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Desapropriação urbanística em face ao direito à moradia

O presente estudo pretende discorrer acerca da efetivação do direito à cidade no ordenamento jurídico brasileiro e a responsabilização da Administração Pública em face a desapropriação urbanística.

sexta-feira, 20 de agosto de 2021

Atualizado às 15:48

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

O primeiro autor a abordar está temática foi Henri Lefebvre, na obra Lê Droit àlaville (O Direito à cidade), publicado em 1968, importa esclarecer em que realidade histórica essa obra foi constituída, o contexto histórico ocasionava um encontro entre a Universidade e as manifestações populares, em que a academia foi às ruas e o protesto ocupou a universidade.

Todavia, paira controvérsia acerca desta assertiva, em Marxism and the City, Irá Katznelson defende que Lefebvre teria sido o primeiro a mostrar ao marxismo o caminho de volta à cidade em uma série de livros sobre a realidade urbana, inaugurada por Le Droit à laville. (Katznelson, 1992, p.93).1 É dita está retomada porque Marx e Engels teriam tratado da cidade em suas obras, ainda que essa não fosse a preocupação central.

Na obra de Lefebvre fica cediço o pensamento de que a urbanização não poderia ter precedido a industrialização na história, o que já indicaria uma dissociação entre os dois processos, provando uma urbanização completa da sociedade. (Le Droit à laville. (Katznelson, 2008, p.13)2

Outras importantes obras acerca desta temática são A questão urbana e Social Justice and the City, ambas publicadas na década de 1970, sendo centrais para o que viria a ser chamado de nova sociologia urbana, os estudos urbanos críticos.3

Manuel Castells e David Harvey dão créditos de pioneirismo a Lefbvre, no entanto existem discordâncias entre os mencionados autores para com este. Apesar de aceitarem os termos em que a questão conceitual prévia é colocada e levada adiante a crítica ao urbanismo e ao planejamento urbano, ambos mostram descrédito em relação às hipóteses centrais de urbanização completa da sociedade, tida como pouco factível, impossível de ser verificada empiricamente.4

Mas há uma diferença importante entre ambos no que diz respeito às interpretações do direito da cidade. Castells empreende uma forte crítica ao que considera uma concepção abstrata, utópica e ideológica para pensar a sociedade. Entende-se, que a noção de centralidade própria ao direito à cidade recairia em uma espécie de essência histórica, amparada pela rede de que agrupamentos no espaço geram, por si próprios, novas relações sociais.

Para Castells, Lefebvre saberia dos problemas envolvidos neste argumento. (Castells, 2009, p.146)5

O autor expõe que para que a repressão fosse suprimida, seria necessário pensar, em um primeiro momento, em uma cidade sem Estado, o que identificaria o direito à cidade com o comunismo. A troca de "sociedade" por "cidade" é, para Castells, um dos elementos problemáticos dessa associação.

Outro ponto controverso é o fato de Lefebvre ler as demandas por moradia como obstáculo à emergência da "problemática urbana". Como Castells vai entender a urbanização a partir da reprodução da força de trabalho, a luta de movimentos sociais por habitação passa para o centro e abre caminho a um campo específico de estudos. (Castells, 1973)

Uma concepção em que demandas por habitação são entendidas como uma espécie de cegueira que impede de ver o principal não é, portanto, compatível com a tese de que os movimentos sociais urbanos são capazes de controverter a ordem estabelecida a partir das contradições específicas de questão urbana.

Lado outro, Harvey deteria ao funcionamento do capitalismo de forma geral e a cidade é pensada no interior deste quadro: imobilizando investimentos nos espaços, a urbanização passar a ser central para a criação de valor e, assim, para a superação de crises de sobreacumulação engendradas no interior do sistema.

Portanto, ainda que tenham se posicionado como continuadores de algumas das contribuições de Lefebvre, para ambos os autores o direito à cidade não pareceu ter, de imediato, potencial explicativo ou programático suficiente para ser desenvolvido na chave que articula o marxismo e a cidade.

