Danos morais por infidelidade conjugal: isso é possível?
No âmbito do Direito de Família, muito se discute a respeito da pretensão de indenização por dano moral em decorrência de infidelidade.
terça-feira, 22 de junho de 2021
Atualizado às 08:19
Nosso ordenamento jurídico reconhece o dano moral para aquele que sofrer violação de um dos direitos da personalidade, neles incluídos a honra, a imagem, a integridade física ou psíquica. Trata-se de um direito reconhecido constitucionalmente, no art. 5º, incisos V e X, da Constituição Federal.
No âmbito do Direito de Família, muito se discute a respeito da pretensão de indenização por dano moral em decorrência de infidelidade. Seria possível recorrer ao Poder Judiciário para ver reconhecido esse direito constitucional?
A resposta é positiva, mas com ressalvas. É que, embora a fidelidade recíproca seja um dos deveres do casamento (art. 1.566, inciso I, do Código Civil), a sua mera violação não é capaz de, por si só, configurar dano moral.
O entendimento majoritário, no âmbito dos nossos Tribunais, é no sentido de que, para que o dano moral seja indenizável diante da ocorrência de infidelidade conjugal, o sofrimento experimentado pelo cônjuge traído deve extrapolar o mero dissabor decorrente do término de qualquer relacionamento e ser capaz de afetar o seu psicológico, produzindo sofrimento físico, tamanha a humilhação, constrangimentos e, em alguns casos, exposição pública envolvidos.
Assim, para que o Judiciário reconheça o dever de indenizar, essas circunstâncias devem ser, necessariamente, provadas, pois constituem um dos requisitos necessários à responsabilização civil: o efetivo dano. Além dele, devem ser comprovados a conduta dolosa e o nexo causal entre essa conduta e o dano efetivamente sofrido. Ausentes um desses três elementos, não haverá reconhecimento de indenização por dano moral.
Há, contudo, uma posição no âmbito do Judiciário no sentido de que as relações do mundo moderno não permitem mais o reconhecimento de dano moral decorrente de infidelidade conjugal, uma vez que o adultério é tão comum na atualidade, que se deve considerá-lo até mesmo previsível, especialmente diante das facilidades hoje encontradas para aproximar pessoas, cujos interesses se identifiquem.
A despeito dessa corrente preconizada por parcela do Judiciário, a verdade é que, para a maioria das pessoas, a infidelidade conjugal é assunto bastante delicado e capaz de gerar, sim, transtornos psicológicos que justifiquem o dever de indenizar por parte do cônjuge faltoso. No entanto, caso pretenda ver reconhecido o seu direito constitucional de reparação pelos danos morais sofridos, o cônjuge traído contará com a inevitável subjetividade do julgador da causa.
Para escapar dessa verdadeira loteria, já que, como se viu, o Judiciário é bastante dividido com relação ao assunto, caso a infidelidade seja realmente uma questão moralmente relevante para o casal, uma solução é a elaboração de pacto antenupcial, no qual é possível estabelecer não só regras sobre o regime de bens que vigorará durante o matrimônio, como também sobre questões extrapatrimoniais, nelas incluída a indenização no caso de infidelidade.
Por se tratar de um verdadeiro contrato firmado entre o casal antes da celebração do casamento, caso haja o descumprimento de alguma das cláusulas do pacto antenupcial, bastará que a parte prejudicada ingresse no Judiciário, que, nesta hipótese, não poderá realizar juízo de valor, mas tão somente fazer cumprir o acordo particular existente entre as partes.
Dessa forma, havendo regramento acerca da violação do dever de fidelidade recíproca, como, por exemplo, a estipulação de multa caso o fato se torne público, o cônjuge traído poderá buscar o Poder Judiciário para obrigar o cônjuge faltoso a, de fato, efetuar o pagamento do valor pecuniário estabelecido pelas próprias partes, em momento anterior ao casamento, pelo descumprimento do dever de fidelidade recíproca.
Nessa hipótese, o interessado não precisará demonstrar o dano da mesma maneira como no caso em que não existe qualquer regramento específico sobre o assunto entre o casal. No exemplo mencionado, basta que haja a demonstração de que o ato se tornou público, independentemente da constatação de que as circunstâncias, de fato, atingiram o psicológico do cônjuge traído.
Além disso, como o pacto antenupcial é firmado, pelos nubentes, de livre e espontânea vontade e de acordo com as suas convicções em momento anterior ao casamento, não comporta discussão acerca de sua validade. É como se ele se tornasse lei entre as partes (princípio do pacta sunt servanda), devendo ser cumprido sem qualquer questionamento.
É claro que com isso, não se pretende monetizar as relações. Tampouco se almeja obrigar alguém a manter um casamento com uma pessoa que já não ama mais. Trata-se, isto sim, de estabelecer, previamente ao matrimônio, os valores relevantes ao casal, estipulando justa compensação para o caso de um dos cônjuges vir a ser traído, proporcionando-lhe amparo ante a dor e a angústia experimentadas e, ao mesmo tempo, de desestimular a própria prática da infidelidade conjugal, considerada ato ilícito pelo nosso ordenamento jurídico.