Portal do Tribunal x Diário de Justiça Eletrônico
STJ define que prevalece a intimação pelo Portal do Tribunal.
segunda-feira, 5 de julho de 2021
Atualizado às 09:38
O Superior Tribunal de Justiça, no exercício da sua competência institucional de uniformizar a interpretação da lei federal, proferiu uma importante decisão que firmou o seu posicionamento sobre o início da fluência de prazos processuais quando houver, de forma concomitante, a intimação pelo Portal do Tribunal e pelo Diário de Justiça Eletrônico. Esse julgamento emblemático foi realizado pela Corte Especial nos embargos de divergência no agravo em RE 1.663.952/RJ. Consoante essa orientação jurisprudencial, caso haja a intimação, ao mesmo tempo, pelo Portal do Tribunal e pelo Diário da Justiça Eletrônico, prevalecerá aquela.
A despeito dessa interpretação conferida pelo Superior Tribunal de Justiça nesse delicado tema (sobre a início da contagem de prazo), há questões fáticas e jurídicas que ainda fomentarão fervorosas discussões, lembrando que a decisão em comento foi aprovada por maioria (não houve unanimidade dos Ministros).
Há pelo Brasil dezenas de Tribunais, que utilizam inúmeros sistemas distintos para os processos eletrônicos. Embora fosse mais lógica e racional a utilização de apenas um sistema para todos (uma utopia), com a finalidade de facilitar e otimizar o exercício das atividades forenses (especialmente aos advogados), existe uma complexa multiplicidade de sistemas, cada qual com as suas vantagens e desvantagens, facilidades e dificuldades operacionais.
As diferenças podem ser identificadas, por exemplo, nas nomenclaturas, ferramentas disponíveis, comprovantes de protocolos de petições, informações disponíveis, certificações, comprovações de acesso etc, nada didático e acessível a todos, como deveria ser.
A análise proposta envolve uma questão extremamente relevante, já que trata do início da fluência de prazos processuais, isso é, se ele deve ocorrer a partir da intimação eletrônica, quando veiculada de forma concomitante, pelo Portal do Tribunal ou pela publicação no Diário de Justiça Eletrônico?
A lei 11.419/2006 foi editada para tratar da informatização do processo judicial, contendo louváveis avanços, mas também inevitáveis problemas naturais de um inovador regramento com tamanha relevância.
Conforme disposto nessa referida lei, a intimação será feita por meio eletrônico em Portal do Tribunal, com a sua dispensa em publicação do Diário de Justiça Eletrônico (art. 5º, caput). Dessa maneira, o advogado será intimado na data de acesso ao Portal do Tribunal, com essa certificação nos autos (art. 5, §1º). Aqui já há um problema: como os sistemas dos Tribunais são bem distintos, não existe uniformidade procedimental que confira segurança sobre o acesso à intimação, já que nem todos eles certificam isso de maneira clara e automática (imediata). Em razão disso, pode haver, como de fato há, dúvidas sobre a efetivação do acesso e, consequentemente, acerca do início da fluência de prazo.
Outra situação bastante preocupante é com a denominada intimação tácita, prevista no art. 5º, §3º dessa lei, que dispõe que o advogado será considerado intimado se não acessar a intimação eletrônica lançada no Portal do Tribunal no prazo de 10 dias corridos. Além de gerar a obrigação ao advogado de uma verificação constante nesse sentido, tal certificação de intimação tácita, que deveria ser automática (imediata), leva algum tempo em determinados Tribunais e noutros sequer se mostra clara e formal como esperado.
Não bastassem tais infortúnios, que geram grande apreensão e insegurança aos operadores forenses, já que interferem diretamente na contagem de prazos processuais, existe ainda a grave inconveniência da possibilidade de contagem desigual de prazos comuns, ou seja, naqueles que deveriam fluir ao mesmo tempo aos litigantes, como, por exemplo, para a especificação de provas, a manifestação sobre laudo pericial, a impugnação de honorários, a apresentação de rol de testemunhas e outras inúmeras situações. E os problemas se agravam ainda mais quando há litisconsortes (mais partes no mesmo processo), naturalmente.
Além disso, a intimação eletrônica pelo Portal do Tribunal permite, o que não deveria ser possível nem aceitável, o controle ou a manipulação do início do prazo processual pelo advogado, que, sabedor da expedição da intimação eletrônica noticiada no sítio do Tribunal, não acessa o respectivo Portal, ganhando, com isso, pelos menos 10 dias para a sua manifestação.
Apesar dos fundamentos que possam ser justificados de cunho econômico e de prestígio ao sistema das intimações eletrônicas pelos Portais dos Tribunais, deve prevalecer a segurança jurídica, já que não se pode conviver com sistemas inseguros, obscuros e falhos acerca do tratamento dos prazos, bem como que causem disfunções temporais em relação aos prazos comuns (que são a grande maioria).