Enquanto Castells explicitou suas críticas ao conceito já na década de 1970, David Harvey parece ter percebido a força que o termo havia ganhado muito tempo depois.

Atualmente, o autor que se pretende crítico no campo dos estudos urbanos necessariamente, menciona o direito à cidade e procura dar uma interpretação própria sobre o conceito, o que envolve, portanto, um retorno às obras de Lefebvre.6

Essa detida análise histórica serve como um alicerce para entendermos quais foram os aspectos delineadores do direito à cidade no ordenamento jurídico brasileiro, as ideias de Lefebvre, Castells e Harvey foram conjugadas de forma geral para formulação deste instituto na realidade jurídica brasileira.7

O Poder Público estabelece determinações quando alguma beneficie administrativa se apresenta de forma impositiva, de modo a ocasionar deveres e obrigações aos cidadãos.

Obviamente, o agir da Administração Pública pressupõe a observância a determinados princípios que norteiam a concretização de determinado desiderato.

Neste escopo, deve a Administração voltar-se exclusivamente para o interesse público, e não para o privado, vedando-se, em consequência, que sejam favorecidos alguns indivíduos em detrimento de outros e prejudicados alguns para favorecimento de outros.

Esta prática coaduna com o Princípio da Finalidade, o qual o alvo a ser alcançado pela Administração é tão somente o interesse público.

Adentramos então na seara da desapropriação urbanística. Quando o Poder Público pretende criar ou alterar planos de urbanização de cidades ele consolida tal objeto pela desapropriação urbanística.

Todavia, para a efetivação deste desiderato é possível a retirada de propriedade do seu proprietário legal. Esta desapropriação costuma alcançar bairros inteiros, neste escopo o poder público tem o dever de definir previamente seus projetos urbanísticos.

A constituição resguarda que a lei deverá estabelecer o procedimento para desapropriação por necessidade ou por utilidade pública ou por interesse social mediante justa e prévia indenização em dinheiro, conforme o artigo 5°, XXIV da Constituição Federal8.

Em termos gerais, ocorre a transferência compulsória do bem particular para o patrimônio público mediante pagamento de justa e prévia indenização.

Por óbvio, essa desapropriação urbanística interfere preponderantemente com o direito à moradia.

O direito à moradia passou a integrar o rol dos direitos sociais do artigo 6º em 14 de fevereiro de 2000, por meio da emenda constitucional nº 26. Sua introdução ao texto constitucional reflete entendimento já externado pelo estado brasileiro no plano internacional.

O direito à moradia é proclamado na Declaração Universal dos Direitos da Pessoa Humana (art. 25) e no Pacto Internacional dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais (art. 11).

Além da salvaguarda constitucional o direito à moradia está incluído entre as necessidades vitais básicas do trabalhador e da sua família9.

 Ademais, a moradia ainda estampada como uma política pública estabelece uma competência comum da União, dos Estados e dos municípios para promover programas de construção de moradias e melhoria das condições habitacionais e do saneamento básico.10

Todavia, apesar de existir essa salvaguarda constitucional entende-se, que o ato de desapropriação urbanística não afeta ao direito de moradia, tendo em vista que ao ocorrer essa desapropriação incorrerá também, na indenização em face deste desiderato.

O ato de desapropriação urbanística estará embasado sobre a égide do interesse social, portanto, o fim colimado neste propósito será o bem comum.

Neste levante, cabe discorrer acerca da efetivação do direito fundamental à moradia estampado no texto constitucional. A historicidade dos direitos fundamentais se mostra como um verdadeiro processo de luta e conquista por novas liberdades, ou seja, sua devida efetivação é resultado de conquistas sociais.

Os direitos fundamentais são universais, sua abrangência é coletiva, acolhendo todos aqueles que comportam o status de pessoa, ou cidadãos, portanto, sua titularidade é subjetiva, conforme melhor preleção Luigi Ferrajoli.11

O direito fundamental é um direito correlacionado, principalmente, quando abarca também direitos humanos. É o que se dá com o direito à moradia, há uma forte ligação entre ele e o direito à vida, à educação, ao amparo social, à integridade física dentre outros, caracterizando a sua interdependência a outros direitos também fundamentais, não devendo ser interpretado isoladamente a fim de alcançar objetivos positivos (Souza, 2004).

