Alternativas de reforma tributária
Nenhum sistema tributário pode conviver com a edição desordenada desses instrumentos normativos de menor hierarquia. Somente um jejuno em Direito Tributário não sabe disso.
sexta-feira, 17 de setembro de 2021
Atualizado às 09:33
1 Introdução
Não é possível elaborar uma proposta de reforma tributária estrutural sem conhecer a realidade brasileira, o sistema tributário nacional vigente e a jurisprudência dos tribunais superiores, para manter as virtudes do sistema vigente e eliminar os pontos de conflitos e divergências.
Nenhuma das propostas em discussão, como veremos mais adiantes, fez esse exame, centrando as propostas de reforma em torno da unificação de tributos incidentes sobre o consumo, mas, provocando desarranjos no federalismo fiscal misturando nessa fusão tributos privativos da União, dos Estados e dos Municípios.
Tais propostas, importadas dos países europeus, todos eles unitários na forma de Estado e de pequena dimensão territorial não se adaptam ao Brasil de dimensão continental que ocupa a 5ª posição mundial em termos de extensão territorial, caracterizado por imensos desníveis socioeconômicos entre as diversas regiões de país, a exigir, de um lado, o regime de tributação privativa - arts. 153, 155 e 156 da CF - e de outro lado, o regime de participação no produto de arrecadação de tributos alheios - arts. 157, 158 e 159 da CF. Além disso, as enormes diferenças socioeconômicas entre as diversas regiões do País, que abriga a 6ª maior população mundial com 211.193 milhões de habitantes, só perdendo para a China, Índia, Estados Unidos, Indonésia e Paquistão, obrigam a manutenção de incentivos fiscais para a redução dessas desigualdades (art. 151, I da CF)..
Esse fato dificulta a homogeneização da população brasileira, o que não acontece nos países da Europa, onde a população é nivelada pela média. A unidade nacional, bem como a integração nacional são objetivos permanentes do Estado Federal Brasileiro que devem ser perseguidos pelo governo, qualquer que seja o governante no exercício do poder.
Por isso, todas as tentativas de reforma tributária apresentadas ao longo das três décadas fracassaram, resultando todas elas em minirreformas para simplesmente aumentar a carga tributária.
A bandeira da simplificação do Sistema, invariavelmente, empunhada pelos reformistas e que constam das exposições de motivos de qualquer proposta de reforma, muito ao contrário, só tornaram mais complexa o sistema tributário projetado.
Isso aconteceu, também, no nível da legislação infraconstitucional. O PL 3.887/20, que unifica a legislação do PIS/Cofins, que têm o idêntico fato gerador, ao invés de limitar-se a 6 ou 7 artigos no máximo, contém 131 artigos sem conseguir sequer definir objetivamente o fato gerador da nova contribuição social unificada. O PL 2.337/21, por sua vez, que altera a legislação do Imposto de Renda para abolir a dedução dos Juros sobre o Capital Próprio (JCP) e instituir a tributação sobre a distribuição de lucros e dividendos, seguida de pequena alteração de alíquota do IRPJ, bem como, da correção da faixa de isenção do IRPF, contém nada menos que 67 artigos, criando-se um verdadeiro inferno fiscal que nem Dante Alighieri conseguiu imaginar.
Em nome da simplicidade e da racionalização criou-se um caos e a confusão, decuplicando a carga burocrática, para interromper a incômoda calmaria na área da tributação do imposto de renda reinante desde a reforma de 1995 (lei 9.250, de 26-12-1995).
Na realidade, a sempre alegada complexidade de nosso sistema tributário reside na legislação infraconstitucional. É preciso conter o poder normativo dos órgãos administrativos fiscais, notadamente, o da Secretaria da Receita Federal do Brasil e o do Comitê Gestor do Simples Nacional que despejam diariamente, e em escala industrial, instruções normativas, pareceres normativos, portarias, comunicados, atos declaratórios interpretativos etc. referidos no art. 100 do CTN.
Nenhum sistema tributário pode conviver com a edição desordenada desses instrumentos normativos de menor hierarquia. Somente um jejuno em Direito Tributário não sabe disso!
A complexidade não reside na quantidade de tributos, como supõem os autores da atabalhoada reforma tributária, que não sabem que o Sistema Tributário Nacional encerra um micro sistema jurídico-constitucional inserido dentro do sistema Constitucional global.
