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Nova lei de licitações e o credenciamento como "singularidade múltipla"

O credenciamento é, assim, a maior expressão do princípio constitucional da isonomia que transforma a licitação em verdadeira "democracia direta licitatória", em que todos os licitantes interessados poderão contratar com a administração pública.

quarta-feira, 18 de agosto de 2021

Atualizado às 14:11

(Imagem: Arte Migalhas)

O credenciamento é uma modalidade de inexigibilidade cuja gênese efetiva encontra-se mais na criatividade da vida real do que da previsão da lei federal 14.133/21.

O credenciamento tem origem na inexigibilidade do artigo 25 da antiga lei de licitações e na lei 8.958/94 quanto às fundações de apoio. A hipótese é de inexigibilidade múltipla.

A inexigibilidade, corriqueiramente, decorre da singularidade do objeto e do contratado. Na hipótese de credenciamento a circunstância como um todo é que apresenta singularidade e não o objeto ou o licitante.

Aliás, paradoxalmente, a ausência de singularidade é tão profundamente acentuada que o somatório de objetos comuns é uma singularidade somada ou singularidade múltipla.

O objeto do credenciamento apresenta dimensão singular que comporta licitantes múltiplos para a satisfação do interesse público.

Daí a nomenclatura sugerida por nós: "singularidade múltipla", ou "singularidade circunstancial".

A nova lei de licitações previu o instituto no artigo 79 da referida lei. Assim:

"Art. 79. O credenciamento poderá ser usado nas seguintes hipóteses de contratação:

I - paralela e não excludente: caso em que é viável e vantajosa para a Administração a realização de contratações simultâneas em condições padronizadas;

II - com seleção a critério de terceiros: caso em que a seleção do contratado está a cargo do beneficiário direto da prestação;

III - em mercados fluidos: caso em que a flutuação constante do valor da prestação e das condições de contratação inviabiliza a seleção de agente por meio de processo de licitação." 

As hipóteses legais podem ser resumidas numa frase: respeito ao princípio da isonomia sem que haja necessidade de licitação. Ou, replicando Marçal, "inexigibilidade anômala" de licitação. 

Por conta de tal peculiaridade é que Marçal Justen Filho1 confere a denominação de "anômala" à inexigibilidade existente no credenciamento.

Assim: 

"(...)

11) Uma manifestação anômala de objeto comum

Não é despropositado afirmar que o credenciamento pode ser adotado em hipóteses de objeto comum, destituído de peculiaridades, em condições similares ao que se passa no caso do pregão. A distinção reside em que não é cabível um procedimento licitatório específico, em virtude de uma anômala inviabilidade de competição." (grifos iniciais do autor e finais nossos). 

O exemplo pedagógico escolhido por Marçal Justen Filho2 é colhido na jurisprudência do TCU refere-se à hipótese de médicos: 

"Jurisprudência anterior do TCU

'O credenciamento pode ser utilizado para a contratação de profissionais de saúde, tanto para atuarem em unidades públicas de saúde quanto em seus próprios consultórios e clínicas, quando se verifica a inviabilidade de competição para preenchimento das vagas, bem como quando a demanda pelos serviços é superior à oferta e é possível a contratação de todos os interessados, devendo a distribuição dos serviços entre os interessados se dar de forma objetiva e impessoal'

(acórdão 352/2016, Plenário Min. Benjamin Zymler)."( grifos iniciais nossos e finais nossos). 

O blog da Zenite3 dá outro exemplo de credenciamento: as passagens aéreas. Assim: 

"Inclusive, a Instrução Normativa nº 3 de 11 de fevereiro de 2015 da SLTI do MPOG (recém saída do forno) trouxe o credenciamento como ferramenta para 'habilitação das empresas de transporte aéreo, visando à aquisição direta de passagens pelos órgãos e entidades da Administração Pública Federal'" 

Merece destaque o fato de que passagens aéreas tem característica de circunstância com multiplicidade singular no âmbito federal, mas; não necessariamente; terá tal característica na hipótese de um pequeno município. Talvez nessa última hipótese a dispensa de licitação tenha melhor adequação.

A definição do mesmo blog já citado, corrobora a característica de singularidade múltipla. Assim: 

"O credenciamento é sistema por meio do qual a Administração Pública convoca todos os interessados em prestar serviços ou fornecer bens, para que, preenchendo os requisitos necessários, credenciem-se junto ao órgão ou entidade para executar o objeto quando convocados."(grifos no original). 

Alguns procedimentos devem ser feitos pela administração pública de maneira a garantir a efetiva isonomia no caso do credenciamento: chamamento público e cadastramento permanente; distribuição por critérios objetivos quando não for possível a distribuição a todos e não for possível a contratação simultânea.

Oscar Wilde tem a célebre frase de que "a vida imita a arte mais do que a arte imita a vida".

Assim, também, a lei interpreta a vida, mas é a vida que interpreta melhor a lei.

O credenciamento é verdadeira metamorfose da vida que transforma um fato "licitável" num  fato de licitação inexigível.

A inexigibilidade não surge da singularidade do objeto ou do licitante, mas pela ausência de singularidade que transforma o objeto em fracionável a um sem número de licitantes de maneira isonômica.

Utilizando de licença poética, diríamos que o objeto é tão profundamente sem singularidade que se torna _ parodoxalmente _ uma "singularidade múltipla".

A "singularidade" não se encontra na individualidade, mas _ exatamente no extremo oposto _  na multiplicidade do objeto e dos "licitantes" que a tornam o credenciamento um veículo de efetiva isonomia com a participação de maior amplitude possível e não através de uma seleção de um licitante tampouco contratação por inexigibilidade de um único licitante.

O credenciamento é, assim, a maior expressão do princípio constitucional da isonomia que transforma a licitação em verdadeira "democracia direta licitatória", em que todos os licitantes interessados poderão contratar com a administração pública.

__________

1 " Comentários à lei de licitações e contratações administrativas", Editora RT, Edição 2.021, página 1.130.

2 Comentários à lei de licitações e contratações administrativas", Editora RT, Edição 2.021, página 1.133/1.134.

https://www.zenite.blog.br/afinal-o-que-e-credenciamento/

Laércio José Loureiro dos Santos

VIP Laércio José Loureiro dos Santos

Procurador Municipal, mestre em Direito pela PUCSP, autor de "Inovações da Nova Lei de Licitações", Ed. Dialética, 2.021, Foi coordenador do curso de Direito da UNISAL/SP, foi membro do TED-OAB

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