Influenciadores e os sorteios nas redes sociais: Quais são os limites legais?
É de suma importância que anunciantes/empresas promotoras e influenciadores estejam alinhados quanto às obrigações que devem ser respeitadas.
quarta-feira, 30 de junho de 2021
Atualizado às 08:19
Curta, compartilhe e concorra! Não é preciso ser um internauta aplicado ou despender horas de scroll down na tela de aparelhos eletrônicos para já ter se deparado com frases deste tipo sendo ditas ou publicadas por pessoas que, de algum modo, exercem influência por meio das redes sociais.
De acordo com um estudo do YouPix citado em matéria do jornal Meio & Mensagem1, o investimento em marketing digital feito por empresas de diferentes segmentos, que em 2019 variava entre R$ 300 mil e R$ 1,5 milhão, teve crescimento de aproximadamente 68% entre o período de 2019 a 2021.
Segundo dados de matéria da revista Press2, a Squid, uma das empresas pioneiras do ramo de marketing de influência no Brasil, teve um aumento de ao menos 95% no número de influenciadores digitais cadastrados em sua plataforma apenas no ano de 2020.
Esse novo formato de comunicação surgiu no Brasil3 em meados de 2012 e teve um aumento exponencial no ano de 2018, com o protagonismo dos influenciadores digitais na divulgação de produtos recebidos/comprados, os populares "unboxing", nas postagens patrocinadas e até mesmo mediante a condução de mecânicas contemporâneas de sorteios em redes sociais, visando sempre a divulgação de marcas parceiras.
Mas afinal, o que é o marketing de influência?
Segundo Bakker4, em suma, o "marketing de influência é definido como um processo no marketing digital onde líderes de opinião (influenciadores) são identificados e então integrados dentro de uma comunicação de marca em plataformas de mídia social".
Em um mundo altamente digital, em que as novas gerações crescem em sua maioria cada vez mais imersas às experiências nas redes sociais, parece claro o porquê deste processo ter se tornado quase que essencial às campanhas dos mais distintos anunciantes.
Em 2021 o Brasil superou a China e assumiu o posto de país em que o público consumidor é mais impactado pela influência digital, segundo dados da Statista Global Consumer Survey5. De acordo com este levantamento, 40% dos consumidores brasileiros já compraram algum produto em razão do trabalho feito por um influencer:
De acordo com o Google, 6 a cada 10 usuários do YouTube que pertencem à geração de millennials6 preferem comprar determinado produto baseados na opinião de seu influenciador favorito do que de sua celebridade favorita do cinema ou televisão (O'Neil-Hart & Blumenstein, 2016)7.
E é sob esta lógica que o marketing de influência tem sido aplicado em diversas frentes, inclusive para fins de geração de engajamento em mecânicas de distribuição gratuita de premiações.
No Brasil, a distribuição gratuita de prêmios a título de propaganda é popularmente conhecida como promoção comercial, possuindo regulamentação específica desde 1971, como é o caso da lei Federal 5.768.
Com base na referida lei e suas posteriores alterações, a promoção comercial é caracterizada pela "distribuição gratuita de prêmios a título de propaganda quando efetuada mediante sorteio, vale-brinde, concurso ou operação assemelhada (...)" e "(...) dependerá de prévia autorização do Ministério da Fazenda, nos têrmos desta lei e de seu regulamento" (grifos nossos). Atualmente, o Ministério da Economia, através da Secretaria de Avaliação, Planejamento, Energia e Loteria (SECAP), é competente para regular e fiscalizar o tema.
E qual seria, então, a definição de propaganda8 para fins de promoção comercial?
Propaganda9 deriva do latim propagare, ou seja, reproduzir por propagação. Também, emana da palavra pangere, que significa plantar, enterrar, mergulhar10.
Na legislação brasileira, o conceito emerge na esfera da comunicação social, especificamente no artigo 5º da lei 4.680/1965, segundo o qual propaganda é "qualquer forma remunerada de difusão de ideias, mercadorias ou serviços, por parte de um anunciante identificado".