Basta um único tributo do tipo PIS/Cofins não acumulativa para deixar em polvorosa os contribuintes, que não sabem, e nem tem como descobrir o que pode ser deduzido a título de insumos, um conceito indeterminado, normalmente, confundido com aquele conceito para fins de IPI. Na legislação de IPI, insumo é tudo que se incorpora no novo produto, ou tudo aquilo que é consumido no processo de industrialização. Para efeito de PIS/Cofins, que incidem sobre operações de vendas de mercadorias, e não sobre a industrialização, o conceito deve ser muito mais amplo. Assim, as embalagens de produtos vendidos devem ser consideradas insumos. Na questão das embalagens industrializadas por encomenda, o STF decidiu, por unanimidade de votos, que essas embalagens configuram insumos indispensáveis à comercialização de mercadorias (ADI-DF 4389, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe de 25-5-2011).
No plano constitucional, para tornar simples o sistema tributário vigente e diminuir drasticamente as acirradas discussões administrativas e judiciais, que crescem como bolas de neve, bastam apenas pequeninos ajustes nos textos constitucionais vigentes, como as preconizadas no item seguinte.
2 Emendas pontuais ao texto da Constituição para aperfeiçoar o sistema tributário nacional
Ao longo de 56 anos de exercício profissional ininterrupto, sendo 20 anos na advocacia pública, pudemos diagnosticar as causas dos litígios tributários que não param de crescer dia a dia, inviabilizando a prestação jurisdicional. Proferir decisões definitivas, depois de passadas décadas, não é fazer justiça. Na maioria dos casos, o autor da ação não tem como usufruir, em vida, o resultado material da demanda vitoriosa, por conta da interminável fila dos precatórios judiciais, fazendo com a que a Justiça claudique em sua fase mais importante, que é a de conferir efetividade à decisão proferida e transitada em julgado.
Por incrível que pareça a grande maioria dos magistrados não tem a percepção desse fato tão elementar, tanto é que demonstra aborrecimento quando um advogado reclama da morosidade em proferir despacho autorizando o levantamento da importância depositada pelo réu há meses, sob o incompreensível argumento de que tem coisas mais importantes a fazer. E assim vão se acumulando decisões despidas de efetividade que somente servem para constar do relatório da produtividade do magistrado.
Para redução do nível de demandas judiciais propomos as seguintes emendas pontuais que podem ser feitas de forma muito simples:
a) Proibição de editar medidas provisórias em matéria tributária para conferir estabilidade à legislação tributária. Solução: acrescer letra e ao § 1º, do art. 62 da CF;
b) Obrigatoriedade de definição de fato gerador da contribuição social em nível de lei complementar, para prevenir a convolação da taxa declarada inconstitucional em contribuição social, ou para impedir de vestir a roupagem de contribuição social a um imposto inominado, burlando a rígida discriminação constitucional de impostos. Solução: acrescentar letra e ao inciso III, do art. 146 da CF;
c) Proibir a substituição tributária para frente que, além de violar a teoria geral do fato gerador da obrigação tributária, se constitui em fonte permanente de litígios. Colocar a carroça diante dos bois não irá ajudar a chegar antes, mas irá gerar tumultos. Solução: Substituir a redação do § 7º, do art. 150 da CF para vedar a tributação antecipada com base em fato gerador presumido;
d) Vedar a tributação por dentro, isto é, a inclusão do valor do tributo na sua base de cálculo, bem como na base de cálculo de outros tributos, que conspira contra o princípio da transparência tributária (§ 5º, do art. 150 da CF) e tem gerado demandas em cascata, com decisões conflitantes, e sem previsão de sua cessação. Solução: acrescentar o § 8º ao art. 150 da CF proibindo essa inclusão.
e) Vedar a tributação não cumulativa, fonte permanente de litígios tributários. Tributo bom é tributo barato e simples. Solução: acrescentar o § 9º ao art. 150 da CF proibindo a adoção dessa modalidade de tributação obscura e complexa.
f) Proibir a faculdade de elevar a alíquota do IOF sem expressa motivação que justifique a necessidade de exercitar o poder regulatório, para impedir que um imposto regulatório seja utilizado com finalidade arrecadatória. Solução: simples aditamento ao disposto no § 1º do art. 153 da CF.
g) Limitar o valor da taxa ao provável custo da atuação estatal, a fim de afastar imposto inominado disfarçado em taxa. Solução: Alterar a redação do § 2º do art. 145 da CF para inserir a limitação proposta.
Nada mais é preciso fazer. Dirão que isso é muito simples e muito lógico. É verdade, mas a lógica e a simplicidade não podem ser tidas como defeitos do sistema tributário vigente, mas, sim, como virtudes.
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