A deterioração da CLT não é uma consequência exclusiva da pandemia
Diversos microempreendedores individuais são, na verdade, funcionários de outras empresas, o que indica que alguns podem estar usando a nova categoria jurídica para burlar leis trabalhistas.
segunda-feira, 9 de agosto de 2021
Atualizado em 10 de agosto de 2021 07:32
Primeiramente é necessário esclarecer que com a reforma trabalhista, em vigor desde 2017, houve a idealização de que a modernização e a flexibilização da legislação levaria à geração de novos empregos e que este seria um dos passos para a superação de parte dos problemas enfrentados pela população brasileira, como o desemprego e o baixo crescimento econômico.
Nestes quase quatro anos, a situação do mercado de trabalho, contudo, piorou, visto que os níveis de desemprego continuam altíssimos e os que são contratados estão sujeitos a condições laborais piores, com menos benefícios e salários menores.
Atualmente, o trabalhador celetista não é mais a regra, sendo, na verdade, exceção. Com o nível altíssimo de desemprego, foram criados os coworkings (espaços físicos que podem ser compartilhados por várias empresas, profissionais liberais e freelancers), uberização e os contratos flexíveis.
A reforma trabalhista retirou o caráter obrigatório da presença dos sindicatos para a realização das negociações, trouxe mudanças significativas no que concerne às férias, ao banco de horas, à terceirização de funcionário e principalmente uma maior flexibilização de negociação entre empregadores e empregados.
Somado à reforma trabalhista, desde o ano passado, o mundo enfrenta a avassaladora pandemia de Covid-19, que serviu de estímulo para mudanças importantes no mercado de trabalho.
O contingente de trabalhadores informais recebeu novo impulso, antes mesmo da crise sanitária os profissionais sem carteira assinada ou outros vínculos trabalhistas já representavam 40% da força de trabalho nacional, segundo dados do IBGE.
Com o fechamento de estabelecimentos comerciais e com a crise social/política instaurada, a procura por alternativas no mercado informal se acentuou. Figura importante neste momento econômico é o microempreendedor individual (MEI), única fonte de renda para cerca de 4,6 milhões de trabalhadores no Brasil, de acordo com estimativa do SEBRAE.
O Programa do Microempreendedor Individual foi criado justamente para ampliar a base formal da economia do país, para permitir que as pessoas ingressassem no mercado formal e passassem a desfrutar de diversos benefícios, mas já há um efeito colateral: diversos microempreendedores individuais são, na verdade, funcionários de outras empresas, o que indica que alguns podem estar usando a nova categoria jurídica para burlar leis trabalhistas.
Ademais, a contratação de microempreendedores individuais em substituição aos funcionários celetistas têm um nível de desproteção grande ao trabalhador.
Em relação ao programa de manutenção do emprego e renda, que autorizou a suspensão temporária de contratos e os cortes de jornada e salário como prevenção a demissões, há de considerar-se que a intenção foi manter a proteção aos empregos, entretanto, é flagrante a supressão de direitos trabalhistas e precarização das relações de trabalho.
Bruna Cavalcante Kauer
Bacharel em Direito pela Universidade de São Francisco (USF), desde 2005, pós-graduanda em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Faculdade Legale. Atua no escritório de advocacia Aparecido Inácio e Pereira Advogados Associados.