CVM regula o uso de informação privilegiada
Apesar de a CVM não ter trazido mudanças relevantes à questão da divulgação de fatos/atos relevantes em si, os ajustes com relação ao uso de informação privilegiada trazidos pela CVM são positivos, e inserem-se dentre as diversas inovações regulatórias em curso pelo regulador.
quarta-feira, 1 de setembro de 2021
Atualizado às 09:13
A CVM editou em 23/8/21 a resolução 44, que dispõe sobre a divulgação de atos/fatos relevantes, o período de negociação de valores mobiliários e a divulgação de informações sobre a sua negociação, em substituição à Instrução CVM 358/021.
O conceito de fato relevante é de fundamental importância no mercado de capitais, uma vez que pressupõe que para o investidor tomar sua decisão de investir ou não, deverá estar devidamente informado sobre a situação do emissor do ativo. Por exemplo: para adquirir uma determinada ação de uma companhia listada na bolsa, o investidor deve ter acesso a todas as melhores e mais relevantes informações disponíveis, com vistas a embasar a sua decisão. Economicamente, tem-se, com isso, a intenção de reduzir a assimetria informacional existente no mercado. A CVM entendeu que a regra trazida pela Instrução CVM 358/02 era adequada e não promoveu mudanças relevantes a este ponto.
Outro assunto abordado pela Resolução é o período de vedação à negociação de valores mobiliários. A CVM expandiu o rol de exceções a esta restrição, beneficiando os investidores com negociações pré-programadas, administradores sujeitos a planos de opção de compra e transações entre entidades de um mesmo grupo econômico.
Mas, a principal novidade refere-se ao uso de informação privilegiada (não divulgada ao mercado) que passa a ser melhor regulado como infração e ato ilícito, como veremos a seguir.
Uso de Informação Privilegiada
A Resolução 44 trouxe o "Capítulo X - Uso Indevido de Informação Privilegiada", demonstrando a crescente preocupação da autarquia com os casos de insider trading.
Em linhas gerais, fica proibida a utilização de informações relevantes ainda não divulgadas, por qualquer pessoa, com o intuito de obter vantagem para si ou para outrem por meio da negociação de valores mobiliários. Na análise do ilícito, a CVM considerará (como presunção relativa) que:
- A pessoa que negociou valores mobiliários dispondo de informação relevante ainda não divulgada fez uso de tal informação na referida negociação;
- Acionistas controladores, diretos ou indiretos, diretores, membros do conselho de administração e do conselho fiscal, e a própria companhia, em relação aos negócios com valores mobiliários de própria emissão, têm acesso a toda informação relevante ainda não divulgada;
- As pessoas listadas no item acima, bem como aqueles que tenham relação comercial, profissional ou de confiança com a companhia, ao terem tido acesso a informação relevante ainda não divulgada sabem que se trata de informação privilegiada;
- O administrador que se afasta da companhia dispondo de informação relevante ainda não divulgada se vale de tal informação caso negocie valores mobiliários emitidos pela companhia no período de 3 (três) meses contados do seu desligamento;
- São relevantes, a partir do momento em que iniciados estudos ou análises relativos à matéria, as informações acerca de operações de incorporação, cisão total ou parcial, fusão, transformação, ou qualquer forma de reorganização societária ou combinação de negócios, mudança no controle da companhia, inclusive por meio de celebração, alteração ou rescisão de acordo de acionistas, decisão de promover o cancelamento de registro da companhia aberta ou mudança do ambiente ou segmento de negociação das ações de sua emissão; e
- São relevantes as informações acerca de pedido de recuperação judicial ou extrajudicial e de falência efetuados pela própria companhia, a partir do momento em que iniciados estudos ou análises relativos a tal pedido.
Estão excepcionados das presunções listadas acima:
- Os casos de aquisição, por meio de negociação privada, de ações que se encontrem em tesouraria, decorrente do exercício de opção de compra de acordo com plano de outorga de opção de compra de ações aprovado em assembleia geral, ou quando se tratar de outorga de ações a administradores, empregados ou prestadores de serviços como parte de remuneração previamente aprovada em assembleia geral; e
- As negociações envolvendo valores mobiliários de renda fixa, quando realizadas mediante operações com compromissos conjugados de recompra pelo vendedor e de revenda pelo comprador, para liquidação em data preestabelecida, anterior ou igual à do vencimento dos títulos objeto da operação, realizadas com rentabilidade ou parâmetros de remuneração predefinidos.
Período de Vedação à Negociação de Valores Mobiliários
Segundo a Resolução, a própria companhia, os acionistas controladores, diretores, membros do conselho de administração e do conselho fiscal estão impedidos de negociar valores mobiliários de emissão da companhia durante o prazo de 15 dias que antecede a data da divulgação de suas informações contábeis trimestrais e demonstrações financeiras anuais. Esta proibição independe da existência de informação relevante pendente de divulgação ou da intenção em relação à negociação.
Além disso, a Resolução trouxe maisflexibilidade ao elencar os seguintes casos em que tal restrição não seria aplicável:
- Negociações envolvendo valores mobiliários de renda fixa, quando realizadas mediante operações com compromissos conjugados de recompra pelo vendedor e de revenda pelo comprador, para liquidação em data preestabelecida, anterior ou igual à do vencimento dos títulos objeto da operação, realizadas com rentabilidade ou parâmetros de remuneração predefinidos;
- Operações destinadas a cumprir obrigações assumidas antes do início do período de vedação decorrentes de empréstimos de valores mobiliários, exercício de opções de compra ou venda por terceiros e contratos de compra e venda a termo;
- Negociações realizadas por instituições financeiras e pessoas jurídicas integrantes de seu grupo econômico, desde que efetuadas no curso normal de seus negócios e dentro de parâmetros preestabelecidos na política de negociação da companhia; e
- Planos individuais de investimento ou desinvestimento regulando as negociações com valores mobiliários de emissão da companhia ou a eles referenciados, sendo que tais planos devem prever um prazo mínimo de 3 meses para produzir efeitos.
Considerações Finais
Apesar de a CVM não ter trazido mudanças relevantes à questão da divulgação de fatos/atos relevantes em si, a nosso ver, os ajustes com relação ao uso de informação privilegiada trazidos pela CVM são positivos, e inserem-se dentre as diversas inovações regulatórias em curso pelo regulador, alinhadas com sua missão de proteção ao investidor.
1 A nova Resolução segue o disposto no Decreto 10.139/2019, quanto à orientação de substituição de "Instruções" por "Resoluções"
Rodrigo Vinícius Dufloth
Graduado pela USP. Mestre em Direito Comercial. Especialista em Direito & Economia. Diretor da Associação Brasileira de Direito & Administração (ABD&A). Membro da Associação Brasileira de Direito & Economia (ABDE) e da International Association of Privacy Professionals (IAPP). Sócio de CMT - Carvalho, Machado e Timm Advogados.
Henrique Misawa
Atua nas áreas de M&A, private equity e direito societário e de contratos comerciais. Possui extensa experiência em operações de M&A nacionais e internacionais envolvendo companhias de diversos setores (e.g., commodities, indústria do aço, etc.), bem como em processos envolvendo a CVM. Formado pela Universidade de São Paulo (2013), possui um LL.M. em Direito Societário pelo Insper (2017) e um LL.M. pela Universidade de Chicago (2019). Trabalhou como associado internacional no escritório Yulchon, LLC, em Seul (Coréia do Sul) de 2019 a 2020, onde assessorou clientes coreanos e internacionais em operações de M&A."