Remuneração dos conciliadores - Jurisprudência do TJ/SP
O não pagamento configura sim enriquecimento sem causa daquele a quem a legislação determina devesse pagar.
terça-feira, 13 de julho de 2021
Atualizado em 14 de julho de 2021 11:50
Questão da maior relevância debatida no TJ/SP diz respeito à remuneração dos Conciliadores - Auxiliares da Justiça, que desempenham suas funções no CEJUSC, via expedientes préprocessuais, nos processos da Justiça Comum e nos Juizados Especiais.
1) Cabimento e natureza jurídica do pagamento do abono/remuneração aos Conciliadores
A Lei estadual nº 15.804, de 22 de abril de 2015, ao dispor sobre o abono variável e a jornada dos Conciliadores e Mediadores, determina que o abono tenha cunho indenizatório, não se confundindo com verba trabalhista ou previdenciária.
O art. 2º da referida lei prevê expressamente o direito ao abono em dinheiro, sendo, nos termos do art. 3º do mesmo diploma legal, devido aos Conciliadores e Mediadores que estiverem inscritos nos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania e cadastrados no Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos.
O serviço do Conciliador é prestado ao Estado, em sentido amplo, e também às partes, de modo que a falta de pagamento da verba poderá configurar enriquecimento sem causa.
A constitucionalidade da lei 15.804/15 foi reconhecida na Ação Direta de Inconstitucionalidade 2216816-83.2016.8.26.0000, a qual teve como Relator o MM Desembargador Arantes Theodoro; Órgão Julgador Especial; julgado em 26;/07/2017; com registro em 7/8/17.
Em seu voto o i. Relator assim se manifesta:
"(...) O Presidente do Tribunal de Justiça, por sua vez, informou que conciliadores e mediadores sempre atuaram de modo voluntário e sem vínculo com o Estado, mas que em atendimento à Resolução nº 125 do Conselho Nacional de Justiça foi editado o Provimento nº 1.868/2011, que criou o Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos e os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania, tendo então se mostrado necessário atrair e obter a fidelização daqueles colaboradores, razão pela qual foi enviado o projeto de lei que culminou com a instituição do abono (...). E assim há mesmo de ser ante a óbvia possibilidade de a lei de orçamento seguinte vir a incluir dotação para aquele custeio e, com isso, tornar superado o antes presente óbice à exequibilidade do diploma legal.
Aliás, exatamente isso aqui ocorreu nos exercícios seguintes à edição da referida lei, conforme informou o Presidente da Assembleia Legislativa (...)".
Ademais, o art. 169 do CPC, assim como o art. 7º da Resolução 125 do CNJ confirma a remuneração dos Conciliadores. Vejamos:
Código de Processo Civil
Art. 169. Ressalvada a hipótese do art. 167, § 6º , o conciliador e o mediador receberão pelo seu trabalho remuneração prevista em tabela fixada pelo tribunal, conforme parâmetros estabelecidos pelo Conselho Nacional de Justiça.
Resolução 125/2010 do CNJ
Art. 7º Os tribunais deverão criar, no prazo de 30 dias, Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (Núcleos), coordenados por magistrados e compostos por magistrados da ativa ou aposentados e servidores, preferencialmente atuantes na área, com as seguintes atribuições, entre outras: (Redação dada pela Emenda nº 2, de 08.03.16)
(...)
VIII - regulamentar, se for o caso, a remuneração de conciliadores e mediadores, nos termos do art. 169 do Novo Código de Processo Civil combinado com o art. 13 da Lei de Mediação. (Incluído pela Emenda nº 2, de 08.03.16)
Da mesma forma, o art. 13 da lei 13.140/151, estabelece que "A remuneração devida aos mediadores judiciais será fixada pelos tribunais e custeada pelas partes, observado o disposto no § 2º do art. 4º desta Lei".
