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Responsabilidade médica na cirurgia plástica

Patrícia Panisa

O tema da responsabilidade médica na cirurgia plástica é bastante controverso. Das várias tentativas de solução propostas, talvez a que mais tenha encontrado receptividade no meio jurídico seja a da clássica distinção entre obrigação de meio e obrigação de resultado. Porém, uma rápida análise da jurisprudência atual basta para se concluir que tal diferenciação não conseguiu pacificar as relações entre médico e paciente.

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2007

Atualizado em 19 de janeiro de 2007 11:00


Responsabilidade médica na cirurgia plástica

O consentimento livre e esclarecido como alternativa para a solução de conflitos entre médicos e pacientes

Patrícia Panisa*

O tema da responsabilidade médica na cirurgia plástica é bastante controverso. Das várias tentativas de solução propostas, talvez a que mais tenha encontrado receptividade no meio jurídico seja a da clássica distinção entre obrigação de meio e obrigação de resultado. Porém, uma rápida análise da jurisprudência atual basta para se concluir que tal diferenciação não conseguiu pacificar as relações entre médico e paciente.

A partir dessa constatação, percebe-se a existência de uma lacuna, de um espaço de reflexão aberto à apresentação e discussão de alternativas ao problema. É nesse contexto que surge a tese do consentimento livre e esclarecido. Mais do que uma inovação teórica, o consentimento livre e esclarecido representa a maneira encontrada por alguns juristas de conciliar os interesses das partes diretamente envolvidas - médico e paciente - com os direitos e garantias defendidos pela Constituição brasileira e por valores éticos e morais da sociedade contemporânea.

Segundo a antiga, e ainda corrente, distinção entre obrigação de meio e obrigação de resultado, a cirurgia plástica corresponderia à obrigação de resultado. Mais do que se comprometer a utilizar a melhor técnica no tratamento do paciente, independentemente dos sucessos alcançados - situação que caracteriza a grande maioria das intervenções médicas -, o cirurgião plástico se comprometeria a obter resultado certo, determinado.

O grande problema é que esse comprometimento com o resultado final nem sempre é factível. Existe uma série de variáveis, por natureza imprevisíveis, que pode interferir no sucesso ou fracasso do procedimento médico. Mesmo o médico experiente e zeloso pode não obter o resultado esperado, sem que para isso tenha agido com imperícia, negligência ou imprudência. Por outro lado, há profissionais que prometem mais do que está ao seu alcance cumprir ou que deixam de informar riscos próprios da cirurgia plástica, os quais seriam de absoluto interesse do paciente saber, até porque diretamente relacionados à decisão de submissão à intervenção cirúrgica.

Em suma, todos são colocados na mesma situação, que é a de analisar-se única e exclusivamente sob o prisma técnico, a obrigação assumida pelo médico face ao paciente cirúrgico, muito embora seja inegável que este tipo de relação não esteja adstrito apenas ao aspecto contratual.

É a partir da concepção de que a relação médico-paciente exorbita a perspectiva contratual, que chegamos à teoria do consentimento livre e esclarecido, que, embora não seja novidade mundo afora, ainda é pouco analisada e discutida no Brasil. Pelo consentimento livre do paciente, afere-se o alcance da responsabilidade assumida pelo cirurgião, ao mesmo tempo em que se engaja o paciente na tomada de decisão a respeito de seu próprio corpo, desde que conhecidos previamente todos os riscos da terapia proposta. E que fique claro: eventual responsabilidade médica daí emergente em nada se confunde com aquela decorrente do erro médico, pelo qual continua o profissional respondendo nos casos em que tenha provocado danos ao paciente por conduta que possa ser tida como dolosa ou culposa (negligência, imperícia ou imprudência).

A tese do consentimento livre se fundamenta, principalmente, na autonomia da vontade, princípio basilar no Biodireito e igualmente alicerçado no reconhecimento dos direitos constitucionais fundamentais de personalidade, decorrentes do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. O homem é livre para fazer ou deixar de fazer tudo aquilo que não for proibido ou exigido por lei. A sabedoria popular tem a sua versão para essa idéia: "a liberdade de um termina onde começa o do outro".

Na verdade, porém, mais do que o consentimento livre, o que se defende aqui é o consentimento livre e esclarecido. Afinal, se o paciente não tiver consciência de suas ações e acesso às informações pertinentes, em outras palavras, se não houver efetivo esclarecimento, não poderá haver consentimento livre. A liberdade de consentir é indissociável do conhecimento do objeto desse consentimento. Por isso, optamos por utilizar a expressão "consentimento livre e esclarecido".

No Direito, como em qualquer outra área do conhecimento humano, não há verdades incontestáveis, definitivas ou imunes a críticas. Nesse sentido, gostaríamos de esclarecer que não pretendemos apresentar a tese do consentimento livre e esclarecido como a panacéia geral de todos os males envolvendo conflitos entre médicos e pacientes no contexto da cirurgia plástica. Nosso objetivo é suscitar o debate e alargar os horizontes das discussões que vêm sendo travadas nessa área.

Em resumo, embora a distinção entre obrigação de meio e de resultado, no tocante à cirurgia plástica, tenha seus méritos, ela não se mostrou apta a solucionar os problemas verificados em nosso cotidiano. Está, portanto, mais do que na hora de superá-la e de partir para a análise das alternativas. E é disso que se trata o consentimento livre e esclarecido, de uma alternativa, viável e eficiente, de resolução de conflitos.

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* Advogada do escritório Mendes e Panisa







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