Responsabilidade de pagamento de despesas escolares por genitor que não assinou o respectivo contrato de prestação de serviços
Há muito se têm discutido acerca da possibilidade da responsabilizar os genitores pelo pagamento das despesas escolares, ainda que apenas um deles tenha assinado ao contrato de prestação de serviços, assumindo as obrigações inerentes às cláusulas contratuais.
terça-feira, 27 de julho de 2021
Atualizado em 2 de agosto de 2021 10:31
Após a análise do tema pelo Superior Tribunal de Justiça, temos, em especial, duas decisões sobre o assunto.
A primeira decisão, de relatoria do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, no Recurso especial 1.472.316 1, de São Paulo, entendeu ser possível a responsabilização de ambos genitores para o pagamento de mensalidades escolares de serviços prestados em benefício de filho em comum, ainda que o contrato tenha sido assinado por um deles.
A segunda decisão, de relatoria do Ministro Luís Felipe Salomão, no Recurso especial 1.444.511 2, também de São Paulo, entendeu não ser possível a inclusão do outro genitor polo passivo de processo, onde também estava sendo cobrada mensalidades escolares de filho em comum.
Sendo assim, em alusão à similitude dos temas combatidos nas duas decisões e os resultados, em primeira vista, dicotômicos, o artigo tem o enfoque de analisar a aplicabilidade e prevalência dos fundamentos de cada decisão abordando a possibilidade da responsabilidade dos genitores ao pagamento das mensalidades escolares.
1. Breves considerações sobre a solidariedade
No âmbito cível, segundo Prof. Caio Mário da Silva Pereira, há solidariedade quando, na mesma obrigação, concorre pluralidade de credores, cada um com o direito à dívida toda, ou pluralidade de devedores, cada um obrigado a ela por inteiro 3.
Sobre a solidariedade, é imprescindível enfatizar, à luz do art. 265, do Código Civil, a impossibilidade de presunção, devendo ser resultante da vontade das partes ou por força de dispositivo legal.
Além de ativa e passiva, que consiste na figura do credor ou devedor, existem três modalidades de solidariedade, 1. Pura ou simples; 2. Condicional; 3. A termo.
A primeira modalidade de solidariedade, pura ou simples, constitui na obrigação independente de condição, termo ou encargo.
No tocante a solidariedade condicional, há a necessidade de operar alguma condição para que a responsabilidade alcance o corresponsável, nesse cenário é comum haver um responsável principal e outro subsidiário, que dependerá da condição para concorrer na solidariedade.
A última, raramente vista, é aquela cujo efeito está subordinado a evento futuro.
Usualmente, no âmbito dos processos judiciais, é mais comum vermos situações de solidariedade passiva pura e condicional, conhecidas por responsabilidade solidária e responsabilidade subsidiária, a primeira na obrigação concomitantemente e ilimitada ao pagamento do débito, já a segunda condicionada ao exaurimento da cobrança em desfavor contra o devedor originário.
Além do Código Civil, há várias hipóteses de solidariedade dispostas em outras legislações, tais como o Código de Defesa do Consumidor, Código Tributário Nacional e nas Consolidações das leis Trabalhistas.
2. Da responsabilidade na criação dos filhos em comum
É incontestável que o ordenamento jurídico brasileiro estabelece diversos deveres e responsabilidades inerentes aos filhos, inclusive com previsão na Constituição Federal 4, do dever dos pais em assistir, criar e educar seus filhos menores.
Não apenas na Constituição, outras legislações emanam direitos e deveres aos pais perante seus filhos menores ou incapazes.
Dentre os direitos, deveres e obrigações, restringiremos aos inerentes à responsabilidade pelos estudos e pela economia doméstica.
Economia doméstica constitui as obrigações assumidas para a administração do lar e na satisfação das necessidades familiares, inclusive na manutenção dos filhos, consequência do artigo 1.566, III e IV, do Código Civil, que estabelece o dever de mútua assistência e sustento, guarda e educação dos filhos.