2) Parâmetros e Forma de Pagamento
Sem se referir à Lei estadual nº 15.804/2015, o TJSP mas, considerando o disposto na Resolução CNJ 125/2010; a relevância dos trabalhos desenvolvidos pelos conciliadores e mediadores, imprescindíveis à disseminação da cultura da pacificação social; o disposto no art. 169 do NCPC; o disposto no art. 13 da Lei de Mediação (Lei nº 13.140/2015); bem como a edição da Resolução CNJ nº 271/2018, decidiu o Tribunal, no âmbito do processo nº 2018/157633 - DICOGE, editar a Resolução nº 809, de 21/03/2019, estabelecendo os parâmetros de remuneração a ser paga aos conciliadores e mediadores judiciais.
Assim, nos termos do artigo 1º da Resolução nº 809/2019, "os valores a serem pagos pelos serviços de mediação judicial são os fixados na tabela anexa a esta Resolução, elaborada em conformidade com os parâmetros sugeridos na tabela constante do anexo da Resolução CNJ nº 271/2018".
O art. 2º da mencionada Resolução deixa claro que "o mediador deverá indicar expectativa de remuneração, por patamares, quando de sua inscrição no Cadastro de Mediadores Judiciais e Conciliadores mantido por este Tribunal de Justiça, com vistas ao cumprimento do estabelecido no § 1º do art. 169 do Código de Processo Civil, que determina, nos casos de justiça gratuita, a possibilidade de escolha, pela própria parte, de mediadores judiciais que atuem voluntariamente ou pro bono".
No §1º, do mesmo artigo, foram relacionados os patamares remuneratórios relativos às faixas de auto atribuição, como sendo: (i) voluntário; (ii) básico (nível de remuneração 1); (iii) intermediário (nível de remuneração 2); (iv) avançado (nível de remuneração 3); e (v) extraordinário.
O custeio dos parâmetros tratados no artigo 2º deverá ser suportado pelas partes a título de remuneração de mediadores judiciais, consoante tabela anexa, podendo o mediador reduzir o valor nela fixado, a seu exclusivo critério (§3º), sendo que a remuneração deverá ser recolhida pelas partes, preferencialmente em frações iguais, de acordo com a referida tabela (§4º).
O depósito da remuneração do mediador judicial deverá ser feito de modo antecipado, diretamente na conta corrente por ele indicada, seguindo estimativa apresentada na primeira sessão de mediação (§5º).
Portanto, aparentemente mudaram-se os critérios, ou seja, com Lei estadual nº 15.804/2015, o valor é fixado em UFESP e a obrigação pelo pagamento seria de responsabilidade o Estado, porém com a edição da Resolução 809/2019, a remuneração dos Conciliadores/Mediadores passou a ser de responsabilidade das partes e os valores são fixos por hora trabalhada. Nota-se que o fato da Resolução 809/2019 não mencionar a Lei estadual, os julgados a consideram como regulamentação daquela.
Nesse sentido, inúmeras são as decisões2 do TJSP que reconhecem o direito ao abono indenizatório dos Conciliadores, em sede de Recursos Inominados interpostos pela Fazenda Pública do Estado de São Paulo contra sentenças em que ações de indenização foram julgadas procedentes. Por exemplo, foi este o caso julgado no Recurso Inominado Cível nº 100234018.2020.8.26.0318, cuja ementa assim se desenha:
Remuneração de Mediadores e Conciliadores Lei nº 15.804/2015 Invalidade do Termo de Compromisso - Norma de Eficácia Plena - Desnecessidade de Regulamentação - Condicionamento à Prévia Disponibilidade Orçamentária - Ilegalidade - Evento Futuro e
Incerto - Exercício da Função Típica pelo Poder Judiciário - Interpretação e Aplicação da Legislação Pertinente - Ausência de Afronta à Separação de Poderes - Observância ao Princípio da Legalidade - Aumento da Despesa com Pessoal por Atividade Legiferante do Poder Legislativo, confirmada pelo Poder Executivo - Juros e correção monetária fixados de acordo com o Tema 810 STF. RECURSO IMPROVIDO.
