Criptomoedas no Brasil: Mercado crescente e regulamentação
Essas operações passaram a integrar a balança comercial brasileira, ou seja, as estatísticas nacionais de exportação e importação de bens começam a incluir compras e vendas de criptoativos.
sexta-feira, 23 de julho de 2021
Atualizado às 08:10
Apesar da alta volatilidade, não se pode negar o crescimento das criptomoedas no Brasil nos últimos anos. De novembro de 2020 até o momento, houve valorização de mais de 100% das criptomoedas no país1, ressalva feita à recente perda de valor repentina ocorrida nos últimos dias, como consequência da interferência do Governo Chinês no mercado bancário e de pagamentos daquele País. Assim, a despeito de recente declaração do presidente do Banco Central do Brasil (BACEN) que, em 24 de maio de 2021 afirmou que é "irrelevante criar regras para criptoativos"2, existem várias tentativas de regulamentação das criptomoedas no país, por iniciativa de diversas autoridades públicas.
Mas, afinal, o que temos hoje no Brasil em termos de regulação de criptoativos?
BACEN
A primeira manifestação relevante sobre o tema veio justamente do BACEN, em 2014, no Comunicado 25.306 de 19/2/2014, indicando os riscos envolvidos na aquisição e transações com moedas virtuais e também deixando claro que estas moedas não devem ser confundidas com dinheiro eletrônico.
Já em novembro de 2017, o BACEN emitiu a Declaração Pública 31.379, que apontou a falta de leis a respeito das operações realizadas com moeda virtuais e reiterou os riscos relacionados a essas operações, por não serem devidamente regulamentadas e/ou supervisionadas. Ainda, em agosto de 2019, o BACEN oficialmente reconheceu os criptoativos como "ativos não financeiros produzidos" e a mineração de criptoativos como um "processo produtivo". A partir daí, essas operações passaram a integrar a balança comercial brasileira, ou seja, as estatísticas nacionais de exportação e importação de bens começam a incluir compras e vendas de criptoativos.
Recentemente, em 3 de março de 2021, o BACEN emitiu a Resolução BCB 77/20213, instituindo o Comitê Estratégico de Gestão do Sandbox Regulatório (CESB) e divulgou sua regulamentação. Tal regulamento não descreve o escopo das empresas às quais pode se aplicar, mas é possível que o sandbox resulte na criação do primeiro criptoativo regulado no Brasil. Tanto essa é uma realidade, que a Mercado Bitcoin, uma exchange, apresentou ao BACEN uma proposta de regulação nesse sentido4.
Estamos no Ciclo 1 do sandbox regulatório do BACEN, que irá priorizar a aprovação de projetos que tratem, entre outros temas (a) soluções para o mercado de câmbio; (b) promoção do mercado de capitais através de mecanismos de sinergia com o mercado de crédito; (c) promoção da concessão de crédito a microempresários e pequenas empresas; (d) soluções financeiras e de pagamento com efeitos potenciais de estimular a inclusão financeira. Os projetos serão selecionados pelo BACEN até 23 de setembro de 20215 e a lista de aprovados certamente poderá incluir projetos sobre criptoativos ou criptomoedas.
CVM
Paralelamente, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) também tem tentado administrar o surgimento das criptomoedas. Até o momento, a Autarquia emitiu pelo menos três (3) Notas Públicas relevantes entre 2017 e 2018 e um Ofício Circular 1/2021-CVM/SRE6, em março de 2021.
Esse último documento consolidou as Notas Públicas anteriormente emitidas pela Superintendência de Registro de Títulos (SRE) e lança diretrizes gerais sobre como cumprir as regras que regem as ofertas públicas de valores mobiliários, incluindo initial coin offerings (ICO). Nele, a CVM reiterou a definição de ICO, "compreendidas como captações públicas de recursos, tendo como contrapartida a emissão de ativos virtuais, também conhecidos como tokens ou coins, junto ao público investidor".
