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O excessivo uso de medidas provisórias para autorizar a abertura de créditos extraordinários

O uso de MPs por parte do Poder Executivo atende mais aos interesse do Executivo ou Legislativo?

segunda-feira, 26 de julho de 2021

Atualizado às 10:40

(Imagem: Arte Migalhas)

Com a aprovação da Constituição Federal de 1988, a abertura do crédito extraordinário passou a ser veiculada por meio de medida provisória expedida pelo chefe do poder executivo, não mais prevalecendo os mandamentos contidos na lei no 4.320/64, entretanto, lançar mão de medida provisória para abertura de crédito extraordinário, a fim de cobrir gastos previsíveis, configura autêntico desvio de finalidade conforme (ROCHA, MARCELINO, SANTANA, 2012).

Os créditos extraordinários são abertos por MP no caso federal, nos demais entes subnacionais que possuem tal instrumento em suas Constituições, e por decreto do Poder Executivo, que devem dar ciência imediata dos mesmos ao Poder Legislativo. 

Para o Supremo Tribunal Federal (STF), no âmbito da ação direta de inconstitucionalidade, o uso de MPs pelo chefe do Poder Executivo para abrir crédito extraordinário deve acontecer quando ocorrer um estado de necessidade que obrigue o Estado a adotar providências imediatas de caráter legislativo, inalcançáveis conforme as regras ordinárias do ato de fazer leis, em face do prolongamento de tempo ou que fatalmente decorreriam do atraso na concretização da prestação legislativa.

A banalização da utilização de MPs pelo Governo Federal para fixar gastos públicos é um procedimento condenado pelo parlamento e, mais recentemente, pelo Poder Judiciário por meio da ADIN 4.048/2008.

Mesmo assim, o Executivo, em muitos casos, utiliza a edição de Medidas Provisórias (MPs), que são mais céleres, argumentando urgência e imprevisibilidade, entretanto essa pratica possui aspectos negativos, entre eles o aumento dos riscos de ocorrência da malversação do dinheiro público. Isso por que no período da tramitação da MP existe a possibilidade do relator fazer alteração no conteúdo de acordo com sua bancada ou conveniência, aliás, o relator na nossa avaliação é um pequeno Deus, porque pode, inclusive, incluir os chamados jabutis porque não tem um regramento que o impeça de fazê-lo, o que define se vai ser aprovado ou não são os acordos entre legislativo, executivo e chamada base do governo.

A extensa utilização de MPs é defendida pelo Poder Executivo por causa da celeridade que traz ao processo decisório, pela quase certeza da aprovação da política pretendida, pela impressão de governabilidade e presteza que confere às ações do Executivo. Nota-se o aumento com grande intensidade na definição de despesas obrigatórias de caráter continuado, renúncias de receitas, despesas correntes e, apesar do discurso do Executivo a favor do controle dos gastos públicos.

Se você fizer um levantamento dentro das matérias orçamentarias verificará que houve aumento das despesas primárias, promovida pela edição de MPs, e que essa ação afeta, de forma direta, as metas fiscais dos exercícios financeiros.

O processo orçamentário é fundamental para a consecução das ações do Estado e possui a possibilidade da utilização de mecanismos retificadores. O Projeto de lei do Congresso Nacional (PLN) é uma proposição destinada a dispor sobre matéria orçamentária de iniciativa exclusiva do chefe do Poder Executivo, analisada pela Comissão Mista de Orçamento (CMO), que sobre ela emitirá parecer, e apreciada pelo Congresso Nacional. No entanto, devido à inexatidão de ajustes na programação financeira, assim como em decorrência do descompasso que existe entre o período de elaboração do orçamento e a sua execução efetiva, podem acontecer episódios que não foram previstos na confecção da peça orçamentária e que devem ser absorvidos no orçamento do exercício.

Tais episódios são descritos por Pires (2002) como falhas ou omissões, e, para corrigi-los, é essencial lançar mão dos denominados mecanismos retificadores do orçamento. Esses mecanismos retificadores são conhecidos como Créditos Adicionais e são previstos na lei 4.320/64 e na Constituição. Os créditos adicionais podem ser classificados, conforme art. 41 da lei 4.320/64, como:

a) suplementares - aqueles destinados ao reforço de dotação orçamentária já existente.

Os créditos suplementares por serem destinados a atender insuficiências no orçamento, com este se confundem, acompanhando a sua vigência, ou seja, extinguem-se no final do exercício (art. 45 da lei 4.320/64).

b) especiais - os destinados a despesas para as quais não haja dotação específica;

A abertura dos créditos suplementares e especiais depende da existência de recursos disponíveis para atender à despesa, e será precedida de exposição justificada (art. 43 da lei 4.320/64). Os créditos suplementares por serem destinados a atender insuficiências no orçamento, com este se confundem, acompanhando a sua vigência, ou seja, extinguem-se no final do exercício (art. 45 da lei 4.320/64)

c) extraordinários - os destinados a atender despesas urgentes e imprevistas, em caso de guerra, comoção interna ou calamidade pública.