3) Remuneração dos Conciliadores atuantes nos Juizados Especiais Cíveis (JEC).
A controvérsia surge no momento da aplicação dos critérios já regulamentados, para a remuneração aos Conciliadores quando estiverem atuando em processos dos JEC.
Isto se dá, em princípio, porque a legislação não previu tal modalidade e, por outro lado, toma-se como premissa a isenção do pagamento de custas para agir no âmbito dos JEC, de que trata o caput do art. 54 da Lei 9.099/1995,2 (TJSP; Recurso Inominado Cível 1005011-76.2018.8.26.0126; Relator (a): GILBERTO ALABY SOUBIHE FILHO; Órgão Julgador: Turma Recursal Cível e Criminal; Foro de Santo André - 5ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 12/04/2019; Data de Registro:15/04/2019); (TJSP; Recurso Inominado Cível 0003836-13.2017.8.26.0510; Relator (a): Wagner Carvalho Lima; Órgão Julgador: 2ª Turma Cível; N/A - N/A; Data do Julgamento:11/02/2019; Data de Registro: 11/02/2019); (TJSP; Recurso Inominado Cível 1002977-31.2018.8.26.0126; Relator (a): Paulo Guilherme de Faria; Órgão Julgador: Turma Recursal Cível e Criminal; N/A - N/A; Datado Julgamento: 26/10/2018; Data de Registro: 30/10/2018) ou seja, "o acesso ao Juizado Especial independerá, em primeiro grau de jurisdição, do pagamento de custas, taxas ou despesas". Segundo entendimento de alguns, estaria a remuneração dos Conciliadores incluída no rol de isenções previstas na referida norma.
Em defesa do cabimento da remuneração dos Conciliadores quando atuantes nos JEC, conferindo-lhes o mesmo tratamento que recebem quando nos processos da Justiça Comum e nos expedientes pré-processuais, está justamente no fato prestígio dado pela Lei 9.099/1995 à fase conciliatória do processo (art. 2º)2; contando com a participação dos Conciliadores como Auxiliares da Justiça, presidindo as sessões (art.7º[3] e 22[4]); além da necessidade de as partes passarem por esta etapa do processo, sob pena de extinção, ausente o autor da ação e revelia quando ausente o réu. Portanto, o trabalho desempenhado pelo Conciliador é o mesmo, na maioria das vezes atendendo às partes e digitando os termos. Portanto, a remuneração é a mesma, não se confundindo com custas ou despesas processuais.
O não pagamento configura sim enriquecimento sem causa daquele a quem a legislação determina devesse pagar.
Verifica-se, no entanto, o desenvolvimento de uma forte corrente no sentido de equiparar a remuneração do Conciliador com custas ou despesas processuais, objetivando a não cobrança, e, via de consequência o não pagamento, em sede do Juizado Especial Civil, com fundamento no art. 54 da Lei 9.099/1995.
Entretanto, tal corrente, ao defender a remuneração incluída no rol das despesas processuais, entende que seria obrigatório o seu pagamento na fase recursal, conforme determina o parágrafo único[5] do art. 54 da Lei 9.099/1995. Neste caso, o não pagamento levaria a se considerar o Recurso Inominado deserto.
Argumenta-se que nas despesas processuais estaria incluída a remuneração do conciliador que atuou na audiência de conciliação, na forma do art. 169 do CPC e do art. 605 das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça do E. TJSP, pouco importando se o conciliador possui vínculo com o Estado e a quem a despesa é devida. Basta que se trate de ato que ocorra dentro do processo e que tenha de ser suportado por uma das partes para que seja considerado despesa processual. Vale ressaltar, ainda, que as despesas processuais não se confundem com a taxa judiciária, na medida em que esta abrange o valor pago para se ingressar o juízo, mas não os demais gastos dos atos processuais. Nesse contexto, referida despesa integra o preparo do Recurso Inominado e o seu não recolhimento implica deserção.