Além disso, o artigo 1.644, do Código Civil, a responsabilidade solidária entre os cônjuges, no tocante às obrigações contraídas pela Economia doméstica.
Oportunamente, por força do artigo 1.632, do Código Civil, aplica-se o Artigo 1.644, do Código Civil, relação entre pais e filhos as obrigações da Economia doméstica, referente ao dever de guarda e educação dos filhos, independente a subsistência do vínculo matrimonial, pois restará inalterado o Poder familiar.
Ademais, também há previsão da responsabilidade solidária, independente de vínculo matrimonial, no Artigo 22, do Estatuto da Criança e do Adolescente. Confira-se:
Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações legais.
Parágrafo único. A mãe e o pai, ou responsável, têm direito iguais e deveres e responsabilidades compartilhados no cuidado e na educação da criança, devendo ser resguardado o direito de transmissão familiar de suas crenças e cultura, assegurando os direitos da criança estabelecidos nesta lei.
3. Análise dos Recursos Especiais 1.472.316 e 1.444.511
Os Recursos especiais que servem como paradigma são similares no tocante a matéria de responsabilidade, considerando que, ambos os casos o débito está insculpido em nome de apenas de um dos pais e a pretensão do credor é alcançar o acervo patrimonial do outro, não inscrita no título exequendo.
Em ambos votos, dos MM. Ministros Relatores, estão insculpidos de exímio brilhantismo, tanto para o deferimento como no indeferimento da medida de alcançar o património em ambos pais do menor beneficiário pela prestação dos serviços escolares.
Contudo, diante da extensão dos votos, consigna-se apenas as ementas dos Acórdãos.
Recurso Especial 1.472.316/SP:
RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. MENSALIDADES ESCOLARES. DÍVIDAS CONTRAÍDAS EM NOME DOS FILHOS DA EXECUTADA. AUSÊNCIA DE
BENS EM NOME DA MÃE PARA A SATISFAÇÃO DO DÉBITO. PRETENSÃO DE INCLUSÃO DO PAI NA RELAÇÃO JURÍDICA PROCESSUAL. POSSIBILIDADE. LEGITIMIDADE EXTRAORDINÁRIA DO RESPONSÁVEL
SOLIDÁRIO PELO SUSTENTO E PELA MANUTENÇÃO DO MENOR MATRICULADO EM ENSINO REGULAR. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. ATRAÇÃO DO ENUNCIADO 284/STF.
1. Controvérsia em torno da possibilidade de, no curso de execução extrajudicial baseada em contrato de prestação de serviços educacionais firmados entre a escola e os filhos do recorrido, representados nos instrumentos contratuais apenas por sua mãe, diante da ausência de bens penhoráveis, ser redirecionada a pretensão de pagamento para o pai.
2. A legitimidade passiva ordinária para a execução é daquele que estiver nominado no título executivo.
3. Aqueles que se obrigam, por força da lei ou do contrato, solidariamente à satisfação de determinadas obrigações, apesar de não nominados no título, possuem legitimidade passiva extraordinária para a execução.
4. Nos arts. 1.643 e 1644 do Código Civil, o legislador reconheceu que, pelas obrigações contraídas para a manutenção da economia doméstica, e, assim, notadamente, em proveito da entidade familiar, o casal responderá solidariamente, podendo-se postular a excussão dos bens do legitimado ordinário e do coobrigado, extraordinariamente legitimado.
5. Estão abrangidas na locução "economia doméstica" as obrigações assumidas para a administração do lar e, pois, à satisfação das necessidades da família, no que se inserem as despesas educacionais.
6. Na forma do art. 592 do CPC/73, o patrimônio do coobrigado se sujeitará à solvência de débito que, apesar de contraído pessoalmente por outrem, está vocacionado para a satisfação das necessidades comuns/familiares.
7. Os pais, detentores do poder familiar, tem o dever de garantir o sustento e a educação dos filhos, compreendendo, aí, a manutenção do infante em ensino regular, pelo que deverão, solidariamente, responder pelas mensalidades da escola em que matriculado o filho.