Portanto, distribuir premiação de forma gratuita com a finalidade, mesmo que indireta, de divulgação de determinado produto, serviço ou marca, será enquadrado como promoção comercial, devendo o responsável pela ação respeitar a legislação própria e submeter-se à fiscalização da SECAP.
Apesar de todos os esforços das autoridades em manter legislação de promoções atualizada, fato é que a velocidade mudanças tecnológicas e a constante metamorfose das novas ferramentas de comunicação dificulta bastante o processo de modernização da lei.
Este lapso entre a atualização das leis e as novas realidades da sociedade faz com que muitas questões e práticas cotidianas ainda não estejam reguladas e/ou não tenham uma orientação da autoridade reguladora.
No dia a dia muito se questiona se o influenciador poderia fazer uma promoção em seu nome e se seriam regulares as promoções conduzidas por influenciadores nas mídias sociais.
De acordo com a lei 5.768/71, recentemente modificada pela lei 14.027/2020, "a autorização (para realização de promoções comerciais) sòmente poderá ser concedida a pessoas jurídicas que exerçam atividade comercial, industrial ou de compra e venda de bens imóveis comprovadamente quites com os impostos federais, estaduais e municipais, bem como com as contribuições da Previdência Social, a título precário e por prazo determinado, fixado em regulamento, renovável a critério da autoridade11".
Tal lei ainda estabelece que "também poderão ser autorizadas (a realizar promoções comerciais) as redes nacionais de televisão aberta12, assim reconhecidas pela Agência Nacional de Telecomunicações - Anatel, que prestem serviços de entretenimento ao público por meio de aplicativos, de plataformas digitais ou de meios similares, na forma definida em regulamento, observado o disposto no § 1º".
A legislação não prevê a possibilidade de obtenção de autorizações diretamente por pessoas físicas. E ao nosso ver isto não é à toa. A fim de mitigar o risco de ações de distribuição gratuita de prêmios sem o devido lastro financeiro, o que poderia, dentre outras situações, impossibilitar a aquisição da premiação ofertada e frustrar a expectativa dos consumidores, o decreto 70.951/72 fixou que "o valor total dos prêmios a serem distribuídos pela empresa não poderá exceder, em cada mês, a cinco por cento (5%) da média mensal da receita operacional relativa a tantos meses, imediatamente anteriores ao pedido, quanto sejam os do plano da operação, desde que não superior a quinhentas vezes o maior salário-mínimo vigente no país".
De forma a garantir o cumprimento da comprovação de receita operacional, a lei estabelece que as empresas interessadas devem apresentar à autoridade reguladora demonstrativos de receita operacional devidamente assinados por contador e/ou técnico contábil.
Como se verifica, a lei não permite que o influenciador realize promoções comerciais em seu nome, enquanto pessoa física.
Contudo, é de conhecimento geral que de forma a profissionalizar suas atividades, que no dia a dia é rodeada de assistentes e assessores, e buscar mais eficiência fiscal, artistas, personalidades e até mesmo influenciadores, montam verdadeiras empresas para gerir suas atividades.
Para esses casos, estando o objeto social da empresa do influenciador de acordo com os requisitos estipulados em lei, não há objeção no tocante a esta empresa solicitar uma autorização para a realização de uma promoção comercial em seu nome, tampouco para ingressar como aderente à promoção comercial promovida por terceiros. Há diversos caminhos a serem explorados.
No entanto, em quaisquer destes caminhos todas as etapas de obtenção da autorização junto à SECAP deverão ser exauridas até que seja emitido um número de certificado de autorização pela autoridade.
Dessa sorte, será necessário que a empresa do influenciador efetue o pagamento da taxa de fiscalização, apresente toda a documentação exigida (inclusive termos de adesão e mandato, quando empresa terceira se beneficiar da promoção comercial pretendida), elabore e encaminhe para aprovação da SECAP um regulamento (plano de operação) claro e íntegro, recolha os valores devidos a título de imposto de renda e cumpra as obrigações relativas à entrega dos prêmios (inclusive recolhendo o valor da premiação ofertada ao Tesouro Nacional em caso de não reivindicação da premiação).
