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Série decisão parcial: a construção cooperativa da decisão parcial e a repartição com outros momentos decisórios

A decisão parcial, em regra, será prolatada em conjunto com uma decisão de prosseguimento do processo, com a devida construção de que será uma parte uma decisão parcial sobre a demanda - com ou sem resolução de mérito - e uma parte sobre algum ponto do processo.

segunda-feira, 6 de setembro de 2021

Atualizado às 14:27

(Imagem: Arte Migalhas)

A série de textos sobre decisão parcial é fruto, como dito no primeiro texto da série, da defesa da tese de doutoramento no PPGD da UNICAP - Universidade Católica de Pernambuco sobre o Fracionamento Decisório, o que o ordenamento processual positivou como Decisão Parcial, com a possibilidade de fracionamento da jurisdição em si, com a resolução de parcela do que se pleitou, seja com mérito (art. 356 do CPC), seja sem mérito (art. 354, parágrafo único do CPC).

A partir disso, diversos assuntos paralelos e específicos sobre o tema não são debatidos e trazidos à tona, por vezes ficando de maneira lateral ou esquecida e, diante disso, criei a série de textos sobre Decisão Parcial e neste, o intuito é delinear que a decisão parcial, seja com resolução do mérito, seja sem resolução do mérito, detém um momento processual específico para a sua prolação, com algumas variações, porém, em qualquer destes, o processo continua sobre uma outra parcela, o que importa em ser uma decisão interlocutória dividida em capítulos.

Se a decisão parcial encerra uma parcela da demanda por jurisdição, reduzindo o objeto litigioso do processo ainda a ser julgado, mas o processo, evidentemente, continuará sobre a parcela de jurisdição que ainda necessita ser prestada e, dessa maneira, essa decisão deve conceder um comando de continuidade, formando uma decisão interlocutória em capítulos.

O momento processual da construção da decisão parcial é importante para delinear que esta nunca será prolatada sozinha no processo, mas em conjunção com outros conteúdos decisórios concomitantes, o que impõe ao juízo um dever de construção cooperativa da decisão, de modo a especificar, claramente, os pontos em que aquela decisão se molda como interlocutória de uma outra fase do processo e os pontos em que decide parcela desse mesmo processo, com ou sem resolução de mérito.

O princípio da cooperação processual foi inserido como norma fundamental pela redação do art. 6o do CPC, com a disposição de que todos os atores processuais devem cooperar entre si em busca de uma decisão de mérito mais justa, mais célere e efetiva. Não há uma novidade imensa nesse princípio, até por ser um desdobramento do princípio da boa-fé processual1, contudo demonstra uma tendência de que as partes colaborem com o juízo e vice-versa, na construção de um processo cooperativo em contraditório2

O juiz tem posição central3, contudo prima-se para que não haja mais um protagonismo inquisitorial. A condução processual deve ser pela conjunção cooperativa para um melhor aproveitamento processual, num maior diálogo entre os atores e que todos busquem a melhor decisão possível para a demanda, com a maior quantidade de subsídios pelo contraditório construído pela cooperação4.

Auxiliar nas decisões para indicar o que deve ser realizado pela parte, num nítido esclarecimento para as partes5, proceder com as respostas pertinentes em cada um dos requerimentos, a possibilidade de manifestação sobre questões importantes processuais, dentre outras hipóteses, por vezes genéricas ou determinadas, demonstram uma mudança para um protagonismo compartilhado, uma forma diferente de visualizar o papel do juiz e das partes6.  nesse novo modelo processual.

A cooperação judicial na construção dessa decisão parcial em conjunto com a decisão interlocutória de prosseguimento do processo deve ser fundamental para o próprio entendimento das partes sobre o que se decide parcialmente e a separação entre as decisões, com a delimitação clara sobre quais os pontos materiais continuarão pendentes, bem como os impactos posteriores, sobre a coisa julgada, recurso, execução, liquidação, dentre outros institutos que deverão interpretar o conteúdo da decisão parcial.

E, ainda, é importante especificar no dispositivo decisório, o prosseguimento do processo em relação aos outros pontos da demanda, sejam quais forem os próximos atos, o juízo deve incluir nesse momento decisório o comando para o próximo ato, como citação, se for um deferimento parcial da inicial e uma decisão parcial sem mérito; o prosseguimento do procedimento, com especificação de provas, numa decisão parcial prolatada em conjunto a decisão de saneamento e organização do processo; dentre outras possibilidades igualmente dialógicas com a decisão parcial a ser prolatada.

Outro ponto importante sobre a decisão parcial de mérito é a inter-relação com o restante do processo. A decisão parcial não será prolatada pura e simplesmente como uma decisão em que contém somente o que se decide parcialmente, mas, também, decidirá de modo interlocutório sobre outros pontos do processo, em questões incidentes, com o processamento de continuidade do procedimento.

Ou seja, a decisão parcial, em regra, será prolatada em conjunto com uma decisão de prosseguimento do processo, com a devida construção de que será uma parte uma decisão parcial sobre a demanda - com ou sem resolução de mérito - e uma parte sobre algum ponto do processo, seja de deferimento do restante da demanda na decisão da inicial, da improcedência liminar do pedido, do saneamento e organização do processo ou simplesmente de uma decisão interlocutória sobre algum pleito igualmente interlocutório.

