A cultura da preguiça no mundo moderno
A vida é sobre aprender. E é isso que talvez essa nova geração de profissionais não tenha entendido até agora, sempre com planos imediatistas que não gerem muito esforço.
quinta-feira, 1 de julho de 2021
Atualizado às 11:20
Sou das antigas. Admito. Sou ainda do tempo que meritocracia era o fator determinante para uma carreira. Que o entendimento de que esforço e trabalho duro faziam a gente crescer tecnicamente, profissionalmente e até espiritualmente (e por que não?).
E é por isso que não entendo profissionais (geralmente mais novos) que insistem em sempre buscar o menor esforço, o menor trabalho possível, a satisfação imediata e a falta de visão a longo prazo.
E aí você me fala: o mundo é disruptivo hoje. Essa palavra, muitas vezes usada fora do contexto correto, é a justificativa para muita coisa hoje em dia. Ser disruptivo é uma coisa. Ser preguiçoso e querer um atalho para ganhar sem esforço é outra.
Conheço muitas pessoas que, em suas devidas áreas de atuação, foram disruptivas e posso afirmar: esses caras suaram a camisa. Não foi algo como "nossa, tive uma ideia milionária, vou ficar rico entre hoje e amanhã", como muita gente pensa. Provavelmente toda inovação disruptiva que podemos considerar hoje, tiveram anos de aprimoração, estudo e evolução.
Hoje sou dono de empresa há quase 20 anos e graças a Deus sempre consegui fazer fortemente a evolução institucional e financeira de minha consultoria. Só que antes de abrir o Grupo Inrise passei anos aprendendo, me adequando, tomando porrada e me decepcionando com os mais diversos aspectos empresariais, para que, hoje, eu pudesse conduzir uma empresa sólida. Agora imagine eu, sem experiência nenhuma, aos 17 anos, querendo ser CEO de uma empresa? O cenário pode ser ridículo, mas é infelizmente o que muito recém formado pensa hoje, mesmo não tendo "aquela ideia milionária" que pode iniciar seu império.
Entendo que existam pessoas especiais que conseguem ter ideias e visões avançadíssimas de seus empreendimentos e, portanto, conseguem ser realmente disruptivas mostrando caminhos nunca antes pensados e trabalhados. Mas são poucas as pessoas que tem realmente esse dom. O que vejo, na verdade, são jovens com preguiça de entrar no jogo para se machucar, para aprender a ser um profissional autossuficiente através de suor, noites mal dormidas e dor de cabeça de ter que olhar para uma tela de computador durante inúmeras horas.
Mas de onde vem esta percepção? Um dos braços do Grupo Inrise é a Inrise Recrutamento que seleciona profissionais qualificados para escritórios jurídicos. Pois bem. Dois dos problemas que mais assustam e que me fazem escrever esse artigo são: a percepção irreal que o candidato tem de si e de sua carreira e, ainda, o volume de responsabilidade que ele está disposto a aceitar.
Se na teoria tudo é ótimo, com frases como "trabalho bem sob pressão", "sei lidar com quaisquer circunstâncias", "adoro desafios" e outros, na prática a coisa é bem diferente. Onde já dizia o mestre "a advocacia não é para os covardes", eu acrescento "e nem para os preguiçosos". Então a coisa que mais me desanima em alguns representantes (obviamente não todos) dessa nova geração de profissionais é ver uma pessoa declinar um emprego pois "o trabalho era muito intenso" ou "não tinha ninguém para ensinar" ou "é muito longe da minha casa" ou ainda, o meu preferido "prefiro não aceitar esse emprego pois vai interferir na minha vida social". Infelizmente todas as citações acima são reais. Comicamente trágicas, mas reais. Minha vontade, sinceramente, é questionar a esses ilustres inexperientes reis da preguiça: você tem ideia de quantas pessoas se matariam para ter uma oportunidade de emprego nos dias atuais?" A verdade é que muitos jovens querem ser a borboleta, mas não querem ter que gastar tempo e força para romper o casulo.
Um dos meus primeiros empregos foi em uma empresa de eventos que montava os stands para Goodyear. Fui contratado como "estagiário de marketing". Minha função? Polir e passar graxa (o tradicional "pretinho" como se costumava falar) nos pneus para que eles ficassem bonitos no stand. Calor de 40 graus, 30 pneus para polir e um prazo de tempo muito curto. Sinceramente, um dos piores empregos que já tive. Sinceramente, um dos melhores empregos que já tive. Contraditório, mas real. Tecnicamente qualquer pessoa que analisasse a oportunidade iria desistir, mas foi esse emprego - e outros que se seguiram - que me deram habilidades concretas que uso até hoje em minhas consultorias. Pode parecer besteira, mas sem vivência real, erros e acertos, suor e cansaço, não se vira um consultor decente.
A vida é sobre aprender. E é isso que talvez essa nova geração de profissionais não tenha entendido até agora, sempre com planos imediatistas que não gerem muito esforço. Se você não faz parte desse perfil, parabéns. Se você considera seu esforço adequado para seus sonhos, parabéns. Não quero aqui generalizar uma geração, pois a verdade é que existem muitos profissionais que, só de analisar a atuação inicial em escritórios que trabalhamos, se nota que o novato tem futuro. Sem enrolação, sem mimimi, sem desculpas. Ele veio para trabalhar e aprender. Porém, não podemos negar e evidenciar que existe uma parte destes profissionais que ainda não entendeu o significado da palavra "trabalho". Se esse artigo puder fazer pelo menos um destes profissionais arregaçar as mangas, parar de assistir Netflix e ir à batalha pelo seu espaço, já me sinto vitorioso e útil para um futuro melhor.
É assim que tento ajudar os novatos, há mais de 20 anos: fazendo eles aprenderem a aprender. E você acha que eu aprendi tudo? Obviamente não. Estamos aprendendo todo dia, sem parar, até o dia que aprenderemos a dar o passo final, fechar nossos olhos e confiar que deixamos o nosso melhor esforço como legado.
Bom crescimento!
Alexandre Motta
Consultor e sócio diretor do Grupo Inrise.