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Abuso do direito de ação. Assédio processual e as demandas trabalhistas

Andriele Karine Pedralli Farias

Estabelecer um sistema de sucumbência nada mais é do atribuir ao vencido a responsabilidade pelo pagamento de custas e honorários advocatícios, o que difere em muito de negar ao autor o direito à tutela judicial ou restringir o seu direito constitucional de ação.

terça-feira, 29 de junho de 2021

Atualizado em 8 de julho de 2021 16:39

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

O direito de ação está previsto no art. 5º, XXXV, da CFRB/88, que assim dispõe: "A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". Trata-se do conhecido princípio da inafastabilidade da jurisdição.

Embora se trate de direito fundamental, seu exercício exige responsabilidade, dada a possibilidade de reflexos sobre a esfera jurídica de terceiros. Consequência disso, são por exemplo, a imposição de sanções ao litigante de má-fé e a positivação de deveres como da boa-fé e da lealdade processual (CPC, arts. 5º, 79 e 81). 

Dentre as várias possíveis facetas do abuso do direito de ação está uma ainda pouco debatida na Justiça do Trabalho: o "assédio judicial ou processual". Alguns doutrinadores entendem que se trata de um desdobramento do dano moral e outros ainda que estaria dentro do instituto da litigância de má-fé.

O assédio processual se concretiza pelo exercício abusivo ou reprovável do direito de defesa ou de petição perante o Poder Judiciário, com a intenção de retardar a responsabilização por ilícitos, o pagamento de dívidas ou, no caso do autor, de enriquecimento sem causa. É a utilização reprovável do direito de ação.

Quando se fala em assédio processual, aparenta tratar-se de um comportamento relacionado à ação processual do demandado e quase sempre associada à morosidade do processo. De fato, quando pensamos em recursos protelatórios, procrastinação do feito, interposição de incidentes infundados, associamos a condutas antijurídicas do reclamado no curso da ação trabalhista.

É incomum refletir sobre o abuso do direito quando praticado pelo reclamante. No entanto, o autor abusa do seu direito de ação quando, por exemplo, ingressa com reclamação trabalhista com pedidos além daqueles que efetivamente deixaram de ser pagos; quando ajuíza ação objetivando enriquecimento ilícito; quando a litigância é simulada. Nas palavras da ministra Nancy Andrighi: "O ajuizamento de ações sucessivas e sem fundamento para atingir objetivos maliciosos é "assédio processual"1 .

Em que pese o exercício de forma abusiva dos atos processuais possa partir também da parte autora, é raro encontrar doutrina ou jurisprudência sobre o assédio processual praticado pelo empregado.

Certamente, é temerário o comportamento de quem se utiliza do aparelho judicial trabalhista para alcançar o que é indevido ou com intuito procrastinatório, seja autor ou réu. Nesse cenário, argumentações fúteis, pedidos despropositados ou o descompromisso com a razoável duração do processo podem ser enquadrados como assédio processual e ensejam reparação, pois evidenciam a deslealdade processual da parte.

Embora já se utilizassem na Justiça do Trabalho, de forma subsidiária, as disposições do Código de Processo Civil acerca das penalidades por litigância de má-fé, não havia na Consolidação das Leis Trabalhistas regramento específico para a  responsabilização por dano processual. Porém a Reforma Trabalhista criou disposição específica direcionada a coibir lides levianas. Trata-se do artigo 793-A da CLT, que prevê responder por perdas e danos aquele que litigar de má-fé como reclamante, reclamado ou interveniente2 .

Consoante Rogério Marinho "a ideia contida nesses dispositivos é a de impedir as ações temerárias, ou seja, aquelas reclamações ajuizadas ainda que sem fundamentação fática e legal, baseada apenas no fato de que não há ônus para as partes e para os advogados, contribuindo, ainda, para o congestionamento da Justiça do Trabalho"3 .

Os procuradores, como coadjuvantes na concretização do assédio processual, podem se condenados de forma solidária, seja pelo ajuizamento de lides temerárias ou sabidamente improcedentes, seja pela utilização do vernáculo inapropriado, ofensivo e truculento, com vistas a constranger e intimidar a parte contrária.  Nesse sentido: "A imunidade conferida ao advogado para o pleno exercício de suas funções não possui caráter absoluto, devendo observar os parâmetros da legalidade e da razoabilidade, não abarcando violações de direitos da personalidade, notadamente da honra e da imagem de outras partes ou de profissionais que atuem no processo"4 .

A garantia constitucional de acesso integral à Justiça é pilar do Estado de Direito, porém para muitos acaba constituindo incentivo para demandas aventureiras. Isso sobretudo no cenário que antecedeu a reforma trabalhista, quando livres dos ônus de sucumbência.  

Estabelecer um sistema de sucumbência nada mais é do que atribuir ao vencido a responsabilidade pelo pagamento de custas e honorários advocatícios, o que difere em muito de negar ou restringir ao autor o seu direito constitucional de ação.  Ademais, a condenação ao pagamento de indenização pelo abuso do direito de ação se faz necessária para que se repense a judicialização inconsequente que sobrecarrega o Judiciário. É preciso compensar também a parte contrária, como forma de reparar, ainda que minimamente, os danos causados pelo assédio processual praticado no curso da demanda.

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1- STJ. 3ª Turma. REsp 1817845-MS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. Acd. Min. Nancy Andrighi, julgado em 10/10/2019

2- PERSEGUIM, Isabella Bishop -  Uma intersecção da litigância de má-fé após a entrada da reforma trabalhista e o CPC[ Em linha]. [Consult. 27 Set. 2019].  Disponível aqui.

3- MARINHO, Rogério - COMISSÃO ESPECIAL DESTINADA A PROFERIR PARECER AO PROJETO DE LEI Nº 6.787, DE 2016. p. 70. [Em linha]. [Consult. 29 Nov 2020]. Disponível aqui

4- Jurisprudência em teses (STJ). Disponível aqui.

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DELGADO, Maurício Godinho - Curso de Direito do Trabalho. 17 ed. São Paulo: LTR, 2017. ISBN 978-85-361-9556-8.

FONSECA, José Geraldo da - Dano moral da pessoa jurídica.  Revista do Tribunal Superior do Trabalho. Vol. 75, n.4. Porto Alegre: Magister Editora, 2009.

JUSBRASIL - Responsabilidade pessoal dos advogados por lide temerária de suposto dano moral.  [Em linha].   [Consult. 15 Set. 2019].  Disponível aqui.

LEI Nº 13.467, DE 13 DE JULHO DE 2017: Altera a Consolidação das Leis do Trabalho. Planalto. Planalto. [Em linha]. Disponível aqui.

LENZA, Pedro - Direito constitucional esquematizado. 22. ed. São Paulo : Saraiva Educação, 2018. E-book.  1.926 p.   ISBN 9788553602254.

MORAES, Alexandre de - Direito Constitucional. 33 ed. São Paulo: Atlas, 2017. 666 p. ISBN: 978-85-97-01129-6

OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de - O dano extrapatrimonial após a Lei nº. 3.467/2017. In Revista Eletrônica do Tribunal Regional do Trabalho do Paraná. vol. VIII. Nº . 76.  [sl]:  Escola Judiciária, 2019. ISSN 2238-6114.

SANTOS, Enoque Ribeiro dos - O Dano extrapatrimonial na Lei 13.467/2017, da Reforma Trabalhista. p.8-9. [Em linha]. [Consult. 27 Set. 2019].  Disponível aqui.

Andriele Karine Pedralli Farias

Andriele Karine Pedralli Farias

Advogada do escritório Andrade Maia Advogados.

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