A reclamação de juízes diante do alto número de causas é justa? De quem é a culpa?
E se eu, como advogado, reclamar publicamente sobre os "modelos padrões" de sentença que diversos juízes, ou seus secretários, fornecem? Reclamar do próprio trabalho costuma ser normal, mas não neste caso.
segunda-feira, 14 de junho de 2021
Atualizado às 11:29
Recentemente, dois casos chamaram a atenção da opinião pública quando ministros do Superior Tribunal de Justiça reclamaram, em sessões públicas de julgamento, sobre o volume supostamente grande de ações para julgar em sede recursal. Não é a primeira e provavelmente não será a última vez que esse tipo de "reclamação" acontece, mas a surpresa permanece sempre a mesma.
No dia 1º de junho de 2021, o ministro Sebastião Reis Jr. criticou o fato de estar em sessão julgando uma ação penal por um furto de alimento no valor de R$ 4,00 e afirmou:
Quando se gastou com esse processo? O jeito que está não é possível continuar mais. Onde já se viu a quantidade de questões que temos que julgar porque os tribunais e MP não aplicam nossos entendimentos?
De outro lado, no dia 8 de junho a ministra Nancy Andrighi afirmou que a qualidade do trabalho melhoraria se determinados processos não fossem ao STJ para julgamento e bradou:
É como se eu fosse, e eu gosto muito, juíza de 1º grau, mas tenho várias vedações que devo obedecê-las.
E, de certo modo, estes juízes tem razão no conteúdo, mas nenhuma razão na forma.
Eu, como advogado, vejo diariamente decisões frágeis, padrões e diametralmente opostas à inúmeros entendimentos consolidados dos tribunais superiores. Ou seja, evidentemente os processos irão subir.
Se um juiz de primeiro grau profere uma decisão que contraria inúmeros julgados sobre aquele mesmo tema, a parte afetada não irá simplesmente se conformar, ela irá recorrer da decisão de 1º grau, pois saberá que em instâncias superiores o entendimento pacífico irá prevalecer, pois não há inovação em primeiro grau, é bom lembrar.
Agora, se o juízo de primeiro grau profere uma decisão com base nos recentes julgados sobre a temática, mesmo que qualquer das partes recorra, não haverá alteração dos fatos e do mérito, motivo pelo qual o recurso apenas será protelatório e, ainda, diminuirá muito a incidência quantitativa, visto que, via de regra, para recorrer, se faz necessário o preparo em custas.
E é aí que fica exposto o Conselho Nacional de Justiça e a Corregedoria Nacional de Justiça.
Se os juízes de primeiro grau não estão agindo em consonância com o que deve ser institucionalizado, não resta outra alternativa que não recorrer e recorrer até as últimas instâncias para que o direito do autor, ou do réu, sejam garantidos.
Se o entendimento é de que uma indenização por dano moral em falha de prestação de serviços de energia elétrica deve perfazer a importância de R$ 10.000,00, por qual motivo um juiz inovador de primeiro grau profere uma sentença com indenização de R$ 2.000,00? Remédio? Recurso.
Por que razão um juiz originário indefere pedido de habeas corpus preventivo, com lastro teor comprobatório que justifica o pleito, se o Superior Tribunal Federal é o primeiro órgão a defender o uso do instrumento? Remédio? Recurso.
Em análise de outra perspectiva, considerando o alto número de processos, se os juízes, como um todo, aplicassem o teor pedagógico a que tanto se fala no curso dos processos judiciais, as empresas se preocupariam mais em não ferir preceitos do Código de Defesa do Consumidor ou então o Ministério Público que não oferecesse tantas ações se os juízes proferissem decisões fortes, contra essa máxima de que o MP tem que oferecer toda e qualquer ação e "o judiciário que se vire".
Mas não. Atualmente, o que mais se enxerga é um judiciário de serviço, tanto para autores menos providos de recursos financeiros como para grandes empresas que fazem o uso do judiciário para obter margem de lucro maior.
Se uma empresa economiza X ferindo preceitos do Código de Defesa do Consumidor e do Código Civil e, quando o caso vai ao judiciário, o mesmo penaliza essa mesma empresa em 1/5 (um quinto) de X, processos e mais processos permanecerão surgindo, pois tornou-se rentável.
Apesar de ter um fundo de razão, não resolve o problema um ministro do STJ reclamar da quantidade de processos se não trabalhar unido ao juiz de primeiro grau para que o número seja reduzido. Não resolverá o problema expor insatisfação pessoal em julgamento de recurso se nada for feito na linha de frente, se o CNJ não se manifestar e se a Corregedoria não atuar contra decisões-padrão.
Como, de certa forma, tudo no Brasil, o problema é institucional e precisa ser enfrentado na raiz. Se não houver união entre os entes do Judiciário, o problema irá não só permanecer, como se aperfeiçoar.
Afinal, não é à toa que o Brasil é o país do mundo com maior número de faculdades de direito. O processo virou uma indústria e como em toda indústria, quem tiver mais recursos irá vencer.