Na prática a obtenção de autorização por influenciadores não é tão usual. Isto porque muitos se mostram preocupados com a complexidade e aparente burocracia e morosidade do processo de aprovação.
No entanto, ao contrário do que muitos acreditam, fato é que após importantes investimentos e esforços das autoridades, esse processo passou a ser bastante célere, fazendo com que os esforços dos promotores valham à pena, pois além de garantir o cumprimento da lei, essa cautela evita a aplicação de multas e penalidades, além de eventuais litígios entre os influenciadores e os anunciantes.
Mas quais condutas praticadas por influenciadores são vedadas pela legislação aplicável às promoções comerciais?
São muitas. Por exemplo, podemos mencionar a recorrente utilização de aplicativos de sorteio instantâneo, não apenas por influenciadores, mas por empresas, para identificar os contemplados na ação. Por mais simples, comum e conveniente que este formato de mecânica possa ser, o uso desse recurso é ilegal. Isto porque, nos termos da lei, a realização de promoções comerciais na modalidade sorteio deverá, em qualquer hipótese, ter o seu resultado aferido com base na extração do resultado da Loteria Federal.
Além disso, importante destacar que a autorização para a realização da promoção não deve ser a única preocupação dos anunciantes e influenciadores. No dia a dia, é possível constatar que diversas das ações realizadas nas redes socias são dotadas de irregularidades que de um lado impediriam sua aprovação pela SECAP e, de outro, expõem o influenciador e os anunciantes ao risco de configuração de publicidade abusiva ou enganosa, o que pode dar causa à aplicação das severas penalidades previstas do Código de Defesa do Consumidor (CDC), inclusive as de natureza criminal.
A título exemplificativo, invariavelmente não há indicação expressa de que o conteúdo das postagens possui teor publicitário; a oferta ou condições da ação não são claras; tampouco há um regulamento estabelecendo de forma simples e objetiva as condições da ação.
Enfim, não é apenas a regulamentação de promoção comercial que deve ser observada pelo influenciador e pelos anunciantes e agências de publicidade que contratam seus serviços. Como mencionado, também deverão ser observadas as regras do CDC; as diretrizes emanadas pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR); o Estatuto da Criança e do Adolescente, quando aplicável; bem como as demais leis e regulamentações eventualmente cabíveis ao contexto da promoção desenhada, além dos termos e condições de cada plataforma de comunicação que venha a ser utilizada para promover ou conduzir a ação.
"Ah, mas isto é um problema do influenciador que contratei!", podem pensar alguns anunciantes e agências. Mas não é bem assim. Ao identificar uma promoção comercial irregular, seja de ofício ou por meio de denúncia, a SECAP poderá instaurar um processo administrativo para apurar as infrações cometidas e, a depender do grau de ingerência e envolvimento do anunciante, também responsabilizar e penalizar o anunciante pela infringência aos termos da legislação.
Este processo, inclusive, pode resultar, de forma isolada ou cumulativa, na (i) conversão da ação irregular em promoção comercial, devendo ser recolhidas as custas aplicáveis; (ii) multa de até cem por cento da soma dos valores da premiação ofertada; e (iii) proibição de realizar promoções comerciais por até dois anos. Quando houver sido concedida autorização, mas houver descumprimento do plano de operação, poderá ocorrer também a cassação da respectiva autorização.
Além das penalidades acima, o consumidor que se sentir prejudicado, ou até mesmo os órgãos de defesa do consumidor, poderão reivindicar seus direitos junto aos anunciantes que estiverem fomentando a promoção.
Mas e quando há a contratação do influenciador única e exclusivamente para divulgar uma promoção comercial, sem qualquer ingerência ou atuação na mecânica da mesma?
Sob este enfoque, é interessante mencionar que o CONAR, em dezembro de 2020, publicou o seu Guia de Publicidade por Influenciadores Digitais13, elaborado pelo grupo de trabalho para a publicidade digital, visando estabelecer diretrizes adicionais voltadas aos anúncios e campanhas publicitárias realizadas no ambiente digital. Diferentemente do que ocorre no processo legislativo, por motivos óbvios, os órgãos da autorregulamentação possuem muito mais maleabilidade para adequar seus regulamentos às inovações do mercado, além de conseguirem o fazer de forma bastante célere.
