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Qual o significado da guarda compartilhada?

Nunca devemos esquecer que é dever do Estado, inclusive na figura do Poder Judiciário, e da família, assegurar às crianças e adolescentes, com absoluta prioridade, o direito à liberdade, à convivência familiar saudável e à segurança.

terça-feira, 20 de julho de 2021

Atualizado às 10:02

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

O Código Civil, no parágrafo primeiro1 de seu artigo 1.584, norma heterotópica2, outorgou aos magistrados importante missão, visando fortalecer os vínculos familiares3 e precaver e coibir a violência intrafamiliar4. Especificamente, referida incumbência é a de informar às mães e/ou pais o significado da guarda compartilhada, sua importância, a similitude de deveres e direitos atribuídos aos genitores e as sanções pelo descumprimento de suas cláusulas.

A guarda compartilhada, introduzida no ordenamento jurídico em 2008, ainda causa algumas dúvidas na comunidade jurídica e na população em geral quanto ao real significado e extensão de tal instituto.

Assim, no presente artigo, buscaremos tentar responder à pergunta: qual o significado da guarda compartilhada?

Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, que outorgou às crianças e adolescentes o status de sujeitos de direitos, cidadãos, merecedores de proteção prioritária, absoluta e integral, o termo guarda não pode mais ser interpretado como sinônimo de depósito, levando à falsa ideia de que ao genitor guardião seria confiado, depositado, ao seu livre e egoístico arbítrio, a seu bel prazer, a condução da vida privada dos filhos com idade inferior a dezoito anos.

Atualmente, dúvidas não podem restar que guarda é sinônimo de proteção. Exatamente por isso, as disposições relativas a tal instituto se inserem, no Código Civil, no capítulo "Da Proteção da Pessoa dos Filhos".

Nesta linha, se mostra correto, para melhor ilustrar a finalidade de tal instituto, afirmar que hoje, em relação aos filhos de genitores que não residem sob o mesmo teto, podemos ter proteção unilateral ou proteção compartilhada.

Importante consignar que tal proteção tem que ter sempre como norte prioritário o interesse das crianças e adolescentes5, devendo os eventuais demais interesses, inclusive os dos genitores, serem considerados, quando devido, em segundo plano6.

Para exemplificar a evolução do instituto da guarda, após a promulgação da Constituição Federal de 1988, podemos fazer uma metáfora entre esse e um famoso equipamento de segurança, o airbag. 

Até agosto de 2008, em relação aos filhos de genitores que não residiam sob o mesmo teto, só era possível, em qualquer cenário, a implantação da guarda unilateral, ou seja, só estava disponível um airbag familiar.

Apesar disso, faticamente, por arranjo consensual entre os genitores, já era perfeitamente possível que esses conjuntamente se responsabilizassem pelo exercício dos direitos e deveres concernentes ao poder familiar em relação aos filhos comuns.

Enfim, a guarda compartilhada, a possibilidade de coexistência de vários airbags familiares, não existia como item de série ou opcional, sendo necessário, para o exercício conjunto dos direitos e deveres parentais, que a guarda unilateral fosse "tunada", tivesse seu significado legal faticamente modificado, reconfigurado, com a implementação de um arranjo, de um plano de parentalidade diferenciado.

A partir da vigência da Lei Federal nº 11.698/2008, a possibilidade de concomitância de diversos airbags familiares, a guarda compartilhada, passou a ser ofertada como item opcional em todo o território nacional, até que, com o advento da Lei 13.058/2014, tal instrumento protetivo, de segurança, se tornou item de série, só podendo ser dispensado em casos muito específicos previstos em lei, rol taxativo.

Neste cenário, fica claro que a guarda compartilhada, na maioria esmagadora dos casos, será sempre a opção mais segura, a mais indicada, pois quem em sã consciência, pensando na segurança de sua família, de seus filhos, preferiria conduzir um veículo com apenas um único airbag, em detrimento de outro equipado com vários desses dispositivos protetivos?

Importante consignar que os airbags protetivos das crianças e adolescentes não necessitam se limitar ao número de pais e/ou mães, podendo tal segurança ser incrementada com o auxílio da família extensa ou ampliada, o que deve ser sempre estimulado, dando efetividade ao mandamento constitucional que garante às crianças e adolescentes o direito à saudável convivência familiar, a participar da vida familiar. Tal convívio e participação são tão importantes para o pleno desenvolvimento dos cidadãos com idade inferior a dezoito anos, que estão compreendidos em um direito maior, qual seja, o de liberdade7.

Quanto mais airbags familiares, maior a segurança, mais robusta fica a proteção!

Destarte, fica evidenciado que cabe ao magistrado, por dever legal, alertar a pais e/ou mães que a proteção compartilhada, em regra, é muito melhor que a proteção unilateral, que o esvaziamento parcial ou total, sem justo motivo, de algum dos airbags familiares (maternos ou paternos), por falta, omissão ou abuso8, fatalmente acarreta a redução da proteção dos filhos comuns, podendo gerar sanções ao infrator9. Nunca devemos esquecer que é dever do Estado, inclusive na figura do Poder Judiciário, e da família, assegurar às crianças e adolescentes, com absoluta prioridade, o direito à liberdade, à convivência familiar saudável e à segurança, devendo sempre ser dado preferência às medidas que alarguem a proteção da prole, principalmente àquelas que visem o fortalecimento, a manutenção e a criação dos vínculos familiares sadios.

____________

1 Brasil. Código civil. Art. 1.584. (...). Na audiência de conciliação, o juiz informará ao pai e à mãe o significado da guarda compartilhada, a sua importância, a similitude de deveres e direitos atribuídos aos genitores e as sanções pelo descumprimento de suas cláusulas.

2 Norma constante em lei civil, mas que contém preceito de natureza processual civil.

3 Brasil. Constituição Federal. Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

4 Brasil. Constituição Federal. Art. 226. (...). §8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.

5 Brasil. Lei Federal 8.069/1990. Artigo 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.

6 Brasil. Lei Federal 8.069/1990. Artigo 100. (...), parágrafo único. (...). inciso IV - interesse superior da criança e do adolescente: a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do adolescente, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto;

7 Brasil. Lei Federal 8.069/1990. Artigo 16. O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos: (...). V - participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação;

8 Brasil. Lei Federal 8.069/1990.  Art. 98. As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados: (...). II - por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável;

9 Brasil. Código civil. Art. 1.584. (...). § 4 o A alteração não autorizada ou o descumprimento imotivado de cláusula de guarda unilateral ou compartilhada poderá implicar a redução de prerrogativas atribuídas ao seu detentor.

Fernando Salzer e Silva

VIP Fernando Salzer e Silva

Advogado familiarista, procurador do Estado de Minas Gerais e membro do IBDFAM.

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