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O cumprimento desmembrado de decisões judiciais contra a Fazenda Pública: dos precedentes do STJ ao entendimento do STF na ADI 4296 e no tema 045/RERG/STF

O texto pretende analisar aspectos ligados à resolução parcial de mérito nas causas promovidas em desfavor da Fazenda Pública e suas consequências processuais.

terça-feira, 20 de julho de 2021

Atualizado às 11:54

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Neste ensaio, pretendo enfrentar aspectos ligados à resolução parcial de mérito nas causas promovidas em desfavor da Fazenda Pública, especialmente em relação ao desmembramento do objeto e do sistema de cumprimento de decisões judiciais.

Os questionamentos ligados à possibilidade de desmembramento do objeto litigioso nas causas em desfavor da Fazenda Pública ganham maior relevância quando se discute a possibilidade de cumprimento provisório de pronunciamento judicial, especialmente nos casos envolvendo pagamento de quantia.

Duas premissas devem ser apresentadas: a) a remessa necessária impede, em regra, o cumprimento da decisão judicial (art. 496, do CPC), exceto nos casos em que é possível a geração de efeitos imediatos e/ou quando é concedida tutela provisória no próprio ato decisional; b) nas causas envolvendo pagamento de quantia, o cumprimento será feito por meio de Precatório Requisitório ou Requisição de Pequeno Valor, nos termos do art. 100, da CF/88. 

Ademais, é necessário indagar: a) a resolução parcial de mérito é cabível contra a fazenda pública em relação às condenações pecuniárias? b) será possível o cumprimento (provisório ou definitivo) de tal capítulo de mérito (art. 356 do CPC/15) em desfavor do ente público, considerando o tratamento constitucional da matéria?

Uma coisa é certa: a resolução de parte do mérito com imputação de natureza pecuniária (julgamento antecipado parcial de mérito) é passível de agravo de instrumento (arts. 356, §5º c.c 1015, II, do CPC/15). Outrossim, estando a decisão sujeita à remessa necessária (nos casos em que esta é cabível- art. 496, do CPC), não pode ser determinado o cumprimento da ordem antes da confirmação da decisão pelo respectivo Tribunal, sob pena de não ser atendido o ditame constitucional que indica a necessidade de trânsito em julgado.

Logo, visando uma interpretação conforme a Constituição, é necessário ampliar o conceito previsto no art. 100 da CF/88, para permitir o cumprimento de decisão interlocutória parcial de mérito contra a Fazenda Pública, desde que não tenha sido interposto Agravo ou após a apreciação da remessa necessária pelo órgão de 2º grau, quando cabível. 

Nada impede que a demanda prossiga contra a Fazenda Pública em relação ao pedido controvertido, ao mesmo tempo em que se reconheça a possibilidade de cumprimento definitivo do capítulo antecipado, com posterior pagamento por meio de Precatório Requisitório ou Requisição de Pequeno Valor.

Por outro lado, nos casos de obrigação de fazer, não fazer ou entrega de coisa distinta de dinheiro, em sendo admitida a tutela provisória na própria decisão interlocutória parcial de mérito, ou mesmo em outra etapa do procedimento, será possível o cumprimento provisório deste capítulo decisório, nos termos dos arts. 536 a 538, do CPC/15 inclusive com imposição de multa cominatória (STJ: AGRGRESP 189.108/SP, relator ministro Gilson Dipp, DJ de 2.4.2001). 

Exemplos muito comuns na prática forense: reintegração de servidor (STJ: REsp 688780-RS, AgRg no AREsp 418258-SC, AgRg na MC 19896-MS, AgRg no Ag 1154027-RJ) e custeio de medicamentos e/ou de tratamento médico (AgRg no REsp 1291883 / PI; AgRg no Ag 1299000-RS, REsp 840912-RS, REsp 904204-RS).

Aliás, ainda em relação à prerrogativa processual ligada à vedação de tutela provisória contra a Fazenda Pública, prevista nas leis 9.494/97, 8437/92, 12.016/09 e no art. 1059, do CPC, o Superior Tribunal de Justiça tem admitido execução provisória "quando a sentença não tiver por objeto a liberação de recurso, inclusão em folha de pagamento, reclassificação, equiparação, concessão de aumento ou extensão de vantagens a servidores da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Município" (AgRg no REsp 742474 / DF - rel. min. Maria Thereza de Assis Moura - 6ª T - J. em 29/6/2009 - Dje 17/8/2009).