8. Possibilidade, assim, de acolhimento do pedido de inclusão do genitor na relação jurídica processual, procedendo-se à prévia citação do pai para pagamento do débito, desenvolvendo-se, então, regularmente a ação executiva contra o coobrigado.
9. Doutrina acerca do tema. 10. RECURSO ESPECIAL EM PARTE CONHECIDO E PROVIDO. (REsp 1472316/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, DJe 18/12/2017)
Recurso especial 1.444.511/SP:
RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO JUDICIAL. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS EDUCACIONAIS. CONTRATO FIRMADO APENAS PELO PAI DOS MENORES BENEFICIÁRIOS. PRETENSÃO DE REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO PARA O PATRIMÔNIO DO OUTRO CÔNJUGE. OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA DOS PAIS PELAS DESPESAS COM EDUCAÇÃO DOS FILHOS. ECONOMIAS DOMÉSTICAS. PODER FAMILIAR QUE FUNDAMENTA A OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA, MAS É INSUFICIENTE PARA A RESPONSABILIZAÇÃO PATRIMONIAL DE AMBOS OS CÔNJUGES.
LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO.
1. No âmbito do poder familiar estão contidos poderes jurídicos de direção da criação e da educação, envolvendo pretensões e faculdades dos pais em relação a seus filhos, correspondentes a um encargo privado imposto pelo Estado, com previsão em nível constitucional e infraconstitucional.
2. As obrigações derivadas do poder familiar, contraídas nessa condição, quando casados os titulares, classificam-se como necessárias à economia doméstica, sendo, portanto, solidárias por força de lei e inafastáveis pela vontade das partes (art. 1644, do CC/2002).
3. Nos casos de execução de obrigações contraídas para manutenção da economia doméstica, para que haja responsabilização de ambos os cônjuges, o processo judicial de conhecimento ou execução deve ser instaurado em face dos dois, com a devida citação e formação de litisconsórcio necessário.
4. Nos termos do art. 10, § 1º, III, CPC/1973 (art. 73, § 1°, CPC/2015), se não houver a citação de um dos cônjuges, o processo será valido e eficaz para aquele que foi citado, e a execução não poderá recair sobre os bens que componham a meação ou os bens particulares do cônjuge não citado.
5. Há litisconsórcio necessário quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes". Nesses casos, a eficácia da sentença dependerá da citação de todos os litisconsortes no processo.
6. Recurso especial não provido.
(REsp 1444511/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 11/02/2020, DJe 19/05/2020)
Debruçando, primeiramente, nos fundamentos do primeiro Acórdão, do Excelentíssimo Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, denota-se o enfoque na caracterização dos débitos escolares como dívida da economia familiar onde, por força de diversos dispositivos do Código Civil, do Estatuto da Criança e dos Adolescente e da Constituição Federal, que culminou no reconhecimento da responsabilidade do pai do menor, nos seguintes temos:
O pedido, pois, de redirecionamento da execução movida contra o patrimônio do pai do menor, esposo da contraente, tendo em vista a responsabilidade solidária atribuída no art. 1.644 do CCB - que há de alcançar as despesas havidas com a educação dos filhos -, merece acolhimento.
Além disso, esclareceu, na hipótese de inexistir matrimônio entre os genitores, a responsabilidade também advinda do Poder familiar. Confira-se:
Essa mútua responsabilidade, própria das dívidas contraídas por apenas um dos pais para o sustento do filho, não deixa de estar presente pelo fato de a dívida ter sido contraída posteriormente à separação/divórcio, pois é no poder familiar que ela encontra sua gênese.
Poder-se-á, sim, no curso da execução, esclarecer se genitor que não é nominado no título não mais possui poder familiar, ou alguma outra situação excepcional em que possa sustentar a ausência de responsabilidade, mas, caso contrário, entendo, deverá ser chamado a adimplir com as dívidas contraídas em favor do seu filho.
