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Colaboração premiada e a ordem da apresentação de alegações finais sob a ótica de regras de ética e integridade para um processo penal democrático

Sérgio Barboza Menezes

As regras de integridade e ética visam implantar as ferramentas necessárias voltadas para a prevenção e a detecção de posturas no ethics na aplicação do processo penal democrático.

terça-feira, 14 de setembro de 2021

Atualizado às 09:25

(Imagem: Arte Migalhas)

1 INTRODUÇÃO

O Brasil, nas últimas quatro décadas, tem vivenciado uma transformação profunda em todas as camadas sociais. A liberdade, no seu espectro possível, advinda com a redemocratização do país (abertura política), vem dando ao povo brasileiro um vasto poder de cobrar postura democrática de todos, em especial, daqueles que detêm as rédeas da gestão pública.

 Essa nova postura democrática desencadeou no país, alicerçada numa imprensa livre e de suma importância para informar os novos ares democráticos, mobilizações em prol de se ter de volta a democracia em sua plenitude, que se materializou no tempo a partir do movimento histórico conhecido por Diretas Já.

No Sistema de Justiça não poderia ser diferente. Ele sofreu, também, os impactos da redemocratização os quais tem relação direta com a nova ordem constitucional estabelecida com a promulgação, em 1988, da atual constituição, denominada Cidadã. Essa supremacia reerguida nos novos ares de liberdade reformulou todo o sistema jurídico, com leis infraconstitucionais recepcionadas a partir de uma nova releitura dos textos legais (hermenêutica), além de outras nascidas pós 1988, que dão suporte aos poderes constituídos e ao Sistema de Justiça na entrega da prestação jurisdicional. Tudo sob o novel arcabouço jurídico.

Nesse diapasão, ao mergulhar-se no Processo Penal pátrio, pode constatar-se que houve evoluções das regras processuais com fito de alcançar um processo penal democrático, mas que ainda resiste, infelizmente, na sua aplicação ao caso concreto.

O tema a ser discutido neste artigo é a Colaboração Premiada - no momento em que o corréu delatado tem que apresentar as suas alegações finais (julgado paradigma) - instituto trazido pela lei 12.850/2013 - que define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal; altera o Decreto-lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); revoga a lei 9.034, de 3 de maio de 1995; e dá outras providências.

O tema será analisado, também, no bojo do julgado realizado no Supremo Tribunal Federal (STF) que decidiu Habeas Corpus impetrado pela defesa do corréu que fora delatado por outro corréu, em colaboração premiada, enviesada pelo Ministério Público Federal (MPF). O caso citado, que sofreu o escrutínio do STF, será revisitado, em detalhes, em tópico específico.

Ao final, este trabalho analisará a questão posta no Habeas Corpus (HC), apresentando como solução a aplicação de regras de ética e integridade no ambiente de Justiça Criminal, em especial, na implementação de um processo penal democrático. Nas quadras seguintes, far-seá uma abordagem para definir cada instituto que compõe o tema em questão.

2 HABEAS CORPUS 

"Embora o CPP inclua o Habeas Corpus entre recursos, predomina o entendimento de que se trata de ação constitucional, que tem por objeto a proteção do direito de liberdade de locomoção" (BADARÓ, 2018, p.529). Noronha (1992, p. 404) referenciado por Badaró (2018, p.529) por sua vez, mitiga o entendimento de ser o Habeas Corpus ação constitucional, adornando-o num caráter misto de ação e recurso.

O HC 166373/PR é razão de estudo deste artigo. O julgado paradigma, da relatoria do ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin, foi julgado nos dias vinte e cinco e vinte e seis de setembro de dois mil e nove e teve o condão de ajuizar impetração contra a decisão de juízo a quo do Paraná que determinou, em alegações finais, prazo comum a todos os envolvidos no processo, não fazendo distinção alguma entre corréus colaboradores e delatados.

O julgado noticia que o impetrante do Habeas Corpus fora denunciado no juízo criminal de primeiro grau, incurso nas penas dos crimes de organização criminosa, corrupção passiva e lavagem de dinheiro, quando exercia a função de gerente da estatal Petrobrás, em conluio com outros envolvidos. Discorre que o impetrante, teria ainda, favorecido alguns fornecedores por meio de contratos firmados com a própria estatal de petróleo e, em contrapartida, teria recebido vultosa soma de dinheiro (vantagem indevida), valendo-se da prática de lavagem, com o fim de reintegrar tais valores, o chamado branqueamento de capitais.

