxima de Aquiraz - CE.

Da leitura detida dos procedimentos e processos necessários à inclusão do preso no novo presídio de segurança máxima podemos constatar que, em nenhum momento do regramento, não há o franqueamento ao apenado do exercício dos direitos constitucionais de contraditório e ampla defesa. Oportuno lembrar que o art. 5º, LIV da Carta Magna1 assegura que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. Salutar rememorar que o devido processo legal atrai, necessariamente a observância do contraditório e ampla defesa.

Um outro ponto sensível da portaria que delimitou os procedimentos de funcionamento do presídio de segurança máxima de Aquiraz - CE é a que diz respeito à limitação ao tempo destinado à visitação dos presos.

Conforme o regimento legal da penitenciária, o preso somente poderá receber visitas de familiares direitos (de primeiro grau), na quantidade máxima de 2 (dois) e em dias pré-determinados.

Não bastasse a extrema limitação do rol de pessoas as quais o preso poderá receber visita, ainda assim, deverá ser em dias discricionariamente fixados pela administração penitenciária.

O regime penitenciário do novo presídio cearense parece ter buscado inspirações no Regime Disciplinar Diferenciado, previsto nos arts. 51 e seguintes da Lei de Execuções Penais (lei 7.210/84).

Salta aos olhos a discrepância existente entre a LEI e a portaria 725/21 da Secretaria de Administração Penitenciária do Estado do Ceará. Percebemos que o RDD somente pode ser aplicado nos casos de prática de crimes doloso que subverta a ordem e disciplina interna dos presídios. Mesmo nesses casos, o apenado em RDD tem direito à visitação semanal de duas pessoas, sem contar as crianças, com duração de até duas horas.

É flagrante a inconstitucionalidade da norma em questão ante até mesmo a situação em que o preso pode ser direcionado ao presídio de Aquiraz - CE, mesmo sem ter cometido nenhuma falta grave anterior.

O último ponto a se analisar neste artigo, mas que não esgota em definitivo as inconstitucionalidades existentes na norma em discussão, diz respeito à possibilidade prevista na portaria de o diretor da penitenciária em questão, arbitrariamente, limitar a atuação do advogado no interior do estabelecimento prisional.

Conforme previsão Constitucional, em seu art. 1332, o advogado é indispensável à administração da justiça. Sendo parte indissociável da atuação jurisdicional, o advogado é parte inerente à execução penal à medida em que é ele quem fala em nome do apenado nos autos. Por essa linha de raciocínio é forçoso concluir que, limitar a realização de visitas entre advogado e o preso é, em certo grau, buscar silenciar este, afinal, se não for o seu patrono a reclamar seus direitos em juízo, quem o fará?

Não há, nesta hipótese, que se fazer maiores digressões quanto ao exímio tempo de visita ofertado ao preso com o seu patrono.

Os trinta minutos semanais destinados à visitação técnica do apenado não são, nem de longe, razoáveis à que poderia se considerar normal. Comparando com a situação levantada no tópico anterior, a limitação de acesso do preso ao patrono de sua defesa técnica por meros trinta minutos não acontece nem mesmo no regime disciplinar diferenciado, que seria, em última análise, a situação mais gravosa a ser aplicada àquele recolhido ao cárcere. Percebe-se, portanto, que a portaria em comento inova nas atribulações impostas aos réus, majorando transversalmente as penas a estes judicialmente impostas, sem que haja qualquer tipo de previsão legal (em strictu sensu) para isso.

Questão interessante levantada na fatídica portaria analisada é a possibilidade de o diretor da penitenciária poder suspender ou reduzir as já diminutas entrevistas com advogados, cancelando ou suspendendo o acesso deste às dependências da penitenciária. A portaria 725/21 peca novamente naquele primeiro ponto já analisado na inclusão do preso neste novo presídio: não há, na legislação, a regulamentação de um procedimento prévio, com efetivo exercício do contraditório e ampla defesa. Da forma como está posta, o diretor pode, a seu bel prazer, limitar, quando e como quiser, o acesso do preso à própria defesa técnica. Isto é, em última análise, o cerceamento de defesa em seu mais alto e pior grau.

Seja sob o manto da nossa Carta Magna, seja sob a tutela de tratados e convenções de direitos humanos das quais o Brasil é signatário, é evidente que não há como a malograda portaria ter vigência em nosso país.

Sem entrar no mérito da inconstitucionalidade formal da fatídica norma, que é patente, uma vez que tem origem em de diploma legal diferente de lei e com origem na Secretaria Estadual de Administração Penitenciária de um Estado da federação, a inconstitucionalidade material é maior e mais gritante. A norma guerreada apresenta uma série de determinações que colidem diretamente com direitos e garantias fundamentais garantidos em nossa nação.

Os direitos e garantias fundamentais outorgados por nossa Constituição a todos aqueles que estiverem em território nacional, inclusive estrangeiros, constituem, muito mais que um grande avanço legal, um preceito de ordem moral ao homem. Tratar nossos semelhantes com a barbárie e desprezo como faz a fatídica norma é situação somente vista nos momentos mais tenebrosos da história humana.

Por fim, é possível concluir que a portaria 725/21 possui uma série de vícios insanáveis, sendo o mais recomendado a revogação com a máxima urgência dela. Sabemos que o cumprimento da pena tem uma função reparadora, que deve incutir no apenado, e servir de exemplo para a população em geral, a associação entre a prática delituosa e o recolhimento ao cárcere.

No entanto, esse aspecto da pena não pode sobrelevar-se sobre direitos e garantias fundamentais. Se assim o fosse permitido, o que nos distinguiria dos povos bárbaros de outrora?

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1 Constituição Federal.

2 Constituição Federal.

Paloma Gurgel de Oliveira Cerqueira Bandeira

Paloma Gurgel de Oliveira Cerqueira Bandeira

Advogada criminalista. Atuante na defesa de custodiados em presídios federais. Doutora pela Universidade Nacional de Mar Del Plata. Pós-doutora pelas Universidades de Salamanca (Espanha) e Messina (Itália).

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