As cidades estão em constantes transformações, por óbvio que parte desta formação e transformação são os resultados das práticas dos cidadãos que povoam aquele ambiente.

Neste diapasão, uma efetivação do direito à moradia perpassa por um agir de forma dicotômica entre os cidadãos e o Estado, o direito à moradia é reconhecido como uma garantia advinda da Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948.

A promoção do direito à moradia dialoga com o direito à cidade, consubstanciado estas duas vertentes possibilitaria uma inclusão social por parte preponderante da população, seja com a garantia à moradia, seja com a promoção da igualdade entre os cidadãos garantia o acesso a novas oportunidades que a cidade oferece, tais quais como a educação, o lazer, o trabalho, a educação, ao transporte etc.

Com a inclusão social do indivíduo estaria possibilitando uma vida digna ocasionando a materialização de outros direitos.

Conforme melhor definição de Lojkine (1997),12 a política urbana é caracterizada como um produto de contradições urbanas, das mais diversificadas relações entre forças sociais opostas quanto ao modo de ocupação ou de produção do espaço urbanístico, compondo-se em três distintas dimensões: uma dimensão de planificações urbanísticas, uma dimensão operacional, que é o conjunto de práticas reais pelas quais o Estado central e os aparelhos estatais locais intervêm financeira e juridicamente na organização do espaço urbano, e uma dimensão propriamente urbanística que condensa, materializa e mede os efeitos sociais, da planificação urbana e operações de urbanismo.

Todos estes aparatos que incorporam os mais diversos instrumentos de mudança na política urbanística, devem ser analisados precipuamente em face dos efeitos acarretados na vida de seus habitantes.

Diante desta dicotomia existente entre o ato de desapropriação e a salvaguarda do direito à moradia há de atentar-se a um meio-termo que possibilitaria uma amenização desta problemática.

O incremento de Políticas Públicas que buscam propiciar aos cidadãos a concretização da garantia habitacional deve ser difundida.

Algumas políticas públicas que já foram implementadas e expoentes são: a COHAB13, o Minha Casa, Minha Vida, o Banco Nacional de Habitação (BNH), a Habitação Social, conhecida também como os conjuntos habitacionais etc.

Diante da apresentação destas experiências acima expostas, nota-se um agir da Administração Pública em busca da efetivação do direito social à moradia para a solução do déficit habitacional.

Todavia, esta problemática agrária ainda é preocupante, haja visto a prospecção dos números de invasões habitacionais e favelização ter sofrido um aumento exponencial.

Estes processos de favelização e invasões habitacionais são gerados por um problema precípuo de caráter social, tais moradias surgem a partir de contradições econômicas, históricas e sociais, o que acarreta a constituição de imóveis sem um planejamento mínimo, está problemática urbanística opera mudanças estruturais nas cidades, cabendo ao Poder Público propiciar as mais diversas formas de garantia habitacional para que a população não tenha que recorrer à estes artífices a fim de efetivar sua salvaguarda habitacional.

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Katznelson, Ira. Marxism and the City. Oxford: Oxford University Press, 1992.

2 "The Right to the City". New Left Review, n. 53, 2008.

3 Ver Zukin, 1980

5 Castells, Manuel et al. Crise du logement et mouvements sociaux urbains. Paris: Mouton, 1978

7 Holston, 2013, p.438, nota 9

8 Constituição da República Federativa brasileira de 1988

9 Art. 7, IV, CRFB

10 Art. 23, IX

12 LOJKINE, M. F. O Estado capitalista e a questão urbana. São Paulo 1997.

13 Companhia de Habitação.

Paulo Cosmo Jr.

Paulo Cosmo Jr.

Possui graduação em bacharelado em Direito - LAEL VARELLA EDUCACAO E CULTURA LTDA (2020).

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