Vacina obrigatória e rescisão do contrato de trabalho - O dilema trabalhista do momento
Importante destacar, que o já existente STF julgou inconstitucional as medidas coercitivas de entrada forçada nas residências para vacinação compulsória.
quarta-feira, 28 de julho de 2021
Atualizado às 08:17
Afinal, pode o empregador dispensar por justa causa um funcionário que, de maneira injustificada, recusa a vacina contra a covid-19? Em nosso sentir, antes de aplicar a pena capital, a conduta patronal deve passar por uma série de tentativas de compor consensualmente o dilema. Para isso, vale a pena relembrarmos fatos históricos, as disposições legais sobre o assunto, a diminuta Jurisprudência já existente e, por fim, propor uma solução justa, diplomática e eficaz.
A história do Brasil nos remete a casos curiosos, no que se refere à vacinação obrigatória. O historiado José Murilo de Carvalho, no capítulo "O povo contra a vacina" do livro "A História do Brasil para ocupados1" define bem a situação do Rio de Janeiro naquele fatídico ano de 1904: "Com 800 mil habitantes, o Rio de Janeiro de 1904 era uma cidade perigosa. Espreitando a vida dos cariocas estava todo tipo de doenças bem como autoridades capazes de promover, sem qualquer cerimônia, uma invasão de privacidade. Tuberculose, febre amarela, peste bubônica, varíola, malária, tifo, cólera e outras enfermidades contagiosas vitimavam a população e assustavam os estrangeiros". Diante dessa terrível situação, o Presidente Rodrigues Alves, preocupado com a má-fama da capital e com o seu apelido de "Soneca", orientado pelo sanitarista Oswaldo Cruz, fez valer a lei 1.261 que tornava obrigatória a vacinação dos cariocas contra a varíola. Ato contínuo, editou-se o Decreto 5.156 que exigia comprovantes de vacinação para matrículas em escola, empregos, viagens, hospedagens, casamento e até ingresso forçado na casa das pessoas a serem vacinadas.
A medida causou a maior revolta popular ocorrida até então na cidade, conhecida como "Revolta da Vacina". Comentava-se à boca miúda que os vacinados poderiam até mesmo ficar com feições bovinas como reação à vacina. Qualquer semelhança com a mutação dos vacinados em jacarés é apenas mera coincidência pois naquele tempo o boato vinha da boca do povo, já nos dias de hoje....
Importante destacar, que o já existente STF2 julgou inconstitucional as medidas coercitivas de entrada forçada nas residências para vacinação compulsória.
Nos tempos atuais, em meio à Pandemia de covid-19, o cenário mostra que a grande maioria dos brasileiros querem e estão se vacinando. No entanto, apesar das campanhas maciças de conscientização sobre a importância da vacinação e da segurança dos imunizantes, existem pessoas que, por motivos não médicos, recusam a vacina, trazendo à tona o debate sobre a obrigatoriedade ou não da vacinação.
Primeiramente, temos que contextualizar o momento inédito vivido por nossa geração, com cerceamento constante das liberdades individuais. Em nome da proteção à saúde coletiva, impõe-se o uso de máscaras, a restrição no direito de ir e vir e a vacinação obrigatória. Nesse sentido, além de leis estaduais e municipais que regulam o funcionamento dos estabelecimentos durante a Pandemia, o Plenário do STF3 julgou constitucionais as medidas indiretas de obrigação à vacinação impostas pela lei 13.979/20: "É constitucional a obrigatoriedade de imunização por meio de vacina que, registrada em órgão de vigilância sanitária: (i) tenha sido incluída no programa nacional de imunizações; (ii) tenha sua aplicação obrigatória determinada em lei ou; (iii) seja objeto de determinação da União, Estado e municípios, com base em consenso médico-científico. Em tais casos, não se caracteriza violação à liberdade de consciência e de convicção filosófica dos pais e responsáveis, nem tampouco ao poder familiar".
Dito isso, a revolta da vacina não colocou pá de cal nas medidas governamentais restritivas para quem não quer se vacinar. O Programa Nacional de Imunizações4 estabelece uma série de sanções para os cidadãos que não respeitarem a vacinação obrigatória, dentre as quais o não recebimento do salário família, além de constituir a atitude como "infração sanitária".
