A marca é um conjunto unívoco de seus elementos
É preciso enaltecer a decisão da Terceira Turma, pois, ao analisar o conjunto marcário de modo conglobante e não seccionado, tomou como equivocada a metodologia utilizada em que se cindia os elementos do conjunto dos signos da contenda.
sexta-feira, 20 de agosto de 2021
Atualizado às 09:25
Em importante e recente julgado da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça foi acolhido Recurso Especial 1 interposto pela titular da marca "Yopa Coloré", a Société Des Produits Nestlé S/A, que obteve o direito de persistir na propriedade de seu signo. Tal relevante reviravolta judicial ocorreu em um feito no qual a primeira instância e o Tribunal Regional Federal compreenderam equivocada a decisão do INPI que outorgara o direito de propriedade em favor da Nestlé. Em síntese, o Juízo instrutor compreendeu que tal marca reproduzia, com acréscimo, a marca anteriormente depositada, aqui a "Colorê".
É preciso notar que que o voto da Relatora do recurso, Ministra Nancy Andrighi, em seu obiter dictum, colacionou sofisticados argumentos para a acolhida do remédio processual voluntário da sociedade multinacional:
(i) para se aferir se há confusão ou associação indevida entre os signos distintivos, é preciso ter como parâmetro o ponto de vista do consumidor, que é razoavelmente atento e informado; (ii) o exame de distintividade é o cerne de qualquer suposto conflito entre titulares de marca, pois é o critério que permite verificar se há colidência entres signos, tem como primazia verificar se os sinais possuem ou não características evocativas ou sugestivas dos produtos ou serviço que visam identificar, bem como se os signos são compostos por expressões genéricas, necessárias ou comuns - o que acontece no caso em questão 2; e (iii) o cotejo crítico deve ser realizado mediante uma análise do conjunto marcário, ou seja, é preciso avaliar "o todo indivisível".
Sobre análise do conjunto marcário, o saudoso Professor Denis Barbosa ensinava que dois princípios são capitais: de um lado, a apreciação deve ocorrer levando em conta as semelhanças do conjunto e não das diferenças; de outro lado, eventual semelhança também deve ser verificada de acordo com o público consumidor:
[...] "Em primeiro lugar, a colidência ou anterioridade deve ser apreciada levando em conta as semelhanças do conjunto, em particular dos elementos mais expressivos, e não as diferenças de detalhe (...). E segundo lugar, deve-se verificar a semelhança ou diferença à luz do público a quem a marca é destinada, em sua função própria. Tal critério, que é particularmente valioso no caso de contrafação, não pode deixar de ser levado em conta no parâmetro da registrabilidade [...]" BARBOSA. Denis Borges. Proteção das Marcas. Uma perspectiva semiológica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017, p.92-93.
Deste modo, é preciso enaltecer a decisão da Terceira Turma, pois, ao analisar o conjunto marcário de modo conglobante e não seccionado, tomou como equivocada a metodologia utilizada em que se cindia os elementos do conjunto dos signos da contenda.
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1 Recurso Especial 1.924.788 - RJ (2020/0077290-8).
2 Veja que a recorrida não inventou o elemento nominativo da sua marca "Colorê". Como bem demostrou a relatora, trata-se de elemento sem direito a exclusividade. Diz o julgado: [...] A expressão Colorê, registrada pela recorrida, possui baixo grau distintivo, pois consiste em vocábulo que, além de não ter sido criado por ela, corresponde à conhecidíssima parlenda, consagrada junto ao público, sobretudo infantil, em razão de gravações musicais realizadas desde os anos 80.
Fernanda Fernandes
Sócia de Denis Borges Barbosa Advogados.