O julgamento do Habeas Corpus está assim ementado, conforme noticiado no sítio do Supremo Tribunal Federal em 02 de outubro de 2019: "STF decide que delatados têm direito a apresentar alegações finais depois de delatores".

Com este julgado, firma-se a seguinte situação problema: o juízo de primeiro grau agiu corretamente no HC 166373/PR ao conceder prazo comum a todos os envolvidos, sem distinguir entre corréus colaboradores e corréus delatados, sob a ótica de regras de ética e integridade? Antes de abordar-se a temática central deste artigo, é importante conceituar os institutos que compõem o Habeas em análise.

3 COLABORAÇÃO PREMIADA

O instituto da colaboração premiada está insculpido no art. 3°, da lei 12850/13. O art. 7°, do mesmo diploma legal, define procedimento, forma e a figura do colaborador. A popularmente conhecida "delação premiada" tem a sua gênese identificada nas Ordenações

Filipinas de 1603, como referência a autora Maíra Beauchamp Salomi apud Bottini (2017, p. 151), em artigo publicado no livro Colaboração Premiada. Este vigeu, internamente, até o código criminal de 1830, segundo afirma a mesma autora no citado artigo.

Depois de pálido aparecimento no início do século XVII, nas Ordenações Filipinas, a colaboração premiada retorna disfarçada em lei esparsa de combate aos crimes contra o sistema financeiro, no início da década de 90. 

Veja-se que, apesar de não ser um instituto novo, não conseguiu, no tempo, ter uma identidade reconhecida, na medida em que o parágrafo 2°, do artigo 25, da lei 7492/86, sequer menciona o nome colaboração premiada, referindo-se, tão-somente, ao relato dos coautores ou partícipes como sendo uma confissão espontânea, cuja consequência legal prevista é a redução da sanção imposta ao delito no preceito secundário. Ou seja, a redução da pena de um a dois terços. 

Cabe registrar, por oportuno, que foi com o advento da lei 12.850/13 - de combate à organização criminosa - aproveitando-se os ares que sopravam no Brasil, por ética e integridade, que se pode, então, conceber, no bojo da operação Lava Jato (marco de mudança efetiva), o amadurecimento desse instrumento de obtenção de prova (definição em lei) - a colaboração premiada - e, no meio empresarial, o acordo de leniência.

Conceituar colaboração premiada é fundamental para situá-la no julgado que serve de parâmetro para a formulação deste artigo. A discussão recorrente na doutrina é definir qual a sua natureza jurídica. Há corrente que se inclina para enquadrar o instituto como sendo meio de obtenção de provas, firmando-se no que foi estabelecido na lei regente e, em sentido contrário, existem doutrinadores que se amoldam a tipificar como sendo meio de provas. Gustavo Badaró (2018, p.529) por seu turno, articula uma terceira via para firmar que a colaboração premiada inaugura um novo modelo de Justiça Penal. 

No curso da persecução penal podem aparecer diversos caminhos a serem seguidos pelos órgãos de investigação. Na fase pré-processual, pode acontecer de a investigação depararse com a proposta de delação premiada. A proposta pode partir de um investigado ou até mesmo das autoridades que integram a condução da investigação/acusação. Neste âmbito, há controvérsia doutrinária.

Sem entrar no debate corrente sobre a quem compete a elaboração dos termos do acordo de colaboração, certo é que ao final deve firmar-se o negócio jurídico respectivo. Por não existir em lei qualquer exclusividade aos órgãos de atuação na fase-pré-processual de firmar acordo de colaboração premiada entre a Polícia Judiciária e o Ministério Público, estas podem atuar, cada qual no seu tempo e com as suas nuances de atribuição. Ou seja, trata-se de ato complexo com etapa de convalidação posterior pelo Ministério Público, no caso em que o órgão de Polícia Judiciária propor alguma cláusula integrante do respectivo acordo, que transborda a seara de suas atribuições. Ao final, o órgão ministerial deverá apresentá-lo ao juízo competente, que poderá receber a jurisdição homologatória, desde que presentes os requisitos constantes da lei 13.964.

Badaró (2018) conceitua colaboração premiada como uma terceira via no cenário do direito processual penal traduzindo-se "um velho-novo modelo de Justiça Penal, revelando-se um retrocesso civilizatório" (BADARÓ, 2018). Esses defeitos apontados pelo referido autor podem e devem ser contidos a partir de instrumentos de limitação de poder que redundará em coibir abusos no ato de formulação da colaboração. 

