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O "tabu" tributário e as dificuldades impostas pelo fisco que atrasam o desenvolvimento empresarial e econômico

As empresas estão enfrentando dificuldades para implementar produtos e atividades inovadoras que visam alcançar um maior número de consumidores em razão de regras engessadas e desatualizadas presentes no ordenamento jurídico.

quinta-feira, 15 de julho de 2021

Atualizado às 12:52

(Imagem: Divulgação)

Tabu é um conceito que está diretamente relacionado com a proibição, censura e impureza de determinadas atividades. Assim, conforme trazido em dicionários brasileiros que descrevem a palavra, pode ser identificado como "proibição ou controle social que restringe o uso de uma linguagem, de um gesto, comportamento" (TABU, 2021).

O avanço tecnológico e desenvolvimento natural da sociedade sugere que determinados atos, objetos, comportamentos e situações, devem ser revistos dentro do novo contexto cultural e sociológico.

Todavia, o avanço da sociedade possui barreiras impostas pelo próprio texto legal que são superadas de forma lenta, através de novos julgamentos que determinam parâmetros de acordo com a sociedade atual.

Nesse sentido, em âmbito tributário, podemos notar que o CARF e demais órgãos são repletos de decisões e discussões acerca do enquadramento adequado dos produtos, e que, em algumas situações, proferem decisões demonstrando um evidente retrocesso tributário.

Isso ocorre com empresas de diversos setores, principalmente relacionadas a produtos inovadores ou com utilidades e operações diferentes das já existentes no mercado, que visam, justamente, alcançar um maior número de consumidores, todavia, ficam impedidas por questões estritamente legais.

A título de exemplo, temos o emblemático caso da fabricante Beiersdorf, que foi autuada após classificar alguns de seus produtos como desodorantes, com alíquota menor, ao invés de classificá-los como hidratantes (processo 19311.720310/2017-15). O julgamento foi tão complexo, que desde 2019 encontra-se convertido em diligência para avaliações técnicas.

Note que as empresas são autuadas por dúvidas que até mesmo os responsáveis por julgar as autuações não obtém a resposta, inclusive, o relator do processo, na época, afirmou que os produtos possuem ambas as funções, motivo pelo qual era difícil definir qual seria a principal.

Logo, ainda que os ramos do direito demonstrem evolução em consonância com a sociedade, em matéria tributária, a referida evolução é mais lenta, dificultando, de forma prejudicial, o desenvolvimento empresarial de vários setores, que são afetados com custo majorado ou operacionalização dificultada em razão de imposições tributárias extremamente burocráticas.

Tal dificuldade é facilmente vista em empresas que buscam orientações ao fisco, nesse sentido, veja trecho de resposta à consulta tributária 37/16, que trata da classificação de coletores menstruais:

"Indaga se deve reter e recolher o imposto devido por substituição tributária nas operações com um novo produto, que se trata de um coletor menstrual, artefato de higiene e de plástico, descartável, a ser utilizado para a higiene íntima da mulher), que classifica no código NCM 3924.90.00.".

Outros casos se repetem diariamente na indústria de cosméticos:

"8. De pronto, descarta-se a pretensão da consulente, tendo em vista que o produto não corresponde a nenhuma parte do texto da posição 96.16. Embora o seu uso seja para aplicação de cosméticos, citado na segunda parte do texto, a máscara aqui tratada não se confunde com borla ou esponja" (solução de consulta 98.515 - Cosit).

Além disso, outros ramos empresariais que se encontram em fase de crescimento também são afetados, como ocorre, por exemplo, com a indústria de animais domésticos, também conhecida como indústria "pet", que atualmente têm dificuldade ao enquadrar novos produtos:

"9. À vista dessas considerações, o produto classificado na NCM/SH 3305.10.00 - comercialmente denominado "Shampoo linha pet" - coincide com a mesma codificação da NCM/SH da norma, mas não encontra correspondência descritiva no mesmo dispositivo. A norma aponta "xampu para o cabelo", sendo que, segundo o Dicionário Aurélio online (disponível em https://dicionariodoaurelio.com/pelo>, acesso em 11 de abril de 2018), a definição de cabelo é: "o conjunto do pelo da cabeça, e, por extensão, do corpo humano", logo não inclui o pelo de animais, especialmente "pets". (PROCESSO: 0040-001863/2017)"

Na maior parte dos casos, cabe ao contribuinte realizar a classificação que entender adequada para suas mercadorias, todavia, não há suporte suficiente para os novos produtos ou operações, fator que deixa os contribuintes em situação de extrema vulnerabilidade.

Além disso, o enquadramento não é o único problema enfrentado pelas empresas, o que demonstra que todo o sistema precisa ser readequado, sob pena de termos situações que não condizem com a realidade atual.

A título de exemplo, relembramos o caso de uma analista de marketing de Sex Shop, que, em 2019, conforme matéria vinculada ao site UOL, foi obrigada a deixar na fiscalização aduaneira mercadorias de cunho erótico, objeto de seu trabalho, sob pena de pagar multa no valor de R$ 1.000,00, nos termos do art. 714, do decreto 6.759/09, por se tratar de produtos que atentavam à moral e aos bons costumes, porém, não existe atualmente nenhuma legislação que traga de forma específica ou taxativa a especificação de mercadorias que atentem à moral. 

Ademais, vale relembrar que os processos de Consulta vinculados aos entes Estaduais e Federais sujeitam o contribuinte à uma possível autuação (quando analisada uma operação em desacordo com o Fisco).

Logo, além da demora da análise, as empresas interpretam as consultas tributárias como um risco, motivo pelo qual seria o caso de um estudo aprofundado quanto à possibilidade de se implementar uma "modulação de efeitos" na esfera administrativa, o que alguns municípios já fazem, visando justamente incentivar empresas inovadoras que buscam novos negócios, operações e produtos que não estão enquadrados na lei.

Tudo isso mostra que é necessária e urgente uma inovação tributária, a fim de quebrar antigos paradigmas e modelos e, assim, tornar possível a "quebra do tabu tributário" existente atualmente, visando especificar, de forma clara e didática, as operações dificultadas, bem como permitir um diálogo entre fisco e contribuinte e tornar o ambiente adaptável de acordo com as evoluções tecnológicas e econômicas atuais, o que, consequentemente, reduzirá o encargo fiscal e tornará a esfera tributária menos contenciosa.

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1 Trazer vibrador na mala 'atenta à moral' e pode render multa de R$ 1.000

Fernanda Garcia Godoy

Fernanda Garcia Godoy

Advogada Tributarista do escritório MGA Advogados, Pós-graduada em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).

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