A prática forense já demonstrou as fragilidades e os problemas gerados pelas intimações pelos Portais dos Tribunais, como reconhecido pela grande maioria daqueles que operam no contencioso.
Mas há uma solução legal, pois a lei 11.419/2006 também regula o Diário de Justiça Eletrônico (art. 4º, caput), que, tal como ocorria com o seu antecessor físico (de papel), se mostra inegavelmente mais seguro e claro, evitando as significativas adversidades indicadas em relação às intimações pelos Portais dos Tribunais.
A publicação da intimação pelo Diário de Justiça Eletrônico facilita o acompanhamento dos processos e a contagem dos prazos, bem como resolve a problemática do início da fluência dos prazos comuns, mantendo a isonomia dos litigantes nas suas manifestações. Além disso, afasta as dúvidas quanto ao cumprimento dos prazos, que são peremptórios ("fatais") aos advogados.
Ademais, como foi editada há quase 15 anos, a lei 11.419/2006 não está em consonância com a sistemática atual estabelecida pelo Código de Processo Civil (lei 13.105/2015), que prevê a contagem de todos os prazos processuais em dias úteis (art. 219). Como antes não havia tal especificidade, os prazos eram contados em dias corridos, tal como aquele previsto para a intimação tácita no art. 5º, §3º da lei 11.419/2006.
Pelas regras de solução das antinomias, a lei 11.419/2006 prevaleceria, pelo critério de especialidade, ao atual Código de Processo Civil em relação à contagem do prazo em dias corridos ao invés de dias úteis (como deveria sê-lo) para a intimação tática, criando uma indesejada mistura no cômputo de prazos. Tal como se apresenta a legislação, ainda há a contagem híbrida, sendo de 10 dias corridos para a intimação tácita e, após, em dias úteis para a prática do ato processual.
A intenção do vigente Código de Processo Civil foi a de estabelecer o cômputo dos prazos processuais em dias úteis (unificando e sistematizando essa relevante questão), não sendo compatível, assim, a contagem em dias corridos de prazos processuais previstos em leis anteriores e esparsas.
Melhor, jurídica e objetivando falando, que se faça a intimação pelo Diário de Justiça Eletrônico ou que ele prevaleça em detrimento da intimação pelo Portal do Tribunal caso ela ocorra simultaneamente por essas duas vias.
E isso não se deve à preferência subjetiva, pois não se podem deixar de publicar no Diário de Justiça Eletrônico os despachos, as decisões interlocutórias, os dispositivos das sentenças e as ementas dos acórdãos por força expressa, cogente e impositiva do art. 205, §3º do Código de Processo Civil.
Logo, embora seja possível a intimação eletrônica pelos Portais dos Tribunais, não se mostra recomendável, e a prática forense é repleta de exemplos nesse sentido, que sejam veiculadas intimações concomitantemente pelo Diário de Justiça Eletrônico, a ensejar, como ocorre, grande insegurança aos operadores forenses, notadamente aos advogados. E, acaso haja a veiculação da intimação por essas duas vias ao mesmo tempo, como ocorre com grande frequência, que seja prestigiada a segurança jurídica inerente à intimação publicada no Diário de Justiça Eletrônico.
O processo não pode ser um fim em si mesmo, mas um verdadeiro meio (veículo) para a solução de litígios e a satisfação de direitos materiais (substanciais). Infelizmente, em razão de incoerências legais e da falta de uma sistematização racional do ordenamento jurídico, ainda há muitos julgamentos apenas de questões meramente processuais, tais como as inúmeras discussões sobre prazos que, a despeito do julgado que ensejou esta análise, continuarão a assoberbar os Tribunais e a causar insegurança aos advogados.
Portanto, apesar da orientação da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça no julgamento em destaque, seria mais seguro e claro, pelo menos até que se unifiquem os sistemas dos Tribunais e solucionem alguns dos seus principais problemas (alguns dos mais relevantes exemplificados nesta análise), que prevaleça a intimação veiculada pelo Diário de Justiça Eletrônico, que é, repita-se, exigida pelo Código de Processo Civil, deixando que os advogados foquem mais nas questões de direito material (substancial).
Todavia, diante dessa ainda polêmica questão (o julgamento não foi unânime), é altamente recomendável que o advogado, por cautela, sempre se paute pela prática do ato processual "no menor prazo" quando houver concomitante intimação, tanto pelo Portal do Tribunal como pelo Diário de Justiça Eletrônico.
Carlos Gustavo Rodrigues Reis
Sócio de Rennó Penteado Sampaio Advogados.