Entre tantas decisões podem ser mencionadas as seguintes:
"Agravo de Instrumento. Preparo Recursal. Deserção. Ocorrência. Agravante que não recolheu a remuneração do conciliador. Valor que integra as despesas processuais. Ausência de recolhimento que determina a deserção. Decisão agravada mantida.
Recurso improvido." (AI Processo 0100053-89.2020.8.26.954 - Fórum de Caraguatatuba. Turma Recursal Cível e Criminal do TJSP. Relator: Paulo Guilherme de Faria. São Paulo 23/10/2020).
"Agravo de Instrumento. Processual Civil. Decisão que reconhece a deserção de recurso inominado. Falta de recolhimento da remuneração do conciliador. Despesa processual devida, na forma do art. 54, parágrafo único, da lei 9.099/95 c/c Res. 809/19 do Órgão Especial do TJSP. Impossibilidade de complemento. Inaplicabilidade da regra do art. 1.007, § 2º, do CPC ao Sistema dos Juizados Especiais. Decisão mantida. Recurso não mantido." (AI nº 0100148-87.2020.8.26.9000, Quinta Turma Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo, Relatora Juliana Amato Marzagão, j. 12.05.2020).
"Agravo de Instrumento. Recurso Inominado julgado deserto. Preparo. Vencido, recorrente, que não comprovou o recolhimento da remuneração do conciliador. O conciliador é auxiliar da Justiça. Sua remuneração, fixada pelo Juiz, integra as despesas processuais. Ausência de recolhimento que determina a deserção. Aplicação do art. 54, parágrafo único, c.c. 42, § 1º, da Lei 9099/95. Impossibilidade de concessão de prazo para complementação do preparo. Art. 1007 do CPC inaplicável aos Juizados Especiais.
Enunciado 168 FONAJE. Agravo desprovido". (AI nº 010651-80.2019.8.26.9000, Nona Turma Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo, Relator Paulo Furtado de Oliveira Filho, j. 08/01/2020).
RESUMINDO:
1) Os Conciliadores atuantes no TJ/SP fazem jus ao abono de que trata a lei 15.804/2015; c.c Resolução CNJ nº 125/2010 e parâmetros atualmente ditados pela Resolução 809/2019 do TJSP.
2) As partes são responsáveis pelo referido pagamento. A jurisprudência é farta e uníssona no sentido de que não resta dúvida de que é legítimo o pagamento do abono aos Conciliadores atuantes nos processos em tramitação na Justiça Comum e nos expedientes pré-processuais, bastando que o Conciliador indique os seus dados bancários no Termo de Audiência de Conciliação.
3) No âmbito dos Juizados Especiais Cíveis, há entendimento do próprio TJSP quanto ao cabimento do referido pagamento. No entanto, existe uma corrente que classifica a remuneração dos Conciliadores como despesa processual. Neste caso, cabe a indicação da remuneração no Termo de Audiência e a ratificação em sentença, como verba a ser recolhida para a interposição de Recurso Inominado. O não pagamento configurará deserção ao recurso.
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1- Dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública; altera a Lei nº 9.469, de 10 de julho de 1997, e o Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972; e revoga o § 2º do art. 6º da Lei nº 9.469, de 10 de julho de 1997.
2- Art. 2º O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação.
3- Art. 7º Os conciliadores e Juízes leigos são auxiliares da Justiça, recrutados, os primeiros, preferentemente, entre os bacharéis em Direito, e os segundos, entre advogados com mais de cinco anos de experiência.
Parágrafo único. Os Juízes leigos ficarão impedidos de exercer a advocacia perante os Juizados Especiais, enquanto no desempenho de suas funções.
4- Art. 22. A conciliação será conduzida pelo Juiz togado ou leigo ou por conciliador sob sua orientação.
5- Parágrafo único. O preparo do recurso, na forma do § 1º do art. 42 desta Lei, compreenderá todas as despesas processuais, inclusive aquelas dispensadas em primeiro grau de jurisdição, ressalvada a hipótese de assistência judiciária gratuita.