A impenhorabilidade absoluta das garantias atreladas às cédulas de crédito rural e às cédulas de produto rural
Toda a cadeia do agronegócio é de vital importância para a reestruturação de uma economia fragilizada por uma pandemia, seja através da geração de empregos diretos e indiretos nos polos agrícolas do Brasil.
terça-feira, 10 de agosto de 2021
Atualizado às 07:35
Conforme levantamento realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) 1, o produto interno bruto (PIB) do Brasil totalizou R$ 7,4 trilhões em 2020, representando um recuo de 4,1% frente ao acumulado de 2019, sendo essa a maior queda anual já registrada pelo IBGE, cuja apuração se dá desde 1996.
No entanto, e na contramão dos demais setores da economia (e.g. variações negativas de 3,5% no setor da indústria e 4,5% no setor de serviços), a agropecuária registrou uma alta de 2,0%, totalizando uma participação de 6,8% no PIB em 2020.
Ainda segundo o levantamento do IBGE, o aumento da produção da soja (7,1%), do café (24,3%) e do milho (2,7%) impactaram diretamente e positivamente nesse novo crescimento do setor agrícola, que desde o início da série histórica em 1996 apresentou redução em apenas três anos, sendo a última delas (2016) diretamente atrelada à problemas climáticos.
Já no que tange às exportações os números são ainda mais expressivos ao apontar que 48% das exportações totais do Brasil no ano de 2020 foram de produtos do agronegócio, que, sozinho, apresentou um superávit na balança comercial de US$ 87,8 bilhões 2.
Por tal ótica, os números apontados não só demonstram a força do agronegócio brasileiro, como também a fundamental importância do mercado de commodities para o desenvolvimento do país como um todo, sendo as recentes estatísticas um reflexo direto da dedicação do trabalhador do campo aliada à política de crédito rural positivada em nosso ordenamento jurídico.
Institucionalizado pela lei 4.829/65, o crédito rural caracteriza-se pelos recursos financeiros concedidos pelas instituições integrantes do Sistema Nacional de Crédito Rural 3 para aplicação exclusiva nas finalidades e condições estabelecidas no Manual de Crédito Rural 4 e instrumentalizados através dos títulos de crédito criados pelo Decreto-lei 167/67 e pela lei 10.931/04.
Sem prejuízo, e com o intuito de ampliar as alternativas de financiamento a agropecuária e reduzir o custo do crédito, as alterações trazidas pela lei 10.200/01 trouxeram uma nova fonte de recursos para o mercado, expandindo o sistema privado de financiamento do agronegócio e diminuindo o ônus do Estado mediante a possibilidade de liquidação financeira da cédula de produto rural.
Deste modo, se por um lado as leis, a política agrícola e a jurisprudência de nossos tribunais adotem severos mecanismos de proteção ao beneficiário do crédito rural (e.g. controle de taxa de juros, direito de prorrogação sem encargos da dívida rural, proteção de preço futuro e possibilidade de custeio por recursos da união de obrigações financeiras inadimplidas - Proagro), os mesmos institutos igualmente protegem àqueles que financiam o mercado de commodities.
Nesse ínterim, certamente a principal medida protetiva constituída em favor daquele que fomenta o mercado agropecuário é a impenhorabilidade absoluta dos bens atrelados às cédulas de crédito rural (Art. 69 do Decreto-lei 167/67) e as cédulas de produto rural financeira (Art. 18 da lei 8.929/94).
Com efeito, por serem instrumentos criados para fomentar a política pública do agronegócio e, consequentemente, da economia, o legislador atribuiu impenhorabilidade legal aos bens dados em garantias reais às cédulas de crédito rural e as cédulas de produto rural financeira ante a inquestionável função social que tais títulos carregam em si.
Nessa esteira, a mais recente decisão do Superior Tribunal de Justiça acerca do tema (REsp 1.327.643/RS) bem explora todo o contexto socioeconômico que circunda a emissão desses títulos, concluindo por prevalecer a impenhorabilidade dos bens a eles atrelados ainda que diante de penhora realizada para garantia de créditos trabalhistas.
Ainda segundo o entendimento dos ministros da Quarta Turma a impenhorabilidade é absoluta não só por decorrer do interesse público, mas também por estar expressamente prevista na lei sem qualquer forma de ressalva (Art. 69 do Decreto-lei 167/67 e art. 18 da lei 8.929/94), não se confundindo, portanto, com a voluntariedade do ato de constituição da garantia real.
Nesse diapasão, tratando-se de impenhorabilidade absoluta prevista em lei, a própria legislação que prevê a regra geral de preferência do crédito trabalhista (Arts. 184 e 186 do CTN) afasta os bens atrelados às cédulas de crédito rural e as cédulas de produto rural financeira do concurso de credores, fazendo prevalecer a impossibilidade de penhorá-los (Art. 832 do CPC e Art. 769 da CLT) ao excluir da execução os bens e rendas que a lei declare absolutamente impenhoráveis.
De tal sorte que, ao contrário do quanto corriqueiramente e erroneamente compreendido, a impenhorabilidade absoluta não decorre da mera existência de uma garantia real, mas sim de uma expressa previsão legal que não deixa margens para interpretação, mormente daquelas em descompasso à lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro.
Em suma, além de homenagear o princípio da isonomia, referido posicionamento caminha lado a lado com a ordem social, econômica e jurídica na medida em que atende aos fins sociais e as exigências do bem comum de estímulo ao agronegócio, mesmo que para tanto tenha que se sobrepor ao crédito trabalhista, que ainda que possa gozar de natureza alimentar, é de interesse privado.
Ao nosso ver, o julgamento proferido pela Quarta Turma da Corte Superior, mostra-se de importante avanço para a uniformização da jurisprudência atinente ao tema, ratificando-se a real intenções dos legisladores de privilegiar o interesse público e dando um longo passo para o reestabelecimento da segurança jurídica nas operações de fomento ao agronegócio.
Afinal, toda a cadeia do agronegócio é de vital importância para a reestruturação de uma economia fragilizada por uma pandemia, seja através da geração de empregos diretos e indiretos nos polos agrícolas do Brasil, seja pelo aquecimento da indústria de máquinas, insumos e processamento de produtos, como também, e principalmente, é imprescindível para o fornecimento de alimentos para a população brasileira.
3 Banco Central do Brasil, Banco do Brasil S/A, Banco da Amazônia S/A, Banco do Nordeste S/A, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), bancos estaduais e privados, caixas econômicas, cooperativas de crédito rural e sociedades de crédito, financiamento e investimentos.
4 Conjunto de normas relativas ao crédito rural aprovadas pelo Conselho Monetário Nacional e divulgadas pelo Banco Central do Brasil.
Bruno Matsubara Ferreira
Advogado do Carmona Maya, Martins e Medeiros Advogados.