E, diante dessa visão, é necessário de que o juízo construa a decisão parcial, formalmente, por capítulos identificáveis, com o cuidado de discriminar onde decide como uma interlocutória comum para o prosseguimento do processo - como definindo pontos contraditórios num saneamento e organização do processo - e quando começar a decidir parcialmente a demanda. Essa divisão construtiva do processo - o fracionamento decisório, é importante para a devida organização da decisão, da separação entre os conteúdos diferentes que a mesma decisão contém, sendo uma interlocutória pura que enfrenta incidentes e, em conteúdo diverso, sendo uma decisão que julga parcela do processo.

Essa divisão também é importante para a delimitação sobre os pontos decisórios e, consequentemente, para a identificação do objeto do eventual recurso sobre essa decisão.

_________

1 GOUVEIA, Lúcio Grassi de. A função legitimadora do princípio da cooperação intersubjetiva no processo civil brasileiro. Revista de Processo. Vol. 172, Ano, 34, p. 32-53, São Paulo: Ed. RT, 2009. p. 32.

2 "O princípio da cooperação é relativamente jovem no direito processual. Cooperação é agir de boa-fé. Embora nem todas as condutas de boa-fé sejam essencialmente cooperativas. O dever de cooperar existe no interesse de todos, pois todos pretendem que o processo seja solucionado em tempo razoável. A ideia da cooperação, às vezes, atinge não só as partes mas à própria sociedade, que se faz presente, por meio dos amicus curiae ou mesmo grupos que participam das audiências públicas." ALVIM, Teresa Arruda; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo código de processo civil. 1ª. ed., São Paulo: Ed. RT, 2015. p. 62.

3 O princípio da cooperação atinge de sobremaneira a própria atividade judicial, com uma série de deveres que outrora não existiam, impondo a necessidade de revisão da própria conduta judicante na estruturação procedimental: "O princípio da colaboração estrutura-se a partir da previsão de regras que devem ser seguidas pelo juiz na condução do processo. O juiz tem deveres de esclarecimento, de diálogo, de prevenção e de auxílio para com os litigantes. É assim que funciona a cooperação. Esses deveres consubstanciam as regras que estão sendo enunciadas quando se fala em colaboração no processo." MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo código de processo civil comentado. São Paulo: Ed. RT, 2015. p. 102.

4 O processo deve ser visto como um procedimento em contraditório? Essa é a percepção que Nunes subtrai a partir da Teoria Fazzalariana do Processo, numa construção cooperativa em contraditório das interfaces entre as partes e o juízo. "O processo constitui assim um esquema mais complexo de procedimento, uma sequência normativa de posições subjetivas (faculdades, deveres, e poderes) e de atos [de modo que cada um deles pressupõe o precedente(s) e é pressuposto do seguinte(s)], objetivando a formação de um provimento, realizado em contraditório. (.) Fazzalari percebe a importância da participação técnica das partes ao iter de formação de decisões e alça tal participação a elemento estrutural e legitimante das atividades processuais." NUNES, Dierle José Coelho. Da teoria fazzalariana de processo? o processo como espécie de procedimento realizado em contraditório e a difusão dos módulos processuais como mecanismo de controle da função estatal. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil. Vol 43, p. 212-215, 2006. p. 214. Para a construção de uma decisão parcial, mediante a especialidade do procedimento em si, saindo da base normal de um procedimento comum para uma quebra deste, com um fracionamento decisório, a interlocução entre as partes e o juízo deve ser constante, influente e dialógica, numa verdadeira construção dessa cisão cognitiva também em contraditório.

GOUVEIA, Lúcio Grassi de. Cognição processual civil: atividade dialética e cooperação intersubjetiva na busca da verdade real. Revista Dialética de Direito Processual. São Paulo: Dialética, 06, 2003. p. 50.

6  As partes têm dever de cooperação, esse ponto é positivado pelo art. 6o do CPC, Medina descreve, então, quais seriam os deveres das partes: "As partes, por sua vez, também são responsáveis pelos resultados do processo - ainda que, no processo, defendam seus interesses pessoais. Segundo nosso modo de pensar, deve haver colaboração também entre as partes, e não apenas das partes para com o juiz, ou deste para com aquelas" MEDINA, José Miguel Garcia. Novo código de processo civil comentado. 2ª ed. São Paulo: Ed. RT, 2015. p. 23. Por outro lado, Mitidiero entende que não existe colaboração, ou cooperação processual entre as partes, uma vez que os interesses são divergentes, o que contrariaria a própria visão de colaboração, com a necessidade de convergência. "as partes não colaboram e não devem colaborar entre si simplesmente porque obedecem a diferentes interesses no que tange à sorte do litígio" MITIDIERO, Daniel Colaboração no processo civil como prêt-à-porter? Um convite ao diálogo para Lenio Streck. Revista de Processo. Vol. 194, Ano 36, p. 55-68, São Paulo: Ed. RT, 2011. p. 55.

Vinicius Silva Lemos

VIP Vinicius Silva Lemos

Pós-Doutorando em Processo Civil pela UERJ. Doutor em Processo Civil pela UNICAP. Mestre em Sociologia e Direito pela UFF. Professor de Processo Civil na FARO e UNIRON. Presidente do IDPR. Advogado.

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