Avançando sobre o ambiente empresarial, a CLT5 tem regras determinando que empregado e empregador deverão cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho, estabelecendo como ato faltoso a atitude do empregado em não observar tais normas e em não colaborar com o empregador na aplicação delas.6
Entendemos que o empregador, no exercício do seu poder diretivo, está livre para poder solicitar que seus funcionários se imunizem, como condição para permanecerem no ambiente empresarial. Para tanto, recomenda-se a inclusão de medidas protetivas contra a contaminação por covid-19 no PCMSO7 como testagem de trabalhadores, diagnóstico precoce e afastamento do local de trabalho de casos confirmados ou suspeitos, além de campanhas explicitas de conscientização sobre a importância de se vacinar, contendo esclarecimentos sobre a eficácia e segurança dos imunizantes.8
Por outro lado, o funcionário poderá optar por não se vacinar, seja por questões médicas, por convicção religiosa, filosófica ou política, temor subjetivo ou simplesmente por uma posição particular. Por óbvio, tendo o empregado um motivo de saúde, devidamente fundamentado em laudo médico, o empregador não poderá levar adiante o intento de afastar seu funcionário do ambiente empresarial pois a recusa se encontra plenamente justificada.
No entanto, sem os motivos estritamente médicos, a melhor solução nos parece ser a rescisão do contrato por acordo entre as partes, prevista no art. 484-A da CLT. Ora, de um lado temos um empregador que não deseja ter um funcionário não imunizado no ambiente empresarial pois, segundo suas convicções, tal fato apresenta riscos biológicos ao ambiente de trabalho. Por outro lado, há o empregado que não deseja seguir a orientação e as ordens diretas emanadas pela empresa, optando por não tomar a vacina. Nada mais justo do que a relação de terminar de maneira consensual. Para tanto, o empregador deverá notificar o empregado sobre a possibilidade de firmarem a rescisão por acordo.
Importante frisar que a rescisão por acordo, como o próprio nome diz, requer a concordância de ambas as partes. Logo, o empregado poderá recusar a rescisão por acordo, permanecendo na empresa sem tomar a vacina.
Nesse caso, deverá o empregador aplicar a penalidade de advertência, conferindo um prazo razoável para o funcionário se imunizar. Mantendo a conduta, deverá ser aplicada a penalidade de suspensão. Com um novo descumprimento, como medida extrema e após a busca pela solução consensual e de todas as medidas de prevenção e conscientização, poderá ser aplicada a justa causa, com fundamento no não cumprimento das regras emanadas pelo empregador, no que se refere aos cuidados relativos à segurança e medicina do trabalho, com fundamento no art. 158, II e parágrafo único, "a" e art. 482, "h" da CLT.9
Portanto, entendemos que a melhor solução para o dilema que aflige as relações trabalhistas nas circunstâncias atuais passa pela busca de um entendimento consensual e, nesse sentido, a resilição do contrato de trabalho por acordo entres partes, nos parece ser o caminho adequado e deveria anteceder a aplicação da justa causa.
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1- Figueiredo, Luciano. A História do Brasil para Ocupados, Casa da Palavra, 2013.
2- RHC 2.244, Redator para Acórdão Ministro Manoel Murtinho, DJ 31.1.1905. Rio de Janeiro; 31 jan. 1905.
3- ADI'S 6586 e 6587 e ARE 1267879
4- Lei 6.259/75
5- Arts. 157 e 158 da CLT
6- Nesse mesmo sentido o item 1.4.2 da NR 01 do então Ministério do Trabalho e art. 19 da Lei 8.213/91.
7- Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional.
8- O Grupo de Trabalho Nacional GT COVID-19 do MPT emitiu um Guia técnico em que orienta a justa causa como medida extrema, mas possível, em face da recusa injustificada à imunização.
9- O TRT da 2ª Região manteve a justa causa de uma trabalhadora hospitalar que recusou a vacinação, sem motivos médicos. No caso, o hospital réu comprovou que realizou campanhas de conscientização e, mesmo antes da justa causa, chegou a aplicar uma advertência à funcionária. Processo nº 1000122-24.2021.5.02.0472
Juliano Mansur
Advogado, sócio responsável pela área trabalhista do escritório Vieira de Castro, Mansur & Faver Advogados.