Segundo o Guia, em geral são três os elementos cumulativos que caracterizam uma publicidade: (i) a divulgação de produto, serviço, causa ou outro sinal a eles associados; (ii) a compensação ou relação comercial, ainda que não financeira, com o anunciante e/ou agência de publicidade; e (iii) a ingerência por parte do anunciante e/ou agência de publicidade sobre o conteúdo da mensagem.
Partindo da premissa que uma promoção comercial tem caráter essencialmente publicitário, é imprescindível que as postagens relativas à mesma estejam devidamente identificadas como publicidade, de acordo com o preconizado nas leis e regulamentações aplicáveis.
Apesar de parecer um método simples de engajar consumidores, a promoção comercial cerca-se de particularidades que muitas vezes não são conhecidas ou passam despercebidas pelo mercado, expondo tanto as empresas, agências, como os influenciadores a um risco desnecessário.
Portanto, é de suma importância que anunciantes/empresas promotoras e influenciadores estejam alinhados quanto às obrigações que devem ser respeitadas.
Aos consumidores, lembrem-se: antes de participar de uma promoção comercial, busque sempre verificar se há um certificado de autorização emitido pela SECAP para aquela promoção e, em caso de dúvida, faça a consulta pública no site da autoridade14.
2 Fonte: Marketing de Influência expande em 2020 e desponta como grande estratégia para marcas.
3 Primeiro caso denunciado e julgado pelo Conselho de Autorregulamentação Publicitária (CONAR). Fontes: Conar investiga blogueiras por mensalão da moda. e "BLOG DA MARIAH" - "BLOG DA THASSIA" - "BLOG DA LALA RUDGE".
4 Bakker (2018, p. 80), citado por Andressa Bizutti Andrade (O Marketing de Influência na Comunicação Publicitária e suas Implicações Jurídicas).
5 Fonte: Brasil lidera ranking de influência digital.
6 Os millennials, também conhecidos como a geração Y, são aqueles nascidos entre 1979 e 1995. Quem veio depois disso já é considerado a geração Z (os centennials).
7 Fonte: Why YouTube stars are more influential than traditional celebrities.
8 A Carta Magna adota a expressão "propaganda comercial" para as atividades publicitárias (art.22, XXIX), novamente a Constituição Federal ("CF") reitera esse termo no artigo 220, "a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição".
9 Com base no Dicionário Michaelis "propaganda" significa: pro.pa.gan.da sf (lat. propaganda). 1 Ato ou efeito de propagar. 2 Disseminação de ideias, informação ou rumores com o fim de auxiliar ou prejudicar uma instituição, causa ou pessoa. 3 Doutrinas, ideias, argumentos, fatos ou alegações divulgados por qualquer meio de comunicação a fim de favorecer a causa própria ou prejudicar a causa oposta. 4 arc Sociedade que vulgariza certas doutrinas. 5 O mesmo que publicidade. P. enganosa, Propag: propaganda que anuncia determinado produto ou serviço, atribuindo-lhe qualidade superior à real, ou características que o mesmo não possui.
10 Conceito introduzido pelo Papa Clemente VII, em 1597, quando fundou a Congregação de Propaganda, com o fito de propagar a fé católica pelo mundo.
11 Artigo 1º, § A da lei 5.768/71.
12 Artigo 1º, § B da lei 5.768/71.
13 Guia de Publicidade por Influenciadores Digitais.
14 Site da SECAP para consulta.
Luiz Werneck
Responsável pelas áreas de Contratos e Legal Marketing & Advertising, além de ser corresponsável pela área de Direito Automotivo do IWRCF.
Talita Sabatini Garcia
Advogada formada pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo (2009), é pós-graduada em Contratos Empresariais (2015) e em Propriedade Intelectual (2017) pela Fundação Getúlio Vargas (GV-Law).