Stalking: criminalização e direito à indenização
Com a lei do stalking, a vítima perseguida, inclusive por meios virtuais, fica evidenciada que não será tolerado no sistema jurídico brasileiro violação à privacidade, à intimidade. O atuar ilícito será punido criminalmente e poderá servir de fundamento à responsabilização civil.
sexta-feira, 18 de junho de 2021
Atualizado às 07:55
No ano de 2020 a série 'YOU1' da plataforma Netflix, ganhou grande repercussão nas redes sociais e dividiu opiniões. A série retrata a história de Joe, gerente de livraria, que em um dos seus dias de trabalho, atende Beck uma escritora, que desejava comprar um livro.
A partir desse instante, Joe começa a título de conhecer Beck, pela internet, entra em todas as suas redes sociais, conhece os amigos que ela possui, os lugares que ela frequenta, o que ela lê, onde ela está, os check in, e atualizações.
Em um determinado momento, Joe descobre, por meio de uma foto postada em rede social, o local onde Beck mora e, assim, começa a manipular encontros, que parecem ser por acaso, ou seja, Joe torna-se um verdadeiro "Stalker2" de Beck.
No começo Beck sente-se lisonjeada com esses encontros casuais, com o gostar dos mesmos lugares, etc., mas depois isso acaba transtornando-a de tal forma porque Joe não a deixa um minuto em tranquilidade. Ela já não tem mais liberdade, privacidade, ou intimidade.
Apesar de se tratar de uma série americana, a situação é muito mais comum do que parece aos nossos olhos, porque muitas, porque não dizer milhares de pessoas sofrem esta perseguição.
Para criminalizar este tipo de perseguição, campo do Direito Penal, e dar ao perseguido o direito a indenizações, campo do Direito Civil, no dia 31 de março de 2021 foi sancionada a lei 14.132/2021, originária do PL 1.369/2019, de autoria da senadora Leila Barros e relatoria do senador Rodrigo Cunha, que ao adentrar no ordenamento jurídico brasileiro ficou conhecida como lei do "stalking", a qual adiciona ao Código Penal Brasileiro, o artigo 147-A.
O artigo 147 A, da lei penal, supre lacunas no ordenamento jurídico, dado que, o então artigo 65, da Lei de Contravenções Penais, decreto-lei 3.688 de 1941, aplicado para atuações de perturbação da tranquilidade alheia, estava aquém do cyberstalking, ou seja, incompatível com a evolução tecnológica, visto que o legislador de 1941 quando estipulou o tipo pena da contravenção, se baseou nos usos e costumes, no comportamento da sociedade da época, de modo que, a eleição do atuar descrito no artigo 147-A, criminalizando e responsabilizando a conduta ali descrita, é necessária para a proteção daqueles que sofrem a perseguição.
O mundo virtual é a realidade dos dias atuais, de maneira que, em decorrência dessa evolução, ocorreu o surgimento de novas modalidades de crimes, no qual se insere o "stalking".
LUCIANA GERBOVIC AMIKY,3 diz que o stalking é um comportamento tão antigo quanto os próprios grupos sociais e seu estudo teórico e sistematizado abrange as especialidades da Medicina, Psicologia e Direito. E aponta que o termo é um substantivo inglês, cuja definição original, conforme o Dicionário Cambridge, diz respeito à atitude de seguir uma pessoa ou animal tão perto quanto possível, sem ser visto ou ouvido, a fim de capturá-lo ou matá-lo.
Pode-se também dizer que o substantivo "stalking" deriva do vocábulo inglês "to stalk"4, no qual a tradução para a língua portuguesa significa uma perseguição incessante.
De toda a de maneira, verifica-se que o "stalker" invade a esfera da vida privada da vítima, através de ações repetitivas, que impedem a sua liberdade ocasionando a privação e medo.
Quando o stalker utiliza a tecnologia, é o que muitos estudiosos denominam cyberstalking, há envios reiterados de mensagens por aplicativos, contas falsas em redes sociais, comentários em postagens e a busca incessante de informações pessoais nos perfis, gerando na vítima todas as características de uma perseguição: medo e privação.
J. REID MELOY, psicólogo forense norte americano citado por LUCIANA GERBOVIC AMIKY, diz que o neologismo cyberstalking entrou no léxico inglês para designar a invasão indesejada à vida de alguém por meio da internet.
Assim sendo, ao praticar a conduta: perseguição reiterada por qualquer meio, o "stalker" ofende diretamente a intimidade, a privacidade, da vítima, bens jurídicos erigidos como diretos fundamentais na Constituição Federal, previsto no artigo 5.º, inciso X,5 bem como na Convenção Americana de Direitos Humanos no seu artigo 7.º, inciso I,6 o que mostra a sua extrema relevância, de maneira que o tratamento específico quanto a conduta delituosa e a responsabilização por esta, eram necessários.