Desse modo, ficou claro que a CVM entende que ativos virtuais (tokens ou coins) podem ser considerados valores mobiliários e, portanto, a respectiva ICO desses ativos poderá consistir em captação pública de recursos e, como resultado, estará sujeita ao registro perante a CVM e fiscalização pela Autarquia, nos termos da Instrução CVM 400/2003 ou, alternativamente, à Instrução CVM 588/2017.
Adicionalmente, esse ano a CVM tomou duas atitudes no sentido de recepcionar os criptoativos no mercado de valores mobiliários brasileiro:
(i) em março de 2021, a CVM autorizou o primeiro fundo de índice de criptoativos (ETF) do mundo a ser negociado no Brasil. Trata-se do Hashdex Nasdaq Crypto Index, o primeiro ETF deste tipo no Brasil e replicará o Nasdaq Crypto Index (NCI), composto pelas seguintes criptomoedas: Bitcoin, Ethereum, Stellar, Litecoin, Bitcoin Cash e Chainlink; e
(ii) após um amplo debate no mercado brasileiro ao longo de 2019, a CVM estabeleceu as primeiras diretrizes para o funcionamento de seu sandbox regulatório7, uma plataforma de testes no qual fintechs e outras empresas poderão, por exemplo, emitir tokens e/ou criptomoedas dentro de um ambiente regulado.
Projetos de Lei
Existem atualmente pelo menos 5 (cinco) projetos de lei relevantes relacionados com a regulamentação de criptoativos no Brasil. Os dois primeiros são PL 2.303/158 e o PL 2.060/199 que tratam, respectivamente, da inclusão de moedas virtuais como arranjos de pagamento pelo BACEN e sobre a criação de um regime jurídico para os criptoativos.
Além dos supracitados, existem outros três Projetos de Leis, todos apensados. O primeiro deles é o PL 3.825/1910, que propõe a regulação do mercado de criptoativos; o segundo, é o PL 3.949/19, que cria condições para o funcionamento das exchanges de criptoativos)11; o último é o PL 4.207/2012, que estabelece normas para emissão de moedas e outros ativos virtuais.
Como se vê, os Projetos de Lei em andamento sobre o tema se prestam a regular o mercado de criptoativos ou a atividades das exchanges, sem as quais esse mercado não sobrevive. No entanto, esses projetos estão em uma etapa inicial e não é possível estimar qualquer prazo para votação (inclusive, eles podem ser anexados a outros Projetos de Lei no Congresso ou materialmente alterados durante este processo).
Conclusão
Por todo o exposto, são notórias as diversas tentativas de regulamentação das criptomoedas pelas Autoridades Nacionais. Além das iniciativas acima indicadas, cabe destacar que em 2021 a Receita Federal criou códigos específicos para declaração de criptomoedas no Imposto de Renda. Assim, embora incipientes, a demanda por criptomoeda aumentou e sua possível regulamentação é um tema de extrema relevância, com prós e contras.
Por um lado, a ausência de regulação traz alguns revezes, como a dificuldade de se executar contratos de investimento em criptomoedas. A jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo, por exemplo, não aceita criptomoedas como garantia nas execuções13 e rejeita esses ativos quando o devedor dispõe de outros bens passíveis de penhora14. A justificativa é a sua ausência de liquidez e a incerteza sobre a titularidade desses ativos, ambos resultantes, no entendimento do Judiciário, da falta de regulamentação do tema no Brasil.
A falta de regulação do tema também não contribui para evitar que aconteçam novos escândalos como o do cancelamento irregular de contas de exchanges brasileiras por instituições financeiras, com potencial de causar infrações à ordem econômica15.
Todavia, fato é que as iniciativas recentes de regulação impactaram negativamente nas cotações desses ativos, já que as criptomoedas foram criadas para ser um meio de pagamento online que não necessita passar por instituições financeiras16. Ou seja, em tese, as criptomoedas são um meio de pagamento à margem da interferência estatal, razão pela qual as notícias de regulamentação impactam o mercado e provocam quedas em sua cotação.