O crédito extraordinário representa um dos mais antigos modos dos instrumentos de ajuste orçamentário do Direito Orçamentário do Brasil, sendo as primeiras referências a sua utilização insertas em atos do tempo do Império. Esse instrumento emergiu ao lado dos créditos suplementares, destes distinguindo-se pela exigibilidade dos pressupostos de imprevisibilidade e urgência. (SANCHES, 2000)

De acordo com uma pesquisa realizada pelo TCU, UNB e UFGO, (ROCHA, MARCELINO E SANTANA, 2012) intitulada Orçamento Público no Brasil: A Utilização do Crédito Extraordinário como Mecanismo De Adequação da Execução Orçamentária Brasileira, publicada em 2012, que buscou identificar e analisar as razões e os principais fatores que levam o Governo Federal a utilizar sistematicamente o crédito extraordinário, e também levantar o entendimento existente quanto ao significado dos pressupostos constitucionais da imprevisibilidade e da urgência, além de avaliar a aderência dos créditos extraordinários abertos a esses pressupostos, apurou-se que o termo imprevisibilidade estaria relacionado a um evento que foge à capacidade humana de prever uma situação anômala, excepcional e inesperada.

Quanto à expressão urgência, o seu significado foi descrito como uma necessidade de ação rápida e imediata do Estado para fazer frente a despesas inadiáveis. Ainda com base nessa mesma pesquisa, apurou-se que praticamente 100% dos créditos extraordinários abertos por medida provisória entre 1995 e 2010 não obedeceram aos requisitos constitucionais da imprevisibilidade e da urgência. Apenas nos anos de 2000 e 2009 é que esse percentual ficou abaixo de 96%. Esse resultado corroborou o sentimento do STF de que os pressupostos da imprevisibilidade e da urgência não estariam sendo observados na abertura de créditos extraordinários. Essa desobediência é preocupante na medida em que pode configurar crime de responsabilidade praticado pelo Presidente da República por atentar contra a lei orçamentária, como previsto no artigo 85, inciso VI, da CF de 1988. Por fim constatou-se, ainda, forte influência política na alocação dos recursos públicos em detrimento a um processo de escolha que possuísse bases racionais, bem como indícios da prática do orçamento repetitivo, descritos por Caiden e Wildavisky (2003). (ROCHA, MARCELINO E SANTANA, 2012)   

Assim, com base na pesquisa citada, consultas e analises feita no site da Comissão Mista de Orçamento, é possível afirmar que os envios dessas MP's acabam sendo utilizado como margem de manobras e acordos entre o Executivo e o Legislativo, claro, com a anuência de algumas bancadas de parlamentares da situação que se beneficiam desses mecanismos para encher suas bases eleitorais de recursos voluntários (extraordinários).

Para finalizar vale pontuar que os créditos extraordinários não são alcançados pela EC 95/2016 (Teto de Gastos). Esse Novo Regime Fiscal impôs uma série de limitações aos gastos públicos pelas próximas duas décadas, estabelecendo novas formas de cálculo e fixando limites do que poderão ser gastos pelos órgãos e poderes abrangidos. Esse novo Regime Fiscal impôs limites apenas para as primárias, entendidas como aquelas que modificam o resultado primário, alterando o endividamento líquido do governo no exercício correspondente. As despesas primárias se referem aos gastos com pessoal, previdência social, saúde, educação, assistência social, entre outros. As financeiras, que não afetam o resultado primário e servem para o pagamento de juros e amortização da dívida pública, estão excluídas das limitações da Emenda.

De acordo com estudo feito em 2017 pelo Tribunal de Contas do Ceará, concluiu-se que os créditos extraordinários, não se incluem nos limites da EC 95/16, por serem uma categoria que não admite restrições financeiras. Mas há que se considerar, no entanto, que a intenção do constituinte de retirar tais dispêndios da contenção imposta pela EC pode representar uma ameaça às contas públicas, já que os créditos extraordinários representariam uma forma "fácil" de escape aos limites estabelecidos.

Conceição de Maria Silva Coser

Conceição de Maria Silva Coser

Chefe de Gabinete e Assessora de Orçamento na Câmara dos Deputados, Administradora, Especialista em Avaliação de Políticas Públicas (ISC/TCU), pós-graduanda em Orçamento Público (ILB)

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