Ademais, acerca do Segundo Acórdão, é importante destacar a transcrição de trechos do Primeiro Acórdão.
Após a transcrição, o Excelentíssimo Ministro Relator, Dr. Luís Felipe Salomão, destacou a concordância com o posicionamento do Ministro Paulo de Tarso, na existência da responsabilidade entre os pais para responder com as despensas. Confira-se:
É bem verdade que é dever de ambos os pais garantir o sustento e a educação dos filhos, exercício maior do poder familiar, pelo que deverão, igualmente, responder pelas despesas necessárias para o alcance desse mister.
Posteriormente, enfatiza a unanimidade do posicionamento doutrinário, sobre a responsabilidade, nos seguintes termos:
De fato, é unânime a doutrina em reconhecer que a situação prevista no art. 1644 do Código Civil apresenta típica hipótese de solidariedade instituída por força de lei, impossível de ser afastada pela vontade das partes. Esse dispositivo deve ser interpretado de forma sistemática e, por isso, deve ser lido em conjunto com o art. 1664, o qual estatui que "os bens da comunhão respondem pelas obrigações contraídas pelo marido ou pela mulher para atender aos encargos da família, às despesas de administração e às decorrentes de imposição legal".
Com isso, somos levados ao questionamento, se houve concordância acerca da responsabilidade, qual a motivação do fim distinto entre os Acórdãos?
A questão revela-se unicamente processual.
Para tanto, cumpre enfatizar a distinção mais importante entre as duas situações, a existência de distinção entre os processamentos na instância de piso, pois os títulos executivos são distintos, sendo o primeiro título executivo extrajudicial, onde restou deferida a inclusão, mas, o segundo título executivo judicial, onde restou indeferida essa hipótese.
Em vista disso, é imprescindível a transcrição da parte final do voto do Excelentíssimo Ministro Luís Felipe Salomão:
Conforme já assinalado, penso que o CPC de 1973 e o de 2015 consideram que, não havendo citação de ambos os cônjuges no processo de formação do título executivo, ainda que se trate de dívida solidária, impossível será a constrição do patrimônio do cônjuge não intimado para dele participar. Registro, por fim, que não se pretende concluir que o cônjuge/genitor, que figura no contrato de prestação de serviços educacionais retira do outro a obrigação pelas dívidas contraídas dessa natureza. Há, desenganadamente, a obrigação solidária, que deriva da norma material, mas que deve preencher determinadas formalidades para ser cobrada, de modo a garantir o devido processo legal.
4. Conclusão
Após a análise um pouco mais aprofundada ao caso, fica evidente a concordância entre os dois Acórdãos, possibilitando a responsabilização do(a) cônjuge/genitor(a) solidariamente ao pagamento das mensalidades escolares de contrato firmado em benefício de filho em comum.
Além disso, sob o prisma do Acórdão 1.472.316/SP, de Relatoria do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, em ação de título executivo extrajudicial, é possível o reconhecimento da responsabilidade solidária extraordinária do(a) cônjuge/genitor(a) durante o curso da execução.
Por outro lado, no aspecto do Acórdão 1.444.511/SP, de Relatoria do Ministro Luís Felipe Salomão, não é cabível o reconhecimento da responsabilidade solidária extraordinária após a constituição do título executivo judicial, consequentemente, tal responsabilidade deve ser conhecida durante o processo de conhecimento, inclusive com a finalidade de garantir o devido processo legal.
Por esses termos, conclui na inexistência de entendimentos confrontantes entre os Acórdãos, pelo contrário, os fundamentos se completam para indicar o meio correto para o reconhecimento da responsabilidade solidária extraordinária, a depender de cada tipo de processo.
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1 Disponível aqui.
3 PEREIRA, Caio Mário da Silva, Instituições de direito civil. Rio de Janeiro, Ed. Forense. 2006, p. 91.
4 Artigo 229, da Constituição da República Federativa do Brasil.