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Contratos e (re)negociações: Reflexões/desafios para uma economia em crise

Portanto, considerando que o atual cenário pandêmico fora estatuído como "caso fortuito", e referente ao tema "inadimplemento contratual".

segunda-feira, 24 de maio de 2021

Atualizado às 15:56

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Inicialmente, considerando os impactos da pandemia no cenário jurídico brasileiro, conforme tem sido amplamente noticiado, a referida crise importará em perda de renda significativa para parcela considerável da população - e, portanto, os contratantes. Sabe-se ainda que a covid-19 trouxe incontáveis alterações ao mundo jurídico, principalmente, na seara das obrigações contratuais. Sendo assim, no campo das relações privadas, viu-se necessário discutir a alegação de descumprimento de obrigação, visto que a pandemia - conforme será exposto adiante - caracteriza evento caso fortuito ou força maior.

Posto isso, nota-se uma clara movimentação para que a negociação visando adaptações nos contratos a fim de mantê-los se torne um dever entre as partes. Esse tipo de renegociação é uma saída para a crise contratual instaurada, visto que abre margem para a observância da autonomia de ambos os contratantes, através da renegociação de suas obrigações, cumulada com a manutenção da força obrigatória do contrato. Em resumo, nada mais é que um comportamento objetivando a revisão do contrato em face do surgimento de situações imprevisíveis, que tiveram como resultado algum tipo de desigualdade não prevista previamente, perseguindo unicamente o reequilíbrio da relação contratual.

O ordenamento jurídico brasileiro traz como resposta institutos que tratam do problema da alteração superveniente das circunstâncias contratuais e seus efeitos sobre a relação contratual, como forma de suavizar o tradicional princípio do pacta sunt servanda, tais como: teoria da imprevisão, onerosidade excessiva, caso fortuito e força maior.

Sob o panorama do isolamento social e das restrições impostas pela lei 13.979/20, no que tange o cumprimento em tempos de crise, e ainda, considerando os decretos - seja no âmbito do executivo municipal ou estadual - é possível dizer que geram a impossibilidade de cumprimento dos contratos, tanto pela paralisação de serviços quanto pela queda abrupta de faturamento.

Como se sabe, a mencionada lei versa sobre medidas de saúde pública decorrentes do surto ocasionado pela pandemia da covid-19. O decreto 10.282/20 regulamentou a lei, no intuito de se definir quais seriam as "atividades essenciais". Assim, considerando as medidas já tomadas, definiu-se por caracterizá-la - a pandemia - como caso fortuito.

As restrições advindas com a entrada em vigor do diploma legal mencionado, bem como considerando os decretos dos estados e municípios, sem dúvidas são pretensos geradores da impossibilidade de adimplemento de contratos, seja por razões de minoração da receita ou pela paralisação de determinados tipos de serviço, mesmo que apenas durante determinado interregno.

Desta forma, consoante é sabido, os acordos contratuais geram obrigações determinadas de comum acordo entre as partes, e em descumprindo o pactuado, tem-se a gênese do pleito para reparações relacionadas ao inadimplemento.

Portanto, considerando que o atual cenário pandêmico fora estatuído como "caso fortuito", e referente ao tema "inadimplemento contratual" sob tais circunstâncias, art. 393 do CC/02 aduz que o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, desde que não se tenha se responsabilizado de forma expressa.

Brevemente, sobre os institutos mencionados, cumpre pontuar que, o caso fortuito é originado do próprio serviço, possuindo interferência do ser humano em seu funcionamento, enquanto que a força maior se caracteriza de um fato extrínseco à atividade da empresa, não havendo interferência externa, tratando, portanto, de eventos unicamente naturais.

Ou seja, postos estes conceitos, é possível entender que o inadimplemento contratual gerado como consequência das restrições instituídas como forma de prevenção, se amoldam ao que se chamou de "caso fortuito" no Código Civil. Mormente, pois, a ausência de possibilidade para cumprimento das obrigações contratuais decorre da atividade exercida em si.

