O orçamento secreto e a "INtransparência" pública
Os 20 bilhões do "orçamento secreto" e a inconstitucionalidade aferida pela falta de transparência nas indicações das emendas de relator.
quarta-feira, 7 de julho de 2021
Atualizado às 17:38
Ultimamente tem-se falado muito em "orçamento secreto" ou "paralelo". É expressão originada da nova modalidade de emendas apresentadas pelo relator geral do orçamento à LOA 2020 (PLOA 22/2019 ou lei 13.978/2020), com marcador específico (RP9), caracterizadas pela pouca ou nenhuma transparência na sua execução.
Mas, efetivamente, o que vem a ser o tal de "orçamento secreto"?
As despesas relacionadas ao projeto de lei orçamentária anual (PLOA) utilizam-se de alguns identificadores, denominados RP (Identificador de Resultado Primário) enumerados de 0 a 9. Dos quais destacam-se os seguintes: Individuais (RP 6 - De cada parlamentar do congresso nacional), que tem seu valor limitado a 1.2% da Receita Corrente Líquida do ano anterior, de Bancada Estadual (RP 7), com limite de 1% da Receita Corrente Líquida do ano anterior, de Comissão Permanente (RP 8) e a famigerada Emenda de Relator Geral (RP 9 - de autoria do relator geral da Lei Orçamentária Anual), a qual não possui limite de indicação vinculado à receita.
O nascimento do "Super-Relator" se deu pela edição da lei 13.957/2019, que alterou a LDO 2020 (lei 13.898), por meio da criação do (RP 9), especificamente em seu art 7º, § 4º, inciso II, alínea C, item 4. Essa autorização legislativa, criada durante as discussões do PLDO 2019 (LDO 2020), não é algo novo. Apesar de, anteriormente, não ter um marcador específico. Nos anos anteriores o parecer preliminar da LOA tinha o condão de dar, ou não, a permissão para que o relator geral pudesse criar emendas, como foi o caso dos anos de 2016, 2017, 2018 e 2019, por exemplo. Essa autorização dava ao relator o direito de incluir vários tipos de despesas, necessários à aprovação da LOA, ou seja, o relator fazia suas emendas de modo a tornar o projeto exequível e aprovável do ponto de vista político-orçamentário.
Já a LDO 2020, permitiu ao relator geral da LOA incluir despesas em diversos órgãos a níveis nunca antes observados, as quais seriam controladas e geridas por ele próprio, por meio do RP9. Os parlamentares tentaram, inclusive, tornar esse tipo de emenda impositiva, por meio do art. 64, § 23 da LDO 2020, posteriormente vetado pelo presidente da República.
Nasce, a partir daí um "orçamento paralelo" ou, como foi apelidado, "orçamento secreto", administrado pelo relator geral, porém sem a mesma transparência aplicada às emendas individuais e de bancada (RP 6 e 7).
Como funcionam as emendas individuais e de bancadas?
As emendas em questão geralmente são apresentadas de duas maneiras:
1 - De forma genérica: onde geralmente se indica o órgão, para delimitação do beneficiário em momento futuro, quando da abertura do SIOP;
2 - De forma específica (carimbada): onde na própria emenda se define o beneficiário, o estado, municípios e às vezes até mesmo o objeto de execução.
Após a discussão, as emendas são encaminhadas aos relatores setoriais e, consequentemente, ao relator geral, que profere um parecer consolidado pela aprovação, rejeição ou inadmissão das mesmas. Esse relatório é submetido à apreciação da Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização - CMO e, posteriormente, ao Congresso Nacional.
Depois que o orçamento é aprovado e sancionado pelo presidente da República, a LDO estabelece um prazo para que o Governo promova a abertura do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (SIOP), que é de, geralmente, 5 dias após a publicação da LOA.
Nesse sistema os parlamentares e bancadas indicam os beneficiários de cada emenda apresentada genericamente, ou reafirmam as indicações já especificadas na própria Lei Orçamentária, bem como a ordem de prioridade de execução.
Dessa forma, cada parlamentar explicita a destinação e alocação dos recursos públicos de sua "cota" dentro do Orçamento Federal.
Isso permite aos sistemas de monitoramento de recursos como Portal da Transparência, Siga Brasil, e o próprio site da CMO, um real acompanhamento dos recursos enviados por esses parlamentares.
Esses sistemas permitem, inclusive, o acompanhamento das empresas que executaram as despesas nos âmbitos estaduais, municipais, bem como das entidades do terceiro setor, promovendo transparência e eficiência na fiscalização dos recursos orçamentários, facilitando a ligação entre o beneficiário final e o parlamentar autor da emenda.