Assim, o que nos parece adequado seria uma regulação mínima, criada apenas para estabelecer uma segurança jurídica para exchanges e investidores sem interferência drástica nessas transações a ponto de desencorajar a utilização dos criptoativos.
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1- Fonte.
2- Disponível aqui.
3- Disponível aqui. Acesso em 10 jun. 2021
4- Disponível aqui. Acesso em 10 jun. 2021.
5- Disponível aqui. Acesso em 09 jun. 2021.
6- Disponível aqui. Acesso em 09 jun. 2021
7- O sandbox regulatório da CVM foi criado pela Instrução Normativa nº 626 ("IN No. 626/2020"). A IN No. 626/2020 entrou em vigor em 1º de junho de 2020
8- Disponível aqui.
9- Disponível aqui.
10- Disponível aqui.
11- Disponível aqui.
12- Disponível aqui.
13- Como exemplo, vejamos a ementa a seguir: Agravo de Instrumento - Execução de sentença - Honorários advocatícios - Garantia do juízo - Oferta de criptoativos à penhora - Recusa motivada do Estado - Bem não regulamentado pelos órgãos competentes e não listado no art. 835 do CPC - Existência de veículos de propriedade da executada - Ausência de certeza quanto à titularidade da criptomoeda - Possibilidade de saque e depósito do valor integral do débito - Precedentes desta C. 2ª Câmara que vão em sentido contrário ao da pretensão da executada - Recurso desprovido.
(TJSP; Agravo de Instrumento 2061313-93.2021.8.26.0000; Relator (a): Luciana Bresciani; Órgão Julgador: 2ª Câmara de Direito Público; Foro Central - Fazenda Pública/Acidentes - 13ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 15/04/2021; Data de Registro: 15/04/2021)
14- Como exemplo, vejamos a ementa a seguir: Agravo de instrumento. Contrato de investimento e negociação de bitcoins e criptomoedas. Ação de restituição de valores com pedido de indenização por danos morais. Desconsideração das personalidades jurídicas das empresas demandadas. Arresto de bens imóveis de propriedade de um dos sócios. Pedido de desbloqueio deferido. Existência de veículos suficientes a garantir eventual execução judicial. Recurso que esbarra no limite da decisão agravada. Defeso à Superior Instância conhecer de outras questões não apreciadas pelo juízo de origem, sob pena de supressão de grau de jurisdição. Recurso não provido.
(TJSP; Agravo de Instrumento 2111034-14.2021.8.26.0000; Relator (a): Cesar Lacerda; Órgão Julgador: 28ª Câmara de Direito Privado; Foro de Indaiatuba - 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 01/06/2021; Data de Registro: 01/06/2021)
15- O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) instaurou inquérito administrativo para apurar denúncia feita peça Associação Brasileira de Criptomoedas e Blockchain (ABCB) sobre encerramento discriminatório de contas de exchanges, a qual acusa instituições financeiras de condutas anticoncorrenciais em detrimento das corretoras de criptoativos. Em decorrência dos indícios considerados presentes no processo, a Conselheira do órgão, Lenisa Rodrigues Prado, entendeu pertinente a instauração de processo administrativo por infrações à ordem econômica.
Disponível aqui.
16- Disponível aqui.
Ricardo Barretto Ferreira da Silva
Sócio sênior e coordenador da área de TMT - Tecnologia, Mídia e Telecomunicações e Proteção de Dados do escritório Azevedo Sette Advogados.
Juliana Gebara Sene Santos Ikeda
Coordenadora de PI & Life Sciences da equipe de TMT do escritório Azevedo Sette Advogados.
Mariana de Carvalho Rici
Advogada em Proteção de Dados e Privacidade no escritório Azevedo Sette Advogados Associados.
Isabella da Penha Lopes Santana
Advogada de Proteção de Dados e Privacidade no escritório Azevedo Sette Advogados Associados.