Ademais, as limitações legais "à concessão de antecipação dos efeitos da tutela,  ou mesmo  da  execução  de  sentença  antes do trânsito em julgado, contra o Poder Público, previstas na lei 9.494, de 1997, não  alcançam  os  pagamentos  devidos  aos  servidores  inativos  e pensionistas, na linha da jurisprudência (AgRg na SLS 1.545/RN, rel.  ministro  Ari  Pargendler,  Corte Especial, julgado em 2/5/2012, DJe 15/5/2012)" (AgInt nos EDcl no REsp 1718412 / SP - rel. min. Sérgio Kukina - 1ª T - J. em 23/10/2018 - DJe 31/10/2018).

Mais recentemente, entendeu a 2ª turma do STJ que: "quando se tratar de restabelecimento de valores anteriormente percebidos por servidor público, é possível o cumprimento imediato (execução  provisória) da ordem concedida em Mandado de Segurança, mesmo que seja em desfavor do ente público, visto que não há, na hipótese, real aumento de vencimentos" (REsp 1812278 / CE - rel. min. Herman Benjamin - J. em 22/10/2019 - DJe 29/10/2019).

Importante destacar que o STF, na ADI 4296, declarou, por maioria, a inconstitucionalidade do art. 7º, §2º, além do art. 22, § 2º, da Lei do Mandado de Segurança (lei 12.016/09). Até a data de encerramento deste ensaio, o acórdão ainda não tinha sido publicado. O resultado desta ADI por certo refletirá em várias situações envolvendo o tema liminares e cumprimento de decisões judiciais contra a Fazenda Pública.

De toda sorte, se o sistema processual garante, e até incentiva, a cumulação de pedidos, o amadurecimento precoce de um deles enseja o desmembramento da tutela definitiva. 

Assim, nada impede que, no caso concreto, a resolução parcial de mérito atinja capítulo ligado à obrigação de fazer, não fazer ou entrega de coisa ou mesmo obrigação ligada a uma parcela pecuniária em desfavor do ente público e sejam desmembradas as fases do procedimento, para admitir o cumprimento provisório, ou mesmo definitivo de uma parte, e prosseguimento do feito para a instrução e julgamento futuro, de outra.

Nesse fulgor, é admitido o cumprimento provisório ou definitivo do capítulo referente à decisão parcial de mérito - mesmo com a continuidade do andamento do feito quanto aos demais capítulos meritórios (arts. 356, §§3º e 5º, e 496, do CPC/15). 

Visando colocar uma última pá de cal nessa discussão, o STF, no julgamento do RE com repercussão geral 573.872, de relatoria do min. Edson Fachin (tema 045 - j. em 24.5.17), fixou a seguinte tese: "A execução provisória de obrigação de fazer em face da Fazenda Pública não atrai o regime constitucional dos precatórios". As prerrogativas fazendárias do art. 100, da CF/88, estão relacionadas à obrigação de pagar quantia, não alcançando as obrigações de fazer, não fazer e coisa.

Por isso que, nos casos concretos, é extremamente importante analisar a natureza da obrigação a ser cumprida pela fazenda pública, em decorrência da vedação constitucional à execução provisória alcançar, como regra, tão-somente (algumas) parcelas de natureza pecuniária. Ademais, o resultado da ADI 4296 pode gerar reflexos que ultrapassem os limites das vedações contidas na Lei do Mandado de Segurança, o que será objeto de estudo futuro, inclusive na minha obra específica sobre o tema (Mandado de Segurança. 8ª edição. Salvador: Juspodivm. 2021).

Enfim, o tema 045/RERG STF, o resultado da ADI 4296 e os precedentes do STJ são bons indicativos da interpretação a ser dada em relação às ordens judiciais em desfavor da fazenda pública, que podem inclusive gerar o desmembramento do objeto litigioso, como consagrado no art. 356, do CPC.

José Henrique Mouta

José Henrique Mouta

Mestre e Doutor (UFPA), com estágio em pós-doutoramento pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Professor do IDP (DF) e Cesupa (PA). Procurador do Estado do Pará e advogado.

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