Alta do IGP-M: possibilidade de revisão dos contratos de locação
No acumulado dos últimos 12 meses, o IGP-M apresentou aceleração na alta do percentual, atingindo a maior média desde o início do plano real.
segunda-feira, 5 de julho de 2021
Atualizado às 09:38
O Índice Geral de Preços (IGP), calculado pela Fundação Getúlio Vargas, abrange os preços ao consumidor (IPC), preços ao produto (IPA) e custo de construção (INCC)1. O IGP-M (Índice Geral de Preços - Mercado) tem coleta de preços do dia 21 do mês anterior ao de referência ao dia 20 do mês de referência.
O cálculo do índice leva em consideração o IPA-M (Índice de Preços ao Produtor Amplo), INCC-M (Índice Nacional de Custo da Construção - Mercado) e IPC-M (Índice de Preços ao Consumidor - Mercado). Deste modo, o IGP-M varia de acordo com a estabilidade ou instabilidade do mercado.
Nos últimos 12 meses (jun/2020 - jun/2021), o índice apresentou alta aceleração, atingindo o maior patamar histórico desde o estabelecimento do plano real. No ano de 2021, o IGP-M, no mês de junho, atingiu o percentual de 15,08% no ano e de 35,75% em 12 meses.
Desde 2020, a aceleração do índice não corresponde à inflação do país, calculada com base no IPCA, estando bastante superior. Até maio de 2021, o IPCA acumulava 8,06% no acumulado de 12 meses.
O IGP-M historicamente é o índice utilizado para a correção de valores nos contratos imobiliários, em especial, de locação. Assim, considerando o valor acumulado no período de 12 meses, locadores e locatários atualizam os aluguéis, adequando à valorização ou desvalorização da moeda nacional.
Ocorre que, a crescente do índice, gerou um impacto assustador para os locatários, tendo em vista que, além dos impactos econômicos ocasionados pela pandemia da covid-19, deveriam suportar a correção do valor dos aluguéis, além do esperado.
Considerando esse aumento imprevisível, iniciou-se uma movimentação para renegociar os contratos de locação, bem como, diante das negativas dos locadores, a busca pelo Poder Judiciário visando a revisão dos contratos de locação.
Muito embora a maioria dos contratos não preveja a possibilidade de revisão de valores, o art. 19 da Lei de Locações confere a quaisquer das partes integrantes do negócio jurídico o direito de pedir a reanálise judicial, após três anos de vigência. De igual forma, antes do prazo previsto no dispositivo, não se afasta o direito de as partes questionarem, perante o Poder Judiciário, eventuais abusividades.
No tocante à substituição do índice de correção dos aluguéis, o locador poderá se valer da teoria da imprevisão (arts. 478, 479 e 480 do Código Civil). De acordo com a teoria, são necessários os seguintes requisitos: (i) contrato de execução continuada ou diferida; (ii) fato superveniente; (iii) acontecimento extraordinário e imprevisível; (iv) onerosidade excessiva da prestação de uma das partes; (v) vantagem extrema para outra parte.
O ponto crucial para o êxito em uma ação judicial é a demonstração da imprevisibilidade e do risco alheio ao contrato. O enunciado 440 da V Jornada de Direito Civil fixou o entendimento no sentido de que, além de imprevisível, a onerosidade não deve compor a álea assumida no contrato2.
Há anos, consultores econômicos já indicam a imprevisibilidade do IGP-M, valendo destacar uma matéria publicada pela Opportunity Consultoria, escrita por Eduardo Marques, afirmando o seguinte: "Temos segurança em afirmar ser mais adequado a adoção de IPCs como indexadores para reajustes de contratos de aluguéis em lugar do IGP-M, que aumentaria a previsibilidade e o equilíbrio na relação entre as partes."3
Outro fator que contribui para demonstrar a imprevisibilidade no aumento do índice é a pandemia da covid-19. A crescente nos percentuais mensais começou a acelerar em razão da variação econômica ocasionada pela pandemia do coronavírus, de modo que não era possível prever tal acentuação.
De outro ponto, o risco de perda encontra-se no pacta sunt servanda (força obrigatória dos contratos). Tomando por base essa teoria, a livre manifestação de vontade externalizada tem força de lei entre as partes, de modo que deve ser integralmente cumprida, sendo afastada somente em casos excepcionais.
Os tribunais estaduais ainda não possuem entendimento firmado e pacificado sobre a temática, porém alguns casos estão ganhando destaque. No TJ/RS, a ação civil pública ajuizada pelo Sindicato dos Lojistas do Comércio de Porto Alegre pugnou pela substituição do índice.
Na inicial do processo 5027507-51.2021.8.21.0001, em trâmite perante a 16ª Vara Cível da Comarca de Porto Alegre/RS, o Sindicato destacou a evolução do índice IGP-M durante o ano de 2020 e o primeiro semestre de 2021. Além disso, foi sustentada a crise econômica ocasionada pela pandemia da covid-19, bem como a necessidade dos lojistas se recuperarem dos impactos sofridos.
O processo está em julgamento, no entanto, o magistrado de primeiro grau deferiu a antecipação dos efeitos da tutela para determinar a substituição. Contudo, o TJ/RS reformou a decisão por entender que não havia urgência no pedido.
O TJ/SP encontra-se avançado na discussão da temática. Em decisão final no recurso de apelação, a 30ª Câmara Cível, no processo de 1023541-07.2020.8.26.0564 reformou a sentença para determinar o afastamento do índice, sendo substituído pelo IPCA.
Há bastante espaço para formação do convencimento dos julgadores em outros tribunais, tendo em vista que o caso ainda não foi analisado pelo Superior Tribunal de Justiça.
A negociação amigável dos contratos é a melhor opção para manter a boa relação entre os contratantes, porém, não sendo possível a resolução consensual, é possível o ajuizamento de uma ação revisional, pugnando pela substituição do índice.
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1 FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS. IGP-M: Resultados 2021. Acesso em: 1º jun. 2021.
2 A V Jornada de Direito Civil fixou o Enunciado n. 440, nos seguintes termos: "É possível a revisão ou resolução por excessiva onerosidade em contratos aleatórios, desde que o evento superveniente, extraordinário e imprevisível não se relacione com a álea assumida no contrato."
3 MARQUES, Eduardo. O IGP-M como indexador de contratos de aluguéis.
Kaio de Albergaria Iglesias Moure
Advogado Associado da MoselloLima Advocacia, integrante do núcleo de direito imobiliário e agrário. Pós-graduado em Direito Digital pela Fundação do Ministério Público. Integrante do Observatório Jurídico do Grupo Processualistas.