Com efeito, no final de 2019, foi sancionada a lei 13964/2019, popularmente chamada de pacote anticrime, que aperfeiçoou o instituto da colaboração premiada para conter em parte e, em tese, os abusos praticados até então. A recém-criada lei 13.869/2019, conhecida como lei de Abuso de Autoridade, também veio somar-se ao pacote anticrime, definindo os novos crimes de atuação desconforme com a lei das autoridades integrantes do sistema de justiça ou não.

4 ALEGAÇÕES FINAIS

Alegação final é ato processual estatuído nos processos penal e civil que tem por finalidade que as partes apresentem de forma oral ou por escrito seus apontamentos finais. Estes podem ser em sede preliminar, envolvendo algum defeito processual, além de realçar, ao final do ato, aspectos importantes para a solução de mérito. Versa o artigo 403 do Código do Processo Penal:

Não havendo requerimento de diligências, ou sendo indeferido, serão oferecidas alegações finais orais por 20 (vinte) minutos, respectivamente, pela acusação e pela defesa, prorrogáveis por mais 10 (dez), proferindo o juiz, a seguir, sentença. (Redação dada pela lei 11.719, de 2008). (BRASIL, 2019)

Já o ato de alegações finais no Processo Civil está estatuído no artigo 364: 

Finda a instrução, o juiz dará a palavra ao advogado do autor e do réu, bem como ao membro do Ministério Público, se for o caso de sua intervenção, sucessivamente, pelo prazo de 20 (vinte) minutos para cada um, prorrogável por 10 (dez) minutos, a critério do juiz. (BRASIL, 2019)

Em ambos os casos de alegações finais, tanto no processo civil quanto no penal, prevalece a regra de que o ato deve seguir a forma oral, com debates das partes e com o tempo de duração estabelecido nos respectivos códigos.

A intercorrência processual penal que redundou no Habeas 166373/PR, eixo central deste artigo, foi que o juízo a quo (de primeiro grau) do Paraná determinou, em alegações finais, prazo comum a todos os envolvidos no processo, não fazendo distinção entre corréus colaboradores e delatados.

Neste caso em tese, a defesa do corréu delatado manejou argumento defensivo no sentido de afirmar que o corréu apontado pelo delator, em acordo de colaboração processual, deveria em razão da carga acusatória do corréu delator, falar por último em alegações finais. 

O argumento da defesa alega em vista que, o juízo de primeiro grau, natural, não observou a ordem de apresentação das arguições finais, impondo prejuízo à defesa técnica do corréu delatado ao negar prerrogativa constitucional de falar por último.

Ao reconhecer o direito subjetivo constitucional do réu delatado de apresentar os argumentos defensivos após a acusação, seja qual for o status que detém ela (acusação/delator) no processo, o STF reafirma o corolário de garantir ao réu delatado, por outro corréu delator em acordo de colaboração premiada, a primazia de rebater por último a carga acusatória advinda da colaboração, em qualquer momento do processo, mesmo que em alegações finais. 

Essa postura adotada pelo STF no caso concreto enfrentado no HC em testilha vem assegurar a primazia constitucional a um processo penal democrático. O perfil democrático (decisão) do processo penal estabelecido nesse julgamento teve o artigo 5o da Constituição da República (CR) como sua base principiológica.

Se o Sistema de Justiça Criminal estivesse de acordo com os princípios constitucionais e, se fossem estes, os verdadeiros marcos de conduta e integridade na aplicação de Justiça, em que todos os atores envolvidos pudessem submeter-se ao compromisso de atuar sob as regras de integridade e ética fulcradas no artigo 5o da CR, estaria assegurada a primazia do processo penal democrático. Com efeito, o juízo de primeiro grau, julgador inicial da causa, teria se portado de acordo com os princípios constitucionais lastreados no referido artigo, por ser regra de aplicação fundamental e essencial para a concretização do processo penal democrático. 

E como se daria a aplicação desta prática? Seria possível e viável tal enquadramento? Para responder tais questionamentos veremos a seguir se a base principiológica constitucional e as regras infralegais poderiam todas ser estabelecidas como Regras de Ética e Integridade.

5 REGRAS DE ÉTICA E INTEGRIDADE PARA UM PROCESSO PENAL DEMOCRÁTICO

Nesta quadra serão definidas as balizes conceituais possíveis de regras com vista a delinear-se as costuras necessárias de ética e integridade para implementar um processo penal democrático, definindo-se o respectivo código de conduta-referência de postura democrática. 

No caso específico do processo penal, em razão de que as normas estão postas na constituição, nas leis (códigos), nos regimentos internos de tribunais e nas jurisprudências, os pilares que são adotados para os entes privados e públicos nas suas relações não podem ser aplicados ao sistema de justiça sem que sofram os ajustes necessários dentro, obviamente, de parâmetros legais estabelecidos.

