Comentários gerais sobre a sub-rogação e o ressarcimento em regresso
Relativizar a sub-rogação e prejudicar o ressarcimento é a mesma coisa que referendar a conduta do lesador e jogar por terra todos os princípios gerais de Direito e os que dispõem sobre responsabilidade civil.
terça-feira, 21 de setembro de 2021
Atualizado às 08:18
I
INTRODUÇÃO: DEFESA DA SUB-ROGAÇÃO
Tenho especial apreço por um tema: a sub-rogação do segurador. Considero-o muito importante, acadêmica e profissionalmente.
Tema que enlaça o Direito de Seguros, o Direito Civil e o Direito Processual Civil. Pode-se colocar no enlaçamento ainda o Direito de Transportes, já que a maior parte de litígios com transportadores de cargas é protagonizada por seguradores sub-rogados.
Em que pese a importância do assunto, noto pouco tratamento doutrinário. A consequência disso é a formação de zonas de penumbra que avançam sobre a jurisprudência.
Muitas figuras legais próprias do negócio de seguro não são efetivamente conhecidas pela Justiça, e isso afeta negativamente os julgamentos.
Faz-se necessário, senão urgente, escancarar as portas do Direito de Seguros. Escancarando-as, este se tornará mais bem conhecido e, consequentemente, aplicado. Aplicando-se melhor o Direito de Seguros, também se aplicam melhor os temas dos ramos que a ele se conectam, direta ou indiretamente.
Daí meu sincero interesse em falar cada vez mais da sub-rogação.
Por meio dela que o direito de regresso é exercido e o causador do dano obrigado à devida reparação.
O ressarcimento em regresso, fruto imediato da sub-rogação, permite que o autor do ato ilícito seja efetivamente punido, o que é bom a toda a sociedade.
Permite ainda a restituição ao mútuo do valor indenizado ao segurado, garantindo-se a saúde do contrato de seguro.
O reembolso do prejuízo indenizado não é algo bom somente ao segurador sub-rogado, mas também ao colégio de segurados.
Vê-se facilmente o impacto da sub-rogação e do ressarcimento no tecido social e os motivos pelos quais há de ser defendido e preservado.
Por isso é que desde logo se afirma que a interpretação do Direito há de ser sempre favorável à sub-rogação, jamais em seu detrimento.
Pela sub-rogação, bônus são transferidos, nunca ônus.
O segurador adquire os direitos e ações do segurado, porém não seus eventuais deveres em relação a terceiros.
Vai-se mais além: o segurador sub-rogado não se submete a qualquer norma, contratual ou convencional, prejudicial à ampla busca do ressarcimento em regresso.
E assim é que deve mesmo ser, já que o contrato de seguro é fundamentalmente social.
A força da sub-rogação e a amplitude do direito de regresso são tamanhos que nem mesmo decisão de repercussão geral pode de algum modo os mitigar.
Refiro-me, aqui, ao caso do Tema 210 do Supremo Tribunal Federal.
Ao decidir litígio envolvendo passageiro com bagagem extraviada e empresa de transporte aéreo, o Supremo Tribunal Federal afastou a incidência do Código de Proteção e Defesa do Consumidor e entendeu que, sendo aplicável a Convenção de Montreal, a limitação tarifada nela prevista eventualmente também poderia ser aplicada. Diante da importância do caso, deu-lhe o signo de repercussão geral.
Ocorre que o caso-paradigma trata de situação bem específica: transporte de passageiro com bagagem extraviada. Nada tem a ver com outros litígios de Direito de Transportes, como os de seguradores sub-rogados contra empresas aéreas.
Nos transportes aéreos são comuns danos nas cargas (faltas ou avarias). Os segurados dos donos das cargas os indenizam e se sub-rogam nos seus direitos e ações. Demandam o ressarcimento em regresso contra os transportadores.
Sendo os transportes internacionais, a norma aplicável seria a Convenção de Montreal. Todavia, a limitação de responsabilidade nem sempre é cabível. Existem muitas situações que inibem sua incidência e garantem o ressarcimento integral.
Por isso o Tema 210 não é aplicável imediatamente, sendo de se reconhecer o Distinguishing.
Sem a plena simetria entre o caso-paradigma e aquele em julgamento é incabível a aplicação da decisão de repercussão geral.
Exatamente a situação dos litígios de ressarcimento em regresso entre seguradores sub-rogados e transportadores aéreos internacionais.
O direito de regresso do segurador deriva da lei, da qual decorre também a sua sub-rogação, e não do inadimplemento do contrato internacional de transporte aéreo de carga. Daí não lhe serem oponíveis normas que esvaziem a integralidade do ressarcimento buscado.
Nesse sentido, não são poucas as decisões monocráticas e colegiadas do Supremo Tribunal Federal.
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Paulo Henrique Cremoneze
Advogado com atuação em Direito do Seguro e Direito dos Transportes. Sócio do escritório Machado, Cremoneze, Lima e Gotas - Advogados Associados. Mestre em Direito Internacional Privado. Especialista em Direito do Seguro.