Nessa linha, assumindo que não há culpa das partes que ajustam o contrato entre si, a rigor, o devedor não irá responder pelos prejuízos que eventualmente tenha causado, com exceção de que não tenha assumido o dever de responder pelo inadimplemento, mesmo na hipótese de eventos da mesma natureza.

Nos termos alvitrados pelo art. 393 do CC/02, se aquele que contrata não tiver se responsabilizado expressamente em casos de força maior e caso fortuito, para que possa munir-se de alguma das excludentes de responsabilidade civil, é necessária a comprovação do liame causal entre impacto gerado e o descumprimento da obrigação.

Logo, nota-se que para romper o elo causal entre a obrigação contraída, mas inadimplida, o dano ou prejuízo causado e a ausência do dever de arcar com as penalidades, o obstáculo deve ser instransponível à execução da obrigação.

Na mesma toada, o devedor deve demonstrar que não se encontrava em mora antes do fato que deu ensejo a aplicação do instituto do "caso fortuito", visto que o inadimplemento in casu já preexistia, e o fato do agravamento da mora pela crise na saúde pública, não o isentará de arcar com as penalidades cabíveis.

Ainda sobre os novos contratos firmados, após o conhecimento da pandemia, é mui relevante que as partes tratem expressamente da alocação dos riscos da covid-19, pois, para eles, a possibilidade de revisão contratual será reduzida em razão da previsibilidade dos efeitos econômicos e sociais da crise.

Mister pontuar que deve se fazer menção, nos contratos celebrados durante o lapso pandêmico, sobre as restrições postas, visto que não poderão mais ser consideradas para alegações futuras de caso fortuito ou força maior, em razão de mais serem "desconhecidas e imprevisíveis" aos contratantes. Ou seja, preventivamente é papel daquele que ampara o contratante na seara jurídica, incluir que as novas contratações estejam munidas de previsão expressa sobre caso fortuito e força maior.

O referido no parágrafo anterior sustenta-se mesmo perante novas imposições de restrições por parte do Poder Público em razão de eventuais agravamentos da crise sanitária. Não há de se olvidar que os especialistas na área da saúde, por diversas vezes, alertaram acerca da possibilidade do surgimento de novas ondas da doença, mostrando-se, de certa forma, previsível a adoção de novas restrições e lockdowns.

Em razão disso, na esfera consumerista, defende-se a aplicação da teoria da quebra da base contratual, estampada na segunda parte do art. 6º, V do Código de Defesa do Consumidor, tendo em vista a fragilização da teoria da imprevisão.

Assim, para que se dê mais segurança jurídica, deve-se ajustar quais as soluções serão implementadas em casos símiles, a exemplo da suspensão contratual ou desistência do negócio, pondo fim às obrigações e mitigando os prejuízos.

Por derradeiro, é de suma importância reconhecer que está em curso um movimento bastante salutar, que prioriza a (re)negociação entre as partes, seja prorrogando o vencimento das obrigações, seja alternando, de comum acordo, cláusulas que envolvam valores.

Nesta escaramuça, tem-se que a negociação é devida tendo em vista decisões recentes dos tribunais pátrios, ao exemplo de hodierna decisão1 adotada pela 5ª Câmara de Direito Comercial do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, assentando que a teoria da imprevisão por covid-19 não pode ajudar somente uma parte em revisão contratual.

Desta forma, considerando o atual cenário de colapso na saúde pública global, recomenda-se aos contratantes, quando houver possibilidade, que se opte pela (re)negociação, a fim de que se restabeleça o equilíbrio contratual, evitando rompimentos abruptos, como também o próprio agravamento da crise política, econômica e social.

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1 TJSC Agravo de Instrumento 5002655-79.2021.8.24.0000

Luis Ricardo Saavedra

Luis Ricardo Saavedra

Bacharel em Direito.

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