O instituto do Fresh Start não é eficaz à sua proposta de recolocação do falido na atividade empresarial
Produto da recente alteração na lei de Recuperação e falência, o Fresh Start, busca viabilizar o retorno célere do falido ao empreendedorismo, contudo, guarda imprecisão normativa quanto a sua aplicabilidade.
terça-feira, 20 de julho de 2021
Atualizado às 13:27
O projeto de lei 6.229/2005 convertido na lei 12.112/2020 que resultou na reforma da lei de falência, em vigência desde o final do ano de 2020, é anterior a crise pandêmica atravessada atualmente, contudo, seus objetivos se conservaram diante do agravamento da situação deficitária econômica e financeira no Brasil.
A proposta de modernização da lei de falências objetiva, maiormente, desburocratizar e tornar mais célere o procedimento, de modo a otimizá-lo. Nesse sentido, foram albergados mecanismos alternativos de soluções de controvérsias, mais praticidade na transação e parcelamento de dívidas junto ao fisco, e, para além disso, trouxe regras de competência, consideração e cooperação estrangeira, assim como alguns institutos do direito comparado 1 como DIP financing e Fresh Start (neste último serão traçados alguns apontamentos preliminares), de forma a suplantar adversidades provocadas durante períodos de desequilíbrio financeiro empresarial.
Como é sabido, a fase de Recuperação Judicial tem o intuito de superação das adversidades junto aos credores e a preservação dos benefícios decorrentes da atividade empresarial - empregos, arrecadação, tributos, etc. - restabelecendo-a no mercado produtivo, art. 47 da LRF.
Já na Falência, apesar de também ser um "mecanismo de preservação de benefícios econômicos e sociais decorrentes da atividade empresarial" (art. 76 da lei 11.101/05), uma vez que, tem-se a configuração da inviabilidade da empresa - tão logo deve ser arrecadado o ativo e liquidado o passivo - pretende-se a rápida substituição empresarial e a realocação de seus ativos em outro negócio com atividade economicamente viável.
O administrador judicial é o sujeito responsável na condução do atingimento dessas finalidades, estabelecendo sua conduta em compromisso com uma gestão visando, na Recuperação Judicial, um ambiente de negociação para continuação da empresa e, na Falência, que a empresa esteja, o quanto antes, fora do mercado.
Em direção a aceleração do processo falimentar, de substituição da empresa inviável, que se depreende que a figura do empresário individual e dos sócios, na sociedade empresarial, possuem a oportunidade de retornar ao mercado, isso porque, a empresa não se confunde com o empresário. A empresa é a atividade econômica desenvolvida pelo empresário, que, por sua vez, conforme preconiza o art. 966 do Código Civil, é quem exerce profissionalmente a atividade econômica organizada.
Nessa esteira que se encontra entre os principais desdobramentos teóricos advindo da recente alteração na lei de Recuperação e falência pela lei 12.112/2020, na busca pela promoção ao empreendedorismo, de modo a viabilizar o retorno célere do empreendedor falido à atividade econômica, art. 75, III da LRF, o instituto do Fresh Start.
O referido instituto tem origem norte americana e dispõe acerca da extinção das obrigações do falido oportunizando sua desvinculação ao processo falimentar, tal como seu retorno ao empreendedorismo 2. Na regulamentação americana essa exoneração depende de requisitos subjetivas afetas ao empresário, diferentemente do que determina a lei brasileira, como se observará a seguir.
O fresh start está inserido no tópico da extinção das obrigações do falido, art. 158 e incisos. Essa pauta busca o reestabelecimento da figura do falido (empresário/sócio) o quanto antes ao mercado. A redação do dispositivo, que introduz o instituto ao ordenamento jurídico brasileiro, provoca imprecisões ao pretender oportunizar, a figura do falido, a reintegração ao meio empresarial de forma mais célere possível.
Acontece que, ao que parece, no que tange ao inciso V do art. 158, o legislador não considerou a sociedade empresarial no dispositivo, isto porque, transpareceu a figura do falido como uma pessoa física, manifestado no empresário individual e não a sociedade empresarial.
Veja que o referido inciso V do art. 158 indica que as obrigações do falido serão extintas após "o decurso do prazo de 3 (três) anos, contado da decretação da falência, ressalvada a utilização dos bens arrecadados anteriormente, que serão destinados à liquidação para a satisfação dos credores habilitados ou com pedido de reserva realizado".
Nesse desiderato, o devedor falido, por força do que dispõe o dispositivo mencionado supra, poderá atravessar uma petição de incidente processual, decorridos três anos da sentença que decreta a falência. Após o procedimento de praxe, caso procedente o pedido, o juiz declarará extinta as obrigações do falido.
O processo de falência permanece em curso - sem o falido - com os bens que já foram arrecadados até momento, ainda que existam bens não arrecadados anteriores a sentença declaratória de extinção das obrigações. Nenhum bem novo poderá ser arrecadado, mas os arrecadados poderão ser regularmente liquidados e assim os credores receberem do resultado dessa alienação.
Contudo, o texto legal hesita na identificação de circunstâncias relativas ao campo de incidência da norma em relação a natureza jurídica da empresa, tendo como controvérsia a sua eficácia. Em razão do pouco tempo de vigência da lei alteradora, não se tem respostas práticas da aplicabilidade legal do incidente e sua benesse material (a reabilitação do empresário individual/sociedade) e processual, sobretudo, como o nome já indica, na aceleração de um novo começo.
Quanto a eficácia normativa, em relação ao conteúdo normativo, supostamente, não corresponder a vontade do legislador, fica patente que o que deve ser compreendido é a exteriorização da norma e não sua motivação. Neste caso, se observa a questão restritiva ao empresário individual por sua incompatibilidade legal ao outro regime jurídico empresarial - da sociedade empresária.
Alguns questionamentos são realizados como: com o encerramento da falência, antes prazo legal supracitado, viabilizaria o retorno do falido ao mercado? Existe o interesse do retorno ao mercado da sociedade falida? Haja vista que, os sócios/acionistas não estão impedidos de voltar ao mercado - dado o regime jurídico empresarial, cuja responsabilidade é limitada. Além de outras problemáticas como a dos bens arrecadados até a declaração de extinção das obrigações, que inaugura uma robusta discussão travada pela doutrina e enfrentada nos tribunais
Assim, percebe-se que, pretensamente, há um desdobramento do princípio da dignidade da pessoa humana, direcionado ao empresário individual ou sócios afetados pela desconsideração da pessoa jurídica. O falido, desta forma, estará desenlaçado do processo que majoritariamente é maçante. A falência não impede que os sócios voltem ao mercado, a restrição é pertinente ao de crédito e não jurídica, sendo, portanto, outro problema a ser analisado.
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1 Comentários do Assessor especial do Ministério da Economia do Governo Federal em: disponível aqui.
2 Disponível aqui.