Assim, respondendo as indagações anteriormente lançadas, no sentido de saber se as regras de ética e de integridade podem ser aplicadas ao processo penal, sem que se fulmine a liberdade de atuação de todas as partes envolvidas na inquisa, a resposta é afirmativa.

É possível desde as aplicações das regras de ética e de integridade vigorem de forma facultativa e dentro de proposições inauguradas no ambiente interno de cada ente envolvido no processo (Justiça, Ministério Público, Defensoria Pública, OAB, Polícia Judiciária), adotandose, para tanto, o seu respectivo código de conduta de regência.

Nesta esteira, os pilares para um processo penal democrático, com os necessários ajustes, tendo como ponto de partida aqueles adotados nos ambientes empresariais e da administração pública, devem possuir as seguintes bases: princípios constitucionais e súmulas vinculantes; políticas, procedimentos e código de conduta; treinamento e capacitação; e monitoramento e auditoria.

5.1 Princípios Constitucionais e Súmulas Vinculantes

Segundo Nucci (2018) "princípio, etimologicamente, significa causa primária, momento em que algo tem origem, elemento predominante na constituição de um corpo orgânico, preceito, regra, fonte de uma ação". Segundo José Afonso (1992 apud NUCCI, 2018, p.3) em direito, princípio jurídico que dizer uma ordenação que se irradia e imanta os sistemas de normas. 

Assim, os princípios constitucionais têm inquestionáveis cargas cogentes que não devem ser negligenciadas na execução do direito positivo. Neste compasso, para a consecução do processo penal democrático, é fundamental que os princípios constitucionais devam ser perseguidos como alvos de boa prática processual pelos atores envolvidos, bem como o Estadojuiz que deve promover o equilíbrio de paridade de armas com o fito de haver, ao final da querela, decisão justa e democrática.

Outra importante base para um processo penal democrático é a observância das súmulas vinculantes em vigor, que é caminho processual e do direito positivado sinalizados pelos tribunais superiores. A súmula vinculante que "é uma norma que define como determinada situação que deve ser decidida em um processo" 1. Em razão dessa essência vinculante, cujo efeito é de repercussão geral, as súmulas vinculantes possuem aderência importante para a formulação de um processo penal democrático.

5.2 Políticas, Procedimentos e Código de Conduta.

Não basta simplesmente ser instituído um sistema de gestão de princípios e súmulas com o fito de estabelecer-se processo penal democrático, baseado, tão-somente, na identificação dos preceitos constitucionais relacionados em calçar o direito positivo no exercício jurisdicional de boas práticas de governança. É fundamental haver a propositura institucional de políticas específicas dos entes envolvidos, com adoção de procedimentos e códigos de conduta próprios.

5.3 Treinamento e Capacitação  

O treinamento/capacitação é fundamental para ministrar aos ministros, conselheiros, desembargadores, juízes, promotores, advogados, defensores, delegados e demais colaboradores as normas basilares essenciais para sedimentação da ética corporativa, bem como suas funções, enlaces e obrigações sociais e, no caso vertente, a adoção de postura ética no curso da percussão penal com o objetivo de concretizar a Justiça dentro dos contornos democráticos estabelecidos pela Carta Magna do país. 

A comunicação, por sua vez, é a ferramenta necessária para criar um canal periódico de informações relativas às regras de integridade e ética. É uma das principais aliadas para a eficácia do Sistema de Gestão de Regras de Ética e Integridade, essencial para se concretizar um processo penal democrático.

5.4 Monitoramento e Auditoria

As regras de integridade e ética visam implantar as ferramentas necessárias voltadas para a prevenção e a detecção de posturas no ethics na aplicação do processo penal democrático. A auditoria, realizada pelas corregedorias de cada órgão, deverá instituir setor ou responsável pela fiscalização e pelo monitoramento das normas vigentes, a partir de verificações pontuais em amostras de processo do seu negócio (sistema de justiça criminal).

6 CONCLUSÃO

A tarefa de inaugurar no ambiente processual penal o curso de execução de regras de integridade e ética, visando-se que a jurisdição possa entregar à sociedade a possibilidade de exercer, na plenitude, um processo penal democrático, é um caminhar espinhoso com demasiadas matizes endógenas.

