Sucumbência recíproca e a integralidade dos honorários advocatícios
Honorários são alimentos do advogado. No ordenamento vigente é expressamente vedada a compensação da verba alimentar (art. 85 § 14).
quinta-feira, 12 de agosto de 2021
Atualizado às 14:20
O Código de Processo Civil de 2015 trouxe avanços consideráveis a respeito dos honorários advocatícios. Honorários são alimentos do advogado. No ordenamento vigente é expressamente vedada a compensação da verba alimentar (art. 85 § 14). Consolidou-se o entendimento que os honorários de sucumbência são de titularidade do advogado, portanto, inadmissível que a compensação atinja direito de terceiro (art. 380 do Código Civil). A compatibilidade de identidades é requisito essencial para que se possa aplicar este instituto, até porque só é cabível quando as partes forem credoras e devedoras entre si, ao mesmo tempo (art. 368 do Código Civil).
Quanto a este ponto, não há qualquer tipo de dúvida. É notório que os honorários advocatícios não são mais compensados, a dúvida, porém, ainda permanece quanto ao rateio/distribuição dos honorários nos casos da sucumbência recíproca. O "caput" do art. 86 descreve que "Se cada litigante for, em parte, vencedor e vencido, serão proporcionalmente distribuídas entre eles as despesas".
Isso significa que o dispositivo em questão, refere-se quanto à possibilidade do rateio entre as partes no tocante às despesas, mas, o que são despesas processuais? O art. 84 descreve um rol taxativo sobre as despesas e abrange por exemplo: as custas dos atos do processo, indenização de viagem, diária de testemunhas, honorários periciais.
A análise do art. 86, "caput", em conjunto com o art. 84 do CPC/2015, deixa evidente que os termos "honorários" e "despesas" não se confundem. São elementos distintos e de natureza jurídica diversa. O conceito de despesas é taxativo e, portanto, não se inclui os honorários advocatícios, como antes acontecia no código revogado de 1973.
Se para a sucumbência recíproca a distribuição englobasse os termos "despesas" e "honorários" em uma relação de somatória, a conjunção aditiva certamente estaria expressa no caput do dispositivo, a exemplo da sucumbência mínima do parágrafo único, do mesmo artigo. A redação do texto não teria o ponto final após o termo "despesas", mas sim o acréscimo da conjunção aditiva "e". A frase então seria: "Distribuídas entre eles as despesas e os honorários advocatícios".
Na sucumbência recíproca, as partes deverão ratear apenas as despesas, preservando os honorários advocatícios dos advogados de ambas as partes, em sua integralidade. Se A e B forem partes que sucumbiram na demanda, os honorários deverão ser pagos integralmente, de forma cruzada, aos advogados do autor e do réu.
Assim, A rateará as despesas com B, mas terá que arcar com os honorários do advogado de B em sua "integralidade" e vice - versa. Os reflexos da sucumbência recíproca recaem tão somente às partes do processo, não podendo se estender esta divisão entre os advogados contrários e seus respectivos honorários. A distribuição da verba honorária não foi avocada pelo art. 86, "caput", do CPC/2015.
A distribuição proporcional das despesas só é possível porque neste caso existe a compatibilidade identitária entre as partes (autor e réu) que são ao mesmo tempo, entre si, vencedores e vencidos. A sucumbência recíproca não deve alcançar os honorários advocatícios simplesmente porque o advogado não é parte da demanda, sendo os honorários direito de um terceiro, na relação processual.
A proteção aos honorários advocatícios reforça a ideia de que a sucumbência recíproca recai sobre a parte que figura na relação processual. Se a sucumbência atinge a parte, não há sentido penalizar o advogado (terceiro) rateando sua verba honorária. Ao suprimir os honorários advocatícios, do "caput" do art. 86, pretendeu o legislador proteger tal verba alimentar em sua "totalidade".
O artigo 86, "caput", do Código vigente, não reproduziu em sua íntegra o revogado art. 21 do CPC/73. Se a normativa anterior de 1973 atingia as despesas e os honorários advocatícios por força da sucumbência recíproca, o Código de Processo Civil de 2015 limitou o rateio entre as partes, somente das despesas. A jurisprudência majoritária ainda encontra-se "aprisionada", ao entendimento do revogado art. 21 do CPC de 1973, até porque o art. 86, "caput", até hoje não é aplicado como deveria ser pela maioria dos tribunais.
Como o art. 21, lá em 1973, admitia-se a compensação dos honorários, atualmente com a proibição da compensação (art. 85, § 14), o rateio da verba alimentar passou a ser tolerada por parte dos operadores do direito. Ocorre que é necessário refutar este realismo jurídico, dominante, em nossos tribunais. Não deve o operador do direito estar em "busca de qualquer coisa", mas em busca da "resposta correta", idealizada por Dworkin.
Texto e norma não se confundem, muito embora, a norma extraída do texto pelo intérprete necessita estar muito próxima daquilo que o texto pretende dizer. A mobilidade mínima onde o intérprete pode percorrer no ato de interpretar, já vem sendo defendida por Gadamer, há muito tempo. E assim como Kelsen também compreendia que não havia um modelo ideal que pudesse corrigir os problemas apresentados no ato de interpretar, a discricionariedade passa a ser aceita como uma inevitável fatalidade.
O positivismo clássico exegético foi rechaçado até por Kelsen que já se posicionava diante de um positivismo normativista. E a moldura idealizada por Kelsen é possível seu alargamento, em casos onde a própria lei apresenta clareza textual? O que se questiona é se os valores semânticos de um texto jurídico podem ser desconsiderados, em detrimento da interpretação extensiva por parte do intérprete, como vem acontecendo com o art. 86, "caput" do CPC/2015.
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LOPES, Wellen Candido. Honorários 100% - A integralidade dos honorários advocatícios na sucumbência recíproca, 1ª edição, Lura Editorial- São Paulo, 2021.