No caso das emendas de relator, isso não ocorre. Temos um orçamento destinado a diversos órgãos, sem uma destinação específica ou mesmo critérios objetivos para sua distribuição.
O que tem sido percebido é o favorecimento desproporcional de um grupo de parlamentares (inominados), geralmente governistas, em detrimento da totalidade dos senadores e deputados do Congresso Nacional, por meio da distribuição dos chamados "recursos extra-orçamentários", que nada mais são do que recursos do próprio Orçamento Geral da União alocados nos ministérios, distribuídos a alguns congressistas, além daqueles já garantidos pelas emendas individuais e de bancada a cada um dos autores.
Em consulta ao SIGA Brasil, extrai-se que, só em 2020 foram empenhados quase 20 bilhões em emendas de relator, recursos sem justificação de destinação ou identificação do autor de fato, pois apesar de estarem registradas como emendas de relator geral, essas são destinadas por acordo entre o governo e suas bases.
Para se ter ideia da dimensão do poder do relator geral, em 2020, o valor de suas emendas superou as emendas de Bancada Estadual, Comissões da Câmara e Senado, Senadores e Deputados, que, somadas, consubstanciam-se em um aporte de 15,6 bilhões de reais, contra quase 20 bilhões do relator geral.
Os Ministérios que mais receberam recursos das emendas de relator foram: Ministério do Desenvolvimento Regional, 8 bilhões de reais, Ministério da saúde, 3,9 Bilhões de reais, Ministério da Educação, 2 Bilhões de reais e Ministério da Agricultura, 1,4 Bilhão de reais.
Curiosamente, são os ministérios com maior facilidade para o trânsito e alocação de recursos, como por exemplo: compra de máquinas e equipamentos no MDR e Agricultura, compra de ônibus escolares no MEC/FNDE e custeios de serviços de saúde e COVID no Ministério da Saúde.
Esses objetos são estratégicos, pois permitem uma maior capilaridade para divisão dos recursos. Desses valores, mais de 95% foram destinados à rubrica Nacional, enquanto os estados mais agraciados nos subtítulos de cada ação foram, nessa ordem: Ceará, estado do relator geral, Deputado Domingos Neto, Minas Gerais e Mato Grosso.
Nota-se que os atendimentos dessas emendas são feitos por meio de ofícios destinados diretamente aos ministros das pastas ou órgãos políticos do governo federal que, discricionariamente, distribuem tais recursos de maneira indiscriminada, ou, pelo menos, não transparente, para um grupo de parlamentares específicos. É importante ressaltar que tal inovação é uma criação legislativa, bem aproveitada pelo governo federal, criando uma espécie de parlamentarismo velado, onde grande parte dos recursos discricionários ficam a cargo do parlamento e não do chefe do executivo.
A grande crítica a esse sistema é que muitos parlamentares ficam "a ver navios", enquanto a execução dessas emendas ocorre livremente entre os "amigos do rei", sem a participação democrática de todos os congressistas eleitos.
Os questionamentos mais gritantes resultantes dessa celeuma são: Quais critérios estão sendo utilizados para essa distribuição? Legalmente, ao ferir o princípio da transparência orçamentária, esses recursos não seriam considerados inconstitucionais? Outra questão importante seria analisarmos a discussão pelo do ponto de vista eleitoral: A desproporção na distribuição dos recursos públicos não estaria gerando um favorecimento político aos parlamentares beneficiados, desbalanceando o sufrágio?
Vimos no passado, fenômenos parecidos com os que ocorrem agora, que marcaram de maneira negativa nossa história. Casos de corrupção e de malversação do dinheiro público, já tão escassos à sociedade.
Podemos citar casos emblemáticos como "Anões do orçamento", ''Mensalão" e o "Petrolão", dentre outros subterfúgios, não republicanos, utilizados para compra de apoio parlamentar, o que provocou várias crises institucionais e financeiras em nosso país.
Faz-se necessário, portanto, que os órgãos de controle, como o TCU, investiguem tais práticas, constitucionalmente já apontadas como irregulares, sob pena de colocarmos em risco um pilar democrático, como o princípio da transparência orçamentária, conquistado "a duras penas", e agora ameaçado pela insegurança jurídica provocada pela falta de critérios objetivos e legalidade, constitucionalmente estabelecidos, para distribuição dos recursos públicos.
As sequelas dessa verdadeira aberração orçamentária têm sido sentidas até hoje pela execução dos Restos a Pagar. Foram mais de 10 bilhões de reais empenhados, em 2020, no apagar das luzes". Um cavalo de Troia dado de presente de Natal às finanças públicas e aos brasileiros.