O caráter de livre convencimento do juiz, aliado ao rigor instrumental dado ao processo e, também, o fato de este estar voltado essencialmente às liturgias das formas, em detrimento das liberdades postas nos princípios fundamentais estatuídos no artigo 5° da CR/88, aumentam o desafio em formular uma proposição que atenda aos anseios daqueles que clamam pelo equilíbrio nas relações entre as partes, em dado processo criminal, como foi no caso da ordem de apresentação de alegações finais entre delator e delatado corréus. Esse desafio gera um viés de cautela.

Nesta esteira, se o Sistema de Justiça Criminal estivesse de acordo com os princípios constitucionais e, se fossem estes as verdadeiras balizes determinantes de conduta e integridade na aplicação de Justiça, em que todos os atores envolvidos pudessem submeter-se ao compromisso de atuar sob as regras de integridade e ética, fulcradas no artigo 5° da CR, assegurando-se a primazia constitucional de um processo penal democrático, ter-se-ia higidez constitucional na entrega da jurisdição.

Assim, em consequência, conclui-se que o juízo de primeiro grau atuante no HC 166373/PR não agiu corretamente ao decidir em conceder prazo comum a todos, sem distinguir entre corréus colaboradores e corréus delatados, sob a ótica de regras de ética e integridade. In casu, o juízo deveria ter adotado como norte os princípios fundamentais estatuídos na Constituição Federal de 1988.

A postura correta foi o que decidiu o Supremo Tribunal Federal no caso concreto enfrentado no HC em testilha que, de forma eloquente, reafirmou e assegurou a primazia constitucional de todos a ter um processo penal democrático.

Por derradeiro, respondendo às indagações anteriormente lançadas, no sentido de saber se as regras de ética e integridade podem ser aplicadas ao processo penal, sem que se fulmine a liberdade de atuação de todas as partes envolvidas na inquisa, a resposta é afirmativa. É possível desde que vigore de forma facultativa e dentro de proposições inauguradas no ambiente interno de cada ente envolvido no processo (Justiça, Ministério Público, Defensoria Pública e OAB) adotando-se, para tanto, o respectivo código de conduta de regência de cada órgão.

Fica, então, a proposta de adoção de um código de conduta de integridade e ética nos órgãos atuantes do Sistema de Justiça Criminal com os modelos de bases conceituais aqui formuladas, que podem e devem ser ajustadas às realidades de cada ente.

Lança-se, neste artigo, a semente de que os ventos da ética e integridade, que já sopram no ambiente empresarial, em todo o seu espectro de negócio, e também na administração pública, possam ecoar e varrer as posturas antidemocráticas ainda adotadas no Sistema de Justiça Criminal, que não se amoldam a um processo penal democrático e que renegam os princípios e valores constitucionais explícitos previstos na Carta Magna do Brasil.

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BADARÓ, Gustavo Henrique. Manual dos recursos penais. 3.ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018.

BRASIL. Lei 7.492, de 16 de junho de 1886. Define os crimes contra o sistema financeiro nacional, e dá outras providências. Diário Oficial da União: Seção 1, Brasília, DF, n.191 - A, 16 jun. 1986.

BRASIL. Lei 12.850, de 02 de agosto de 2013. Define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal; altera o Decreto-lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); revoga a lei  9.034, de 3 de maio de 1995; e dá outras providências. Diário Oficial da União: Seção 1, Brasília, DF, p. 1 da Edição Extra, 05 ago. 2013.

BRASIL, lei 13.964, de 24 de dezembro de 2019. Aperfeiçoa a legislação penal e processual penal. Diário Oficial da União: Seção 1, Brasília, DF, n.248 - A, p. 1, 24 dez. 2019.

BRASIL, lei 13.869, de 05 de setembro de 2019. Dispõe sobre os crimes de abuso de autoridade; altera a Lei nº 7.960, de 21 de dezembro de 1989, a Lei 9.296, de 24 de julho de 1996, a Lei 8.069, de 13 de julho de 1990, e a Lei  8.906, de 4 de julho de 1994; e revoga a Lei nº 4.898, de 9 de dezembro de 1965, e dispositivos do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal). Diário Oficial da União: Seção 1 - Extra, Brasília, DF, n.188 - A, p. 1, 27 set. 2019.

BOTTINI, Pierpaolo Cruz; MOURA, Maria Thereza de Assis (coord.). Colaboração premiada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017. 

CARVALHO, André Castro et al (coord.). Manual de Compliance. Rio Janeiro: Forense, 2019.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. STF decide que delatados têm direito a apresentar alegações finais depois de delatores. In: Notícias STF. Brasília, 02 out. 2019. Disponível aqui. Acesso em: 30 maio.20.

Sérgio Barboza Menezes

Sérgio Barboza Menezes

Advogado.

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