O termo apesar de ser novo no nosso no sistema brasileiro, foi criado e tipificado como crime somente em 1990 nos Estados Unidos, no Estado da Califórnia, depois que a atriz norte-americana Rebecca Schaeffer,7 foi assassinada por um fã obcecado que a perseguiu reiteradamente, privando-a de sua liberdade e apesar das denúncias feitas pela atriz, nada foi feito a tempo de impedir o seu assassinato,8 de modo que o caso infelizmente só tomou notoriedade após a morte da atriz, gerando uma revolta coletiva, que levou inúmeras denúncias por outras personalidades que a partir de então começaram a denunciar situações parecidas ou idênticas. Diante disso, muitos estados americanos criaram legislação específica para a perseguição. E o primeiro Estado Americano a redigir foi o da Califórnia, em 1990, onde surgiu a primeira lei anti stalking, depois seguido de outros Estados.
A criação da legislação americana influenciou alguns países europeus a também tipificarem a conduta como crime e a responsabilizarem o atuar. A Itália ao introduzi-lo em seu ordenamento, usou o seguinte atuar: "atitudes que alteram hábitos de vida", Portugal, por seu turno, o atuar tipificado é a de: "prejudicar sua liberdade de determinação".
O que se percebe afinal é a intenção dos países de criminalizar o atuar do "stalking", como conduta criminosa.
E esta conduta, este atuar, para caracterizar o crime e o atuar ilícito para a responsabilização civil, no Brasil, deve configurar uma conduta repetitiva, que altera a rotina e a vida do perseguido, de tal maneira que esse se sinta impossibilitado, por conta do medo à sua integridade física ou psicológica, da preocupação, da intimidação, que recai sobre ele, logo não se aplica em casos de situações isoladas.
No Brasil, em meados de 2020, o termo "stalking por meio de redes socais" começou a aparecer em alguns acórdãos, como ocorreu no Tribunal do Distrito Federal, usando em questão a antiga Contravenção Penal do artigo 65, da lei 3.688, o que nos mostra que já era recorrente a prática do crime e que era necessária uma legislação compatível.
Analisando perfunctoriamente o tipo penal do artigo 147-A, esse prevê que toda e qualquer pessoa que persegue alguém, no mundo real ou virtual, de maneira repetitiva, colocando em risco a sua integridade física ou psicológica, e que dificulte a sua capacidade de locomoção, liberdade ou privacidade, poderá sofrer a pena de reclusão de 6 meses a 2 anos, e multa.
O artigo também prevê o aumento da pena na metade, se o stalker cometer o crime contra: criança; adolescente; idoso; mulher por razões da condição de sexo feminino; em concurso de 2 ou mais pessoas, ou com o emprego de arma.
Se há o crime, isto é, o atuar delituoso, este atuar é ilícito, e o atuar ilícito é base legal para a indenização de danos morais e materiais, conforme previsão legal da lei civil. Para ocorrer a indenização a vítima deve demonstrar que o atuar ilícito do perseguidor ocasionou-lhe resultado danoso, demonstrando o nexo de causalidade.
A autoridade, no campo do Direito Penal, agirá diante de representação,
Logo, se Beck morasse no Brasil, para ter seus direitos resguardados, precisaria fazer uma representação contra Joe, para que esse com medidas restritivas e/ou reclusivas fosse penalizado e teria que propor uma ação de indenização em face aos danos ocasionados por seu perseguidor, o que consideramos neste caso, seria em face da média do quantum debeatur das indenizações brasileiras, até o momento, mais educativas.
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1 VOCÊ (YOU - série Netflix) - Quando a obsessão é confundida com amor, disponível aqui.
2 Palavra que em português foi traduzida como perseguidor.
3 AMIKY, Luciana Gerbovic. Stalking. Dissertação de Mestrado em Direito, pela PUC-SP. 2014.
4 Referência utilizada após leitura do texto disponibilizado aqui.
5 Art.5º -... inciso X : são invioláveis a intimidade, a vida praivada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
6 Artigo 7º - Direito à liberdade pessoal
1. Toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoais.
7 Antes desta ocorrência houve o assassinato de John Lennon, atentado a Ronald Reagan que teria sido realizado para chamar a atenção da atriz Jodie Foster, etc.
8 Paixão obsessiva: Caso Rebecca Schaeffer, a atriz que foi morta por um fã.
Louise Rainer Pereira Gionédis
Sócia fundadora do Pereira Gionédis Advogados, certificada na nova LGPD, especialista em Direito Societário, mestre em Direito Econômico e Empresarial e em Cooperação Internacional.
Stephanie Mendes
Colaboradora do escritório Pereira Gionédis Advogados.