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O afastamento compulsório da empregada gestante durante a pandemia: O equívoco da lei 14.151/21

O afastamento das gestantes das atividades presenciais durante a pandemia de covid-19, com garantia da remuneração, mesmo quando impossível o trabalho remoto, prejudicará a contratação de mulheres.

terça-feira, 8 de junho de 2021

Atualizado às 17:24

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Em 24 de julho de 2020, foi apresentado no Plenário da Câmara dos Deputados o projeto de lei 3.932/20, sendo submetido ao regime de urgência. A proposta: imposição de afastamento das empregadas gestantes "em virtude do estado de calamidade  pública reconhecido pelo Decreto Legislativo 6, de 2020"1.

Na referida data, fazia pouco mais de cinco meses que o Ministério da Saúde, por meio da Portaria 188, de 3 de fevereiro de 20, havia declarado Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN) em decorrência da infecção que passou a ser chamada de covid-19.

A justificativa apresentada na proposta legislativa foi a de "proteger as mulheres gestantes de forma mais ampla e efetiva", uma vez que o Ministério da Saúde teria observado "altos índices de complicações, incluindo mortalidade, em mulheres no ciclo gravídico-puerperal com infecções respiratórias, sejam elas causadas por outros coronavírus3 (SARS-CoV e MERS-CoV), ou pelo vírus da influenza H1N14,5".

Ao final do processo legislativo, o projeto de lei foi sancionado pelo Presidente da República, resultando na edição da lei 14.151, de 12 de maio de 21, cuja redação tem o seguinte teor:

Art. 1º Durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo coronavírus, a empregada gestante deverá permanecer afastada das atividades de trabalho presencial, sem prejuízo de sua remuneração.

Parágrafo único. A empregada afastada nos termos do caput deste artigo ficará à disposição para exercer as atividades em seu domicílio, por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho a distância.

Art. 2º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Apesar da louvável tentativa de colocar a empregada gestante a salvo do risco de contrair covid-19, a lei, na verdade, padece de dois graves problemas cujas consequências são um risco à política de inserção da mulher no mercado de trabalho.

O primeiro defeito, talvez o mais óbvio, é que a lei pressupõe equivocadamente que todas as atividades laborais desempenhadas por gestantes podem ser exercidas à distância.

De acordo com a lei, a partir da confirmação do estado gravídico da empregada, esta deve ser obrigatoriamente afastada das atividades presenciais, passando a exercer suas funções em seu domicílio. No entanto, é notório que há inúmeras atividades que são incompatíveis com o trabalho remoto, que somente são viáveis presencialmente. É o caso das vendedoras, das repositoras de supermercado, das caixas de banco, das recepcionistas, das domésticas etc.

Como essas profissionais serão capazes de exercer suas atividades laborais a partir da segurança de seus lares? Obviamente que, na esmagadora maioria dos casos, isso será impossível. Mesmo assim, a empregada gestante deve ser afastada de suas atividades presenciais, "sem prejuízo de sua remuneração", conforme expressamente determina a lei.

Daí decorre o segundo problema da lei. A empregada gestante, mesmo sem poder exercer suas atividades à distância, deve ter sua remuneração integralmente paga pelo empregador.

Na prática, em razão da citada lei, a gravidez na pandemia, nos casos de inviabilidade de desenvolvimento das atividades à distância, passou a ser hipótese de interrupção do contrato de trabalho2, já que a empregada gestante não prestará seus serviços ao empregador, mas continuará a fazer jus à sua remuneração.

Ao contrário do que ocorreu com a medida provisória 936/20, convertida na lei 14.020/20, que implementou medidas para a manutenção do emprego3, a lei 14.151/21, em momento extremamente delicado vivenciado pela economia nacional, criou mais um encargo a ser suportado exclusivamente pelo empregador.

Assim fazendo, a pretexto de proteger a saúde da empregada gestante e do nascituro, a lei criou, na prática, um desestímulo à contratação de mulheres em idade fértil durante a pandemia, indo na contramão da efetivação dos seus direitos sociais.

O projeto de lei deveria ter sido objeto de uma reflexão mais profunda, a fim de prever solução para tais casos ou, ao menos, uma compensação ou alívio ao empregador, como, por exemplo, a suspensão do pagamento do FGTS da empregada afastada, a redução da alíquota dos tributos incidentes sobre a folha de pagamentos, etc.

O fato é que o texto que foi aprovado representa, sem sombra de dúvidas, um desestímulo à contratação de mulheres em idade fértil durante a pandemia.

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1 Íntegra do projeto de lei disponível clicando aqui

2 Segundo Maurício Godinho Delgado, "... a interrupção contratual é a sustação temporária da principal obrigação do empregado no contrato de trabalho (prestação de trabalho e  disponibilidade perante o empregador), em virtude de um fato juridicamente  relevante, mantidas em vigor todas as demais cláusulas contratuais" (in Curso de Direito do Trabalho, p. 1262. Edição do Kindle).

3 Tais como: o pagamento, pelo Governo Federal, de Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda; a redução proporcional de jornada de trabalho e de salário; e a suspensão temporária do contrato de trabalho.

Leonardo Silva Cesário Rosa

Leonardo Silva Cesário Rosa

Procurador do Estado do Acre. Advogado no escritório Leonardo Cesário Advocacia. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Brasília - UniCEUB. Pós-graduado em Direito Processual Civil e em Direito Constitucional pela Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL.

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