Danos morais, instituto de direito ao lesionado e não ao que busca enriquecer-se
São ajuizados inúmeros processos, evidenciados por carência de ação, em que as partes não procuram meios de solução aos conflitos arguidos, buscando ao final da lide, indenizações em pecúnia, por supostos danos morais. De tal forma, o judiciário torna-se vagaroso, deixando pouco espaço para casos em que há de fato o litígio.
quarta-feira, 16 de junho de 2021
Atualizado às 08:18
Os danos morais, à luz do artigo 5º, incisos V e X da CF, quando configurados, tem como garantia à parte lesada, o direito a indenização.
Ademais, Código Civil de 2002, em seus artigos 186, 187 e 927, discorre que aquele que cometer ato ilícito, causando dano a alguém, ainda que moral, será obrigado a indenizar.
Ainda, muito bem embasado, o artigo 944 do mesmo código, dispõe expressamente que a indenização é medida pela extensão do dano.
Conquanto, embora as disposições legais acima mencionadas, assegurem o direito à indenização por aquele que sofrer o dano moral, não há uma definição objetiva ao dano, ante a ausência de caráter patrimonial, diferente do conceito dado ao dano material, em que por exemplo, arbitra-se um valor monetário.
Dentre nossos doutrinadores, Maria Helena Diniz, conceitua o dano moral como uma lesão que atinge o ofendido em sua esfera intrínseca.
Na opinião do Nobre Desembargador Sergio Cavalieri Filho, deve-se conferir como dano moral, as situações de dor e sofrimento, desde que elas fujam da anormalidade e venham a intervir de forma direta, ocasionando desequilíbrio na vida do ser humano; não sendo plausível que a sensibilidade exacerbada, irritações, mágoas e aborrecimentos, sejam capazes de provocarem o instituto.
Em síntese, tem-se que, cabe indenização por danos morais, aquele que seja capaz de demostrar, que quem lhe causou o dano, ultrapassou os limites do que se considera como fato comum para o homem médio e não apenas um mero dissabor.
Sem embargo, já conhecido no mundo jurídico como a "industrialização do dano moral", os pedidos de indenizações por danos morais, em valores muitas vezes exacerbados, são feitos, contudo, sem avaliar o dano efetivamente exprimido.
Inúmeras ações são distribuídas em face de instituições financeiras, empresas de telefonia, seguradoras, entre outras, buscando pedidos que podiam ser concedidos de maneira administrativa, por canais que as próprias empresas oferecem, concomitantemente, com o pleito de indenização por danos morais A ausência de motivação jurídica é inteligível, dadas as situações em que as partes, mesmo com opções, não buscaram meios de solução para os supostos conflitos e ainda, sem que a parte ré, tenha ciência do fato arguido pela autora - que de forma simples e célere, poderia solucionar a tribulação, ainda no plano administrativo.
No entanto, os autores, de maneira ardilosa, com alegações de supostos danos e visando o êxito em indenizações, optam por solucionar a lide junto ao Poder Judiciário, escolhendo na maioria das vezes, os Juizados Especiais, em que não há a necessidade de contratarem advogados, tal como, não há custas em primeira instância.
O artigo 330, inciso I do CPC é cristalino ao dizer que a petição inicial será indeferida quando for inepta; sendo considerada inepta nos casos em que lhe faltar pedido ou causa de pedir, o pedido for indeterminado, os fatos não decorrerem com a conclusão e pedidos incompatíveis entre si.
Sendo assim, sem que haja a necessidade de acionar a justiça, é notória a carência da ação, por falta de interesse processual, uma vez que a parte não demonstrou que tentou resolver a demanda em caráter administrativo, mostrando-se claramente para os casos, a ausência do binômio necessidade-utilidade, requisito imprescindível para o interesse de agir.
Com efeito, a Relatora Carla Kaari, da 5ª Turma Recursal Cível e Criminal do TJ/SP, proferiu decisão que reconheceu a carência da ação, por falta de interesse de agir, haja vista que a proposta de empréstimo consignado foi cancelada antes da propositura da ação, não ocasionando nenhum prejuízo material, bem como, improcedente o pedido de indenização por danos morais, tendo em conta que a parte ré solucionou o caso rapidamente, não passando de um mero aborrecimento, concordante julgado adiante:
DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO.
Cancelamento por parte da instituição financeira anterior ao ajuizamento da ação. Falta de interesse de agir reconhecido. Prejuízo material inexistente. Dano moral. Não ocorrência. Mero aborrecimento. Sentença de improcedência mantida. Negado provimento ao recurso da parte autora.
(TJ-SP - RI: 10236634220208260007 SP 1023663-42.2020.8.26.0007, Relator: Carla Kaari, Data de Julgamento: 28/04/2021, 5ª Turma Recursal Cível e Criminal, Data de Publicação: 28/04/2021)
Ademais, os pedidos vêm carreados de forma genérica, sob aludidas alegações dos danos morais - que fogem do viés, como acima já citado - aduzindo terem sofrido dor, angústia, abalo psíquico, sendo estes, muitas vezes, sentimentos não oriundos dos fatos arguidos na petição inicial e não menos importante, não vivenciados por quem os alega.
Por falta de critérios objetivos, é corriqueira a banalização do dano moral, em que o mero aborrecimento, apresenta-se como artimanha, em busca de indenizações que possam auferir lucro.
Diante deste cenário, em brilhantes decisões, os Tribunais, reconhecem a inexistência de danos perante os que alegam, conforme denota-se:
BOLETOS ADULTERADOS. Ação declaratória negativa de débito cumulada com indenização por dano moral julgada improcedente, com consequente apelo da autora. Ausência de prova de que os boletos tenham sido gerados no âmbito do banco destinatário ou que os fraudadores tenham obtido dados junto ao recorrido. Culpa exclusiva de terceiro e da consumidora. Inaplicabilidade da orientação da súmula 479 do Colendo Superior Tribunal de Justiça à hipótese. Não caracterização de fortuito interno. Recurso não provido. (TJ-SP - AC: 10040926120208260597 SP 1004092-61.2020.8.26.0597, Relator: JAIRO BRAZIL
FONTES OLIVEIRA, Data de Julgamento: 17/3/2021, 15ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 17/3/2021)
DESCONTOS EM CONTA BANCÁRIA - COBRANÇA INDEVIDA DE SEGURO NÃO CONTRATADO - UTILIZAÇÃO DE LIMITE DE CRÉDITO - REGULARIDADE DA COBRANÇA DE ENCARJOS/ JUROS - DEVE DE INDENIZAR - DANO MATERIAL - COCORRÊNCIA - DANO MORAL - INOCORRÊNCIA - MEROABORRECIMENTO - SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA - RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
A cobrança indevida de valores não é suficiente para ensejar por dano moral ao consumidor. Transtornos e contratempo que o homem sofre no seu cotidiano, normais na vida de qualquer um, não são suscetíveis de reparação civil.
(Tribunal de Justiça do Mato Grosso TJ-MT - RECURSO INOMINADO: RI 1014341- 64.2019.8.11.0002 MT)
Sabemos que viver em sociedade pode nos trazer inúmeras divergências de opiniões e, consequentemente, para alguns, certos aborrecimentos e frustações. No entanto, o instituto do dano moral não deve ser utilizado como forma de solucionar os meros dissabores que enfrentamos diariamente como cidadãos.
Faz-se mister salientar, que não há interesse em defender a ausência do dano moral no direito e no processo, mas sim, que as partes socorram ao Poder Judiciário, quando tiverem o aludido dano devidamente vivenciado, deixando de utilizá-lo como enredo para alcançar indenizações, bem como, deixe de vigorar o excesso das demandas de maneiras injustificadas que, com a sobrecarga dos processos, refletem sinais de morosidade em todo o âmbito da justiça.
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DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, v. 7 - Responsabilidade Civil, 17ª edição, São Paulo, Saraiva, 2003.
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9 ed. São Paulo, Atlas, 2010.
Maria Bárbara Perna Manára
Advogada do escritório Parada Martini e coordenadora do time Santander.