Autodefesa e o silêncio em bloco e parcial
Vale destaque que o desembargador convocado rebateu cada um dos pontos levantados pela juíza federal, bem como do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que manteve a decisão e foi apontado como autoridade coatora.
segunda-feira, 23 de agosto de 2021
Atualizado às 08:06
No último dia 10 de agosto de 2021, o desembargador convocado do TJ/DF ao Superior Tribunal de Justiça, Jesuíno Rissato concedeu, de ofício, uma ordem de habeas corpus para determinar uma nova audiência de instrução e julgamento, pois ao paciente foi impossibilitado exercer o seu direito de autodefesa durante a instrução processual. Considerou a Juíza, que presidiu o ato processual, que seria suficiente a apresentação de declaração por escrito, pelo acusado ou por seu advogado.
Em resumo, o réu avisou de antemão que responderia somente as perguntas de seu advogado, o qual foi indeferido pela magistrada, tendo a defesa se insurgido contra tal decisão no próprio ato processual.
Gostaria de destacar alguns pontos da decisão monocrática do ministro:
"Inicialmente, deve-se esclarecer que o interrogatório, embora conduzido pelo d. Juízo, é ato de defesa, muitas vezes, a única oportunidade de o réu exercer a sua autodefesa na instrução criminal.
Ocorre que o Código de Processo Penal não é claro sobre a possibilidade de o réu exercer o seu direito ao silêncio, quanto ao mérito, em bloco.
De outra forma, não proscreve a possibilidade, plausível até como forma de economia processual, já que o réu pode exercer sua autodefesa de forma livre, não havendo razões para se indeferir liminarmente que se manifeste sob a condução das perguntas de seu patrono.
Isso porque o interrogatório possui duas partes, e não apenas a identificação do acusado, quando o direito ao silêncio pode ser mitigado, vejamos: "A primeira parte do interrogatório não se relaciona com o direito de não produzir prova contra si. O direito a não se autoincriminar diz respeito ao mérito da pretensão punitiva, não à identificação do investigado/acusado" (RHC 126.362/BA, Sexta Turma, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, DJe 29/09/2020, grifei).
Em outras palavras, quanto ao mérito, a autodefesa se exerce de modo livre, desimpedido e voluntário.
(...)
No caso concreto, merecem destaques dois pontos: a insurgência da d. Defesa no momento da própria audiência (de forma a afastar a preclusão) e a efetiva impossibilidade, ao fim, de o réu exercer o seu direito de autodefesa.
(...)
Destarte, tendo-se como direito do acusado a possibilidade de autodefesa, que não se confunde com o direito ao silêncio e o de não produzir provas contra si mesmo, considerando-se que a d. Defesa se insurgiu na própria audiência, bem como que a renovação do interrogatório e dos prazos seguintes não trará in casu prejuízo maior à causa do que uma eventual declaração futura de nulidade, tenho que a ordem deva ser concedida.
Diante do exposto, não conheço do habeas corpus.
Concedo a ordem, de ofício, para determinar que nova audiência de instrução seja realizada, oportunizando-se, ao paciente, seu interrogatório (a identificação pessoal é obrigatória), bem como a sua livre manifestação quanto ao mérito, seja de forma espontânea ou sob condução de perguntas de qualquer das autoridades, especialmente, do seu próprio patrocínio."
Vale destaque que o desembargador convocado rebateu cada um dos pontos levantados pela juíza federal, bem como do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que manteve a decisão e foi apontado como autoridade coatora. Efetivou, desse modo, o princípio constitucional da ampla defesa, na sua modalidade, autodefesa.
HABEAS CORPUS 639247 - SP (2021/0005953-1) RELATOR: MINISTRO JESUÍNO RISSATO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJDFT).
Bruno Parentoni
Advogado criminalista do escritório Roberto Parentoni e Advogados. Graduado pelo Mackenzie. Membro do IBRADD - Instituto